Caçadores que descobriram cratera em Vera Cruz foram 'salvos' por cão desconfiado

Moradores de Matarandiba disseram ao CORREIO que estão com medo; causa do buraco é investigada

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  • Nilson Marinho

Publicado em 14 de junho de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Dow/Divulgação

Vista aérea da cratera aberta em Matarandiba, em Vera Cruz (Foto: Dow/Divulgação) Dois caçadores se embrearam no mato na madrugada do último dia 3 no povoado de Matarandiba, uma ilhota que pertence ao município de Vera Cruz, bem ao lado da Ilha de Itaparica. Estavam em busca de animais, em especial tatus, bichos ligeiros e discretos que costumam se esconder em buracos.

A dupla não imaginava, no entanto, que esbarraria com uma cavidade, digamos, bem maior do que aquelas em que os tatus costumam se esconder. Buraco, não, cratera com mais de 40 metros de profundidade, aberta em meio ao resquício de mata atlântica que beira a costa do povoado.

O buracão no meio do mato fica em uma área de exploração da empresa internacional Dow Química, responsável pela extração do sal em Matarandiba. Além de mais da profundidade, a fenda possui uma extensão superficial de 69×29 metros.

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Voltando dois dias na história, na madrugada do dia 3, os caçadores, que estavam na companhia de um cachorro, precisavam estar com a audição apurada. É preciso, nessas horas, estar em silêncio para descobrir onde a caça mora. O silêncio, contudo, foi quebrado por um forte estrondo que ecoou mata adentro.

O cachorro, bicho cismado, após o barulho, relutou em dar um passo à frente, mesmo com a insistência dos donos. O animal parecia saber que caminhar por mais alguns metros seria arriscado demais. E era.

Bom, os caçadores decidiram recuar respeitando a intuição do cholinho, mas decididos a voltar no dia seguinte para descobrir de onde veio o forte barulho. À luz do dia, a surpresa: algo nunca antes visto na história do povoado de aproximadamente 900 habitantes, que é formado, em sua grande maioria, por marisqueiras e pescadores.

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Não demorou muito para o espanto se espalhar por toda a região. A príncipio, os caçadores disseram que aquela cratera tinha o tamanho correspondente a três campos de futebol. Comentário suficiente para deixar boa parte da população em pânico. Técnicos da empresa, no entanto, verificaram, depois de uma inspenção, que o tamanho da cavidade equivale a 1/3 de um campo.

Embora os moradores tenham tomado conhecimento do ocorrido no dia 3 de junho, a empresa já estava sabendo do sedimento desde o dia 30 de maio, logo após um técnico avistar o local durante a manutenção do espaço. Ilhota que pertence a Vera Cruz fica bem ao lado da Ilha de Itaparica (Imagem: Google Maps) Exploração do solo Os mais velhos temem que a ilha venha abaixo ou se divida em duas; outros estão preocupados que a fenda cresça a ponto de chegar até a comunidade, mesmo o buraco estando localizado a cerca de 1 km de lá. Há também aqueles que estão convictos que se trata de um fenômeno natural ou um evento que aconteceu como consequência da exploração do solo da ilha ao longo de 40 anos pela Dow.

Atualmente, a empresa possui seis poços perfurados que servem para extrair a salmora que, mais tarde, é transformada em sal. Mas há 40 poços já desativados pela empresa; inclusive, um fica a cerca de 200 metros de onde surgiu a cratera.

A marisqueira aposentada Ivone Pereira, 71 anos, não precisou sair do varandado de casa, onde costuma repousar depois do almoço, para saber que a cratera tinha surgido em Matarandiba. No povoado, a notícia correu rápido, "assim como os mexiricos", brinca Ivone. E um evento daquele porte - e profundidade - não demoraria a se espalhar, claro. "O povo comenta aí, mas eu não sei direito, não. Não vi e não sei, mas o pessoal sabe. Mas eu pedi a Deus proteção. Sim, claro ficamos amendrotados, né? Se a ilha se dividir, quero ficar aqui, onde eu moro há 71 anos", diz Ivone.  Dona Ivone Pereira vive no povoado há 71 anos e nunca esteve tão preocupada (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O alívio só veio depois que, no rádio, um locutor local pediu calma à população, informando-os que, embora de grandes proporções, o buraco não corria o risco de se alargar a ponto de chegar à comunidade, se tratando apenas de um "fenômeno natural". Muitos moradores, no entanto, continuam duvidando.

Os curiosos se reuniram em volta da cratera para olhar, com os próprios olhos, o boato que corria pelas ruas do povoado. É o caso do pescador Altamiro Gonçalves, 54, que esteve bem próximo para fazer um registro da fenda pelo celular.  O pescador Altamiro Gonçalves se arriscou e chegou perto do buraco para fazer fotos (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) "Nunca vimos aquilo antes. Era cada 'pipoco', estrondo, parecia até trovoada. Como todo mundo estava dizendo que estava desabando, fomos lá para ver de perto", lembra o pescador.Hipóteses Se é um fenômeno natural ou ação do homem ainda é muito cedo para dizer, de acordo com Marco Antônio Botelho, geográfo e professor da Universidade Federal da Bahia (Ufba), é preciso um estudo da cratera e da área em que ela está inserida. 

Mas a única coisa que pode se afirmar, no momento, é que se trata de uma sinkhole (em tradução livre, 'buraco que afunda'), algo como um estresse no solo que surge quando há uma falha no terreno – nesse caso, de origem ainda desconhecida. 

Mas o geográfo possui duas hipóteses para o sedimento da terra. A primeira é que ali já existia um fluxo de água subterrâneo, lençóis freáticos que ao longo dos anos foi capaz de levar todos os sedimentos existentes. "O fluxo dos lençóis freáticos facilita a passagem de fluídos, então, isso, ao longo dos anos, décadas, pode ter sido capaz de escavar uma caverna na rocha arenítica", explica Botelho. A outra hipótese é que ali já existia uma falha natural, que pode ter sido acentuada devido à exploração da Dow no espaço. Mas Botelho lembra que as perfurações são subterrâneas e acontecem a mais de 1 km da superfície. Nunca, segundo ele, uma fenda como essa surgiu na superfície devido à utilização do solo por empresas.

"Essa falha pode ter facilitado a percolação de água nessa escavação e ter sedido alguma coisa. Historicamente, nunca aconteceu algo de colapso que veio a refletir na superfície", assegura o geográfo da Ufba.

Posicionamentos Segundo representantes da Dow, alguns procedimentos vão ser feitos nos próximos dias para analisar o motivo da abertura da cratera. São procedimentos imediatos de monitoramento feitos por satélites que capturam imagens da atual situação do solo para compará-las com imagens de um ano atrás. "Para que a gente tenha certeza de que não houve nenhuma variação recente", pontua Marcelo Braga, diretor de manutenção e operação da Dow Química na Bahia.Um estudo geomecânico deve ser feito em paralelo à captura das imagens para saber qual a probabilidade de ter existido falhas no terreno. Também deve ser implantado em toda a ilha sensores microssísmicos para escutar eventuais abalos de solo. Marcos Botelho, da Ufba, e Marcelo Braga, da Dow, acompanham situação (Foto: Mauro Akin Nassor/CORREIO) O prefeito de Vera Cruz, Marcus Vinícius (PMDB), explicou que o município acionou o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema), ao saber do aparecimento da cratera. A administração municipal também solicitou que a Dow fizesse o isolamento da área.“A Dow isolou até 20 metros depois da área, para evitar que curiosos vão até o local. Formamos uma equipe multidisciplinar, com geofísicos e engenheiros ambientais. Hoje (quarta-feira), a engenheira ambiental do município está participando dessa diligência que está sendo feita, junto com o pessoal da Dow”, afirmou o prefeito.Segundo ele, a prefeitura aguarda o resultado de estudos – inclusive o estudo de rocha – para identificar se a cratera surgiu de forma natural ou se foi causada por alguma perfuração. “Para evitar especulação, a gente não antecipa nada, mas estamos tomando todas as providências de isolamento”, diz. Não há prazo determinado para a conclusão dos estudos.

Procurada pelo CORREIO, a assessoria do Inema informou que uma equipe técnica de fiscalização de emergência do órgão esteve no povoado na última quinta (7). Após o levantamento das informações, a equipe trabalha agora na elaboração de um relatório que deve identificar as causas do aparecimento do buraco. Também não há previsão de quando o relatório ficará pronto.

A Secretaria estadual da Casa Civil informou que a Defesa Civil, órgão ligado à pasta, também acompanha a situação da cratera junto aos órgãos ambientais. O CORREIO entrou em contato com a Agência Nacional de Mineração, que é a responsável pelo licenciamento na região, segundo a prefeitura, mas não houve resposta até a publicação da reportagem.

Colaborou Thais Borges. *Com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier e do editor João Gabriel Galdea.