Calor do Verão faz crescer o número de baratas na capital baiana

O problema é relatado por moradores de todos os bairros de Salvador

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 11 de fevereiro de 2017 às 07:24

- Atualizado há um ano

Não há números ou pesquisa científica sobre o aumento do número de baratas na cidade. Mas chega o Verão e elas se multiplicam em escala industrial. “Tem umas transformers estilo Dinoboths e Predatons aqui no Rio Vermelho, na Rua Rogério de Farias”, indicou Jorge Vieira. A reprodução das “mutantes” se dá em altas temperaturas e onde há lixo. “Em períodos quentes, a matéria orgânica do lixo entra em decomposição muito mais rápido e facilita a proliferação”, explica a entomologista do Instituto de Biologia da Universidade Federal da Bahia (Ufba) Favísia Freitas.

Neste Verão, algumas localidades estão sentindo mais. Sofrem ataques em massa. Cai a noite e a barataria surge por toda parte. “Vem sempre do ralo do banheiro! Superestranho porque nunca foi costume! E são enormes!”, denuncia Ellen Chaves. Elas estão na cidade toda. Do Candeal a Periperi, de São Caetano ao Loteamento Aquários, na Pituba. “Mesmo com uma limpeza eficiente e aplicação de veneno, notei que a presença de baratas aumentou em meu apartamento”, relatou Eduardo Fadigas, que mora na Pituba. Depoimentos denunciam pontos tradicionais de atração de baratas, como terrenos baldios e lixos irregulares.O CORREIO foi em dois deles, na Federação. Um deles é um terreno nos fundos do Hospital Salvador, na Rua Eulálio de Oliveira. O outro, um prédio abandonado, na Rua Severo Pessoa. Nos dois, os vizinhos é que sofrem. “Tem que deixar as janelas fechadas dia e noite. Dia desses, abri a janela, deitei e quando ouvi um ‘poc’, senti que ela tinha pousado no meu braço. Foi desesperador”, narrou a histotécnica Maria Rivânia, 39 anos. O proprietário do terreno não foi localizado.Na Severo Pessoa, a rua inteira sofre. Um enorme lixão nos fundos de uma antiga repartição pública atrai não só baratas, mas insetos e muitos ratos. Sobrou até para seu Gilmar Luz, 51, porteiro do prédio que tem o mesmo nome da rua. “Outro dia matei cinco só aqui dentro da guarita. Tinha mais duas aí fora que não consegui matar”.A Limpurb informou que trata-se de um prédio Federal do Departamento de Obras Contra as Secas (Dnocs), que foi notificado. “Esses pontos de lixos irregulares complicam o controle dessas pragas”, justificou o presidente da Limpurb, Kaio Moraes. Ele informou ainda que a coleta de lixo na cidade “nunca esteve tão regular” e que o acúmulo de lixo se dá muitas vezes por descuido da população ou em imóveis abandonados. “A população precisa colaborar. Até mesmo o horário em que o lixo é descartado influencia. Se a pessoa descarta muito antes da coleta, facilita a proliferação dos insetos”.Pernas pro arElas são dissimuladas... “Todo dia acordo com uma descansando, de pernas pro ar. Quando vou atrás correm”. Às vezes chegam de galera: “Eu levanto à noite e parece um Carnaval na minha cozinha”. São resistentes: “Já gastei quatro frascos de SBP”. E parecem monstruosas. “Acordo com o saldo de cinco a sete baratas voadoras, monstras e horrorosas todos os dias”. Os depoimentos são de leitores do CORREIO, em resposta a uma pergunta feita na nossa página do Facebook. “Notou aumento da presença de baratas onde você mora?”. Mais de 800 curtidas, 517 comentários e 44 compartilhamentos. A maioria dos comentários mostrava o desespero de quem tem pânico e nojo das bichas. “Aff! Aqui no Pero Vaz está infestado, são enormes, nojentas, asquerosas e, pior de tudo, voadoras! Eca, que nojo!”.

Para a analista de sistemas Aline Martins, 31, é como acordar ao lado de Gregor, do livro A Metamorfose, de Franz Kafka, onde ele se vê metamorfoseado em uma barata gigante. Agora, imagine acordar ao lado de seis ou sete Gregors? É que, na cabeça de Aline, os insetos que volta e meia rodeiam sua cama ao amanhecer são bichos monstruosos, enormes, prestes a devorá-la. Ela diz que se mudou para o Cabula VI em novembro e, no final do ano, os ataques começaram. “O foco de barata e muriçoca se alastrou e isso se tornou uma queixa praticamente da rua toda”, diz. Ela fecha todos os possíveis acessos a esgotos e não deixa sequer dormir pratos na pia.A arquiteta Aline Rocha, 36, mora no 12º andar de um prédio na Ladeira do Acupe. No Verão de 2016, bastava esquecer de fechar as janelas para as baratas entrarem. “Só gigante! Depois disso, fechava todas as janelas no fim da tarde. Vivia num calor retado”. Em Amaralina, Jaime Mota Filho, 27, também se viu cercado por baratas com a chegada do Verão. “Só ontem eu matei sete. Durante a madrugada, acordei para ir ao banheiro, vi duas na sala e matei”. Quando tentava voltar a dormir, o pesadelo recomeçou. “Percebi uma andando no meu braço. Acendi a luz e percebi que tinham mais cinco no quarto, sendo quatro entre a parede e teto. Matei todas, mas fiquei receoso de dormir”. Apesar de tudo, Jaime diz que não tem medo. “Só nojo”. 

Calor e lixo ajudam a atrair as baratasA entomologista do Instituto de Biologia da Ufba Favísia Freitas diz que não há registro sobre o aumento do número de baratas na cidade. “Mas pode ser, sim, que isso esteja ocorrendo em alguns bairros específicos”. Favísia não tem dúvidas dos motivos desse aumento. “Uma coisa é certa. Esse aumento do número de baratas só vai ocorrer onde tem lixo. É provável que isso esteja ocorrendo em alguns bairros pelo acúmulo desordenado do lixo”, explica.Lixo, no caso, seria tanto a matéria orgânica como a inorgânica. Qualquer lixo pode atrair baratas. “Porque barata come até isopor. Se for lixo de entulho, plástico ou de matéria orgânica, isso atrai baratas”. Mas, de fato, em períodos de maior calor, a reprodução é mais rápida. “Matéria orgânica em decomposição é comida, fartura para as baratas. É um ciclo. Mais lixo, mais barata”. É aí que mora o perigo. As baratas atraem outro inseto. “O escorpião é um dos principais predadores da barata, por exemplo”, alerta.

Favísia explica que cidades limpas, com bom saneamento básico, atraem menos insetos. “Se faz muita campanha para combater o mosquito da dengue, zika e etc, mas não se destina um aporte financeiro maior para o saneamento”, critica. Para quem acha que estamos falando de um bicho inofensivo, saiba que está equivocado. “A barata é uma das principais fontes de disseminação de bactérias. Ela não tem critério por onde passa. Em hospitais, elas podem causar infecções”, avisa a especialista.

Sobre o combate doméstico de baratas, Favísia explica que as empresas dedetizadoras costumam ser eficientes. Mas orienta que, na hora de buscar o serviço, a pessoa deve procurar uma empresa referenciada. Antes, ela sugere que se teste os inseticidas comuns, vendidos em supermercados. Em alguns casos, eles podem funcionar. Mas com um detalhe: “Quando bater o inseticida pela casa, repita a operação em cinco dias. Assim é possível matar os ovos que as baratas que morreram colocaram. Senão os ovos eclodem”, explica.