Caminhada da Pedra de Xangô reúne 2 mil pessoas em Cajazeiras

Celebração é realizada pelo Terreiro Ilê Tomim Kiosise Ayo há 9 anos

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  • Tailane Muniz

Publicado em 4 de fevereiro de 2018 às 16:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

A encruzilhada principal da região do Campo da Pronaica, em Cajazeiras X, foi tomada por milhares de adeptos do Candomblé, na manhã deste domingo (4). Pais e mães de santo de diversos terreiros se reuniram por um objetivo em comum: pedir proteção a Xangô, o orixá da justiça.

Ao som dos atabaques, que entoavam o xirê - dança de saudação ao orixá -, o Padê, oferenda destinada a Exu, responsável por abrir os caminhos, marcou o início da IX Caminhada da Pedra de Xangô, realizada pelo Terreiro Tomim Kiosise Ayo, sempre no segundo domingo de fevereiro.

Acompanhada de seus ekedis e ogãs, filhas e filhos de santo, respectivamente, Mãe Iara de Oxum ficou encarregada de pedir a autorização de Exu para dar início à caminhada, de quase dois quilômetros, rumo à pedra, localizada na Avenida Assis Valente.

Com uma vela nas mãos, a pequena ekedi Ágata, 4 anos, demonstrou serenidade ao auxiliar sua anfitriã nos rituais de partida à celebração que, para o povo do Candomblé, simboliza coragem, resistência e respeito a Xangô. Ritual de oferenda a Exu marca início de caminhada (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) "Estamos aqui, mais um ano, para mostrar à sociedade que nós, de santo, estamos vivos e resistimos. O maior objetivo é reunir o nosso povo numa caminhada de paz e unidade", afirmou Mãe Iara ao CORREIO. À frente do Ilê Tomim Kiosise Ayohá, localizado em Cajazeiras 11, há 20 anos, Iara disse que partiu dela a iniciativa de criar uma manifestação religiosa em prol da pedra. "Me articulei com outros pais e mães, porque era um local de mata mata fechada e de difícil acesso".

Tombada pela Fundação Gregório de Mattos há exatos oito meses, o monumento é considerado sagrado por adeptos das religiões de matrizes africanas."Nossa religião tem uma forte vertente de adoração à natureza. Por isso a pedra é um instrumento tão importante para nós", salientou.Resistência Localizada em uma área de mata, a pedra gigante, segundo Mãe Iara, servia de refúgio para negros escravizados. Embora represente um símbolo de luta para o povo negro, a mãe de santo explicou que a Pedra de Xangô é uma vítima constante da intolerância de muitos. 

"Já jogaram quilos de sal grosso lá. Picham e jogam lixo, além de oferendas que são destruídas. Infelizmente, é o que acontece. Por este motivo, clamamos por justiça e igualdade a Xangô, além de agradecer pelas bênçãos", salientou Mãe Iara, responsável por dar o nome do orixá à estrutura. Mãe Iara de Oxum, idealizadora da caminhada que ocorre há nove anos (Foto: Thais Vieira Lima/Divulgação) "Nós fazemos de tudo para preservá-la. Somos nós [de santo] que limpamos e cuidamos de toda área", acrescentou Iara. 

O desrespeito e episódios de violência também foram lembrados pela filha de santo Marta Rocha. "É intolerável que nossas crianças não possam exercer nossa religião nos espaços comuns. Nas escolas, nos parques, por medo de sofrer repressão. Historicamente, o nosso lugar sempre foi na porta dos fundos, na cozinha, limpando a sujeira que eles [brancos] deixavam. Não dá mais para tolerar essas práticas", desabafou ela, que todo ano comparece à caminhada. 

Para o babalorixá Roberto D'Oxóssi, a Caminhada de Xangô é uma oportunidade de levar conhecimento e, consequentemente, mais tolerância às pessoas. "É resistência, antes de tudo. Esse tipo de evento é importante para que o engajamento seja exercitado, e para que as pessoas conheçam um pouco mais da gente, pois o sagrado deles nós respeitamos. Que um dia eles possam, também, respeitar o que é sagrado para nós", afirmou ele, que pertence a um terreio de Camaçari.  No topo da Pedra de Xangô, ogãs entregam amalá (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Amalá Em vários momentos, durante a caminhada, o povo de santo, unanimemente vestindo branco, manifestou seus orixás. O milho branco, que representa a paz e o equilíbrio, era jogado do alto do minitrio nos milhares de admiradores de Xangô que, unidos, levaram o amalá - o caruru, a comida preferida do orixá - ao topo da pedra. 

Filha de santo, Jéssica de Iemanjá, 20, saiu de Paripe, no Subúrbio Ferroviário, para participar. Acompanhada da filha, a pequena Manuele Victória, 2, ela comentou sobre a importância de levar o entendimento da religião à criança. "É nossa primeira vez aqui. Trouxe porque acredito que quanto mais cedo ela tiver o entendimento da doutrina, melhor", afirmou.

No final do cortejo e vestida a caráter, Manuele parecia à vontade com a multidão à sua volta. "Ela gosta, já sente a energia. Somos do axé, tá no sangue", concluiu Jéssica. 

Já no local, os ogãs subiram ao topo da pedra levando a principal oferenda. Foi a hora de encostar as mãos e cabeças na pedra gigante e, individualmente, pedir suas bênçãos. Fogos de artifício e pombas brancas sinalizavam, segundo Mãe Iara, o cumprimento de mais uma "obrigação ao rei soberano".