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Campo desconectado


 

Serviço celular precário prejudica desenvolvimento do setor agropecuário na Bahia

  • Georgina Maynart

Publicado em 14/03/2019 às 15:33:00
Atualizado em 19/04/2023 às 13:40:06

Desconectado. Sem sinal de celular e sem comunicação. Em muitas áreas da Bahia a tecnologia ainda não chegou, ou é ineficiente. E na busca desesperada para se comunicar, não adianta cobrir o aparelho com arame, subir em árvore ou escalar montanhas para “pescar” algum rabicho de sinalzinho perdido na altitude. Não funciona. 

A desconexão é comum no interior da Bahia, principalmente na zona rural, e vem prejudicando muitos segmentos da economia, principalmente o setor agropecuário. Ao redor das fazendas, ou até mesmo na sede das propriedades, é difícil se comunicar através de celular.

No oeste da Bahia, território de grandes extensões, onde fica a última fronteira agrícola do país, campeã na produção de grãos e fibras, a situação é considerada grave. 

Fora da zona urbana é quase impossível completar uma ligação. E até dentro das cidades, como em Barreiras, o sinal é interrompido várias vezes. 

Durante a realização desta reportagem, foi necessário religar várias vezes para completar as entrevistas. Em apenas uma das ligações, o sinal foi interrompido 8 vezes, em menos de 5 minutos. De acordo com os agricultores, a comunicação celular inexiste em cerca de 70% da região.“O problema é terrível e preocupante, porque nos dias atuais não existe um negócio que possa ser realizado sem comunicação. Através do celular é possível autorizar serviços, gerenciar processos contábeis da empresa, fazer pagamentos bancários. Nós fazemos um apelo as autoridades que reconheçam que o sinal de celular é essencial nas propriedades rurais, para gerar emprego e recursos para o estado”, afirma Moisés Schimidt, vice-presidente da Associação de Agricultores do Oeste da Bahia. Não há números exatos sobre o prejuízo causado pela desconexão telefônica na região, mas o entrave no serviço tem atrapalhado inclusive a emissão de nota fiscal eletrônica por parte das empresas rurais. A NFC-e, como é chamada, se tornou obrigatória em todo o estado desde o início do ano, e precisa de conexão telefônica para ser emitida. 

Para cumprir a lei, muitos agricultores da região Oeste estão até recorrendo ao sistema de rádios transmissores. Com estes aparelhos é possível propagar o sinal da internet até as propriedades e emitir a nota.

“Nós enfrentamos uma situação complicada, quase de calamidade quando se trata de gerar riqueza e manter a produção, simplesmente por que não temos comunicação. É quase impossível emitir nota fiscal eletrônica na zona rural. Muitos produtores estão sendo obrigados a usar este sistema alternativo para conseguir atender as demandas do governo estadual e federal, obter sinal de internet e cumprir as obrigações legais, ambientais, trabalhistas e tributárias. Isso limita o crescimento regional e novos investimentos”, pondera Schimidt.

Um aparelho retransmissor de rádio pode chegar a custar 20 mil reais. Além disso, o agricultor corre risco de ser multado e penalizado. Segundo a lei brasileira, apenas as operadoras têm permissão para replicar e retransmitir sinal.

Segundo a Secretaria Estadual da Fazenda, o sistema eletrônico de emissão de nota está em operação nos 417 municípios da Bahia, e 56,2 mil contribuintes baianos já emitem este tipo de nota para registrar o pagamento de impostos como o ICMS, Impostos sobre Circulação de Mercadorias. Em resposta ao Correio*, a Sefaz informou que os contribuintes que não tem acesso à internet podem emitir a nota em contingência, ou seja, off-line, para posteriormente, quando estiverem em local conectado, enviar a nota para a secretaria.

Totalmente desconectados

Sem sinal, não adianta comprar aparelho celular. É o que pensa muita gente. Dados do IBGE mostram que a Bahia é o estado com maior número de pessoas que não tem telefone móvel por indisponibilidade do serviço. 

Cerca de 165 mil pessoas enfrentam este problema. Neste índice negativo, a Bahia está abaixo apenas do Pará, onde 177 mil pessoas consideram inútil comprar um aparelho de telefonia móvel.

A pesquisa, realizada em parceria com o Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações, aponta ainda que o índice de pessoas que tem celular no estado está abaixo da média nacional. Enquanto na Bahia, cerca de 71,4% da população com 10 anos ou mais de idade tem aparelho móvel para uso pessoal, a média nacional ultrapassa 78,2%.

Mapa da desconexão 

As lacunas de serviço celular, ou baixa frequência do sinal, podem ser confirmadas no mapa de Cobertura Celular, disponibilizado na internet pela Anatel. O Mapa mostra que a intensidade de sinal é fraca, ou ausente em boa parte do estado. Existem áreas, onde nenhuma das operadoras que atuam no estado oferece o serviço.  Em distritos como Roda Velha, a intensidade de sinal é muito baixa na zona urbana e inexiste na zona rural.  O distrito pertence a Sâo Desidério, município com maior PIB agrícola do Brasil, segundo o IBGE. Mapa: Anatel. Na Chapada Diamantina, o problema atinge os moradores de muitas cidades e milhares de produtores rurais. Os agricultores da região, famosa pela produção de morango, batata, café e hortaliças, enviam remessas de frutas e verduras para vários estados, mas enfrentam problemas na comunicação com os clientes.

“Temos um dos dez maiores PIB´s do estado, mas temos um precário serviço de telefonia, o que atrapalha a formalização dos negócios. Esta é uma lacuna gigantesca para o desenvolvimento econômico da região. Muitas vezes, os caminhões já estão carregados e o agricultor precisa esperar o sinal voltar para poder emitir uma nota eletrônica. Sem ela o transporte da produção não pode acontecer. É um absurdo, e quando a gente liga para as operadoras para pedir um upgrade, dizem que não tem disponibilidade para a área”, afirma Evilásio Fraga, coordenador do Agropolo, que reúne produtores rurais dos municípios de Mucugê, Ibiacoara e Barra da Estiva. 

Apesar de movimentarem cerca de 800 milhões de reais por ano através da produção agrícola, e gerarem atualmente 3 mil empregos com carteira assinada, os produtores ainda padecem com a desconexão em mais de 70% da área.

Para tentar resolver o problema, alguns agricultores ainda mantem o telefone fixo, considerado mais caro. Outros recorrem aos serviços de Whatsapp e Internet fornecidos por pequenas empresas locais, que alcançam de forma eficiente apenas as áreas urbanas.“Atualmente nos comunicamos mais pelo aplicativo. Já fizemos reuniões com os órgãos públicos para tentar viabilizar a melhoria dos serviços e não adiantou. A população está sendo prejudicada, e nós não temos um horizonte de quando teremos um serviço de qualidade”, acrescenta Fraga. Em Mucugê, município com pouco mais de 14 mil habitantes, a frequência de celular é baixa, só funciona em alguns pontos da cidade, e atinge também os turistas que visitam a região. 

A internet oficial da cidade não chega a atingir 1 Mb, só tem capacidade para 600 Kb, e as empresas particulares cobram cerca de 70 reais para fornecer o serviço adicional. O mapa da Anatel mostra que a Claro, a principal operadora no município, oferece serviço 4G com cinco pontos, a intensidade máxima. 

Quem visita a Chapada costuma avisar as famílias que pode ficar vários dias sem mandar notícias. Já as empresas de turismo se sentem prejudicadas.

"Muitos clientes, principalmente os estrangeiros, acabam também não entendendo a nossa demora para responder as chamadas e retornar as ligações. Mas é exatamente a precariedade do sistema que provoca esta situação. Para minimizar esta falta de comunicação fomos obrigados a investir em um site de vendas on-line, com manutenção 80% mais cara do que um portal comum. Já para entrar em contato com os guias usamos rádios de curta distância", afirma Flávia Brívia Ramos , da Agência de Turismo Chapada Aventure Daniel, sediada em Lenções. Chapada Diamantina: Em cidades como Mucugê, completar ligação com o celular é difícil. Foto: Georgina Maynart. Monitoramento

A Agência Nacional de Telecomunicações (Anatel) informou que fiscaliza a qualidade móvel nos 5.570 municípios do país de forma sistêmica e perene, por meio de indicadores que avaliam a existência de congestionamento ou quedas de conexão. 

Destacou ainda que não há obrigações legais de cobertura com telefonia móvel nas regiões rurais ou afastadas. Os editais englobam somente os distritos e sedes dos municípios.

A agência informou que um município é considerado atendido quando a área de cobertura contiver pelo menos 80% da zona urbana do distrito sede. Dessa forma, pode existir um máximo de 20% de área urbana sem cobertura. 

A nota enviada ao Correio* ressalta ainda que os usuários podem se deparar com “áreas de sombra”, onde há degradação do sinal em virtude de alterações geográficas e climáticas, e garante que a agência realiza fiscalizações periódicas para verificar a cobertura de sinal, quedas de chamadas e a qualidade do serviço. 

Nos casos em que são constatados atrasos ou não atendimento, a agência instaura procedimentos de apuração, sanções de advertência, multa e até suspensão temporária da concessão. A Anatel não informou quantos destes procedimentos ou sanções foram realizados nos últimos meses. 

O que dizem as operadoras

*TIM: A cobertura atual da operadora atende 200 cidades da Bahia, Segundo a operadora em 193 cidades a empresa oferece tecnologia 4G, e já está disponibilizando também o VoLte, chamadas de voz com qualidade HD para 171 municípios baianos. A empresa informou ainda que possui um plano de expansão e abrangência de rede, com o intuito de garantir que cada vez mais pessoas tenham acesso aos serviços de voz, dados e conectividade. Disse ainda que vai investir 12,5 milhões até 2021 em infraestrutura de rede, e usará ainda as redes ociosas de 2G e 3G para ampliar a frequência.

*VIVO: A empresa afirmou que está presente nos 417 municípios baianos, e em 246 cidade oferece cobertura 4G e 46 com 4G+. Informou ainda que investe constantemente na ampliação e manutenção de rede para oferecer melhor qualidade e conectividade aos clientes, e que a expansão respeita as metas de cobertura determinados pela Anatel em Editais de Licitações.

*Já a OI e a Claro não se posicionaram até o fechamento desta edição.

Serviço: Para consultar a intensidade de sinal na sua região baixe o aplicativo Anatel Consumidor, disponível no portal da agência, ou acesse o mapa de cobertura no site. http://sistemas.anatel.gov.br/se/public/cmap.php. Também é possivel consultar o mapa diretamente no portal de cada operadora.

Onde reclamar: Reclamações contra as operadoras de serviços podem ser registradas no portal da Anatel, ou através dos números 1331 ou 1332