Caratecas da Santa Cruz fazem vaquinha para disputar Pan no México

Atletas precisam juntar R$ 46 mil para cobrir os custos da equipe

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 27 de agosto de 2019 às 05:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Betto Jr./CORREIO

A Bahia teve 23 representantes no último Campeonato Brasileiro de karatê-dô tradicional, que aconteceu em João Pessoa no mês de julho. No final da competição, um único clube voltou para Salvador com 23 medalhas na bagagem. Localizado no bairro da Santa Cruz, o Instituto Bushido nasceu há pouco mais de um ano, mas já tem muita história para contar.

Idealizadores do projeto, os irmãos Pedro Filho, 26, e Aryel Oliveira, 23, praticam a arte marcial há 17 anos e iniciaram devido ao incentivo do pai, servidor público aposentado, que vislumbrava ver os filhos com capacidade de se defender em situações de perigo. “A rua ensina da pior forma e precisamos estar preparados”, conta o professor Aryel, nascido e criado na Santa Cruz. 

O início da trajetória dos irmãos senseis – termo usado para designar quem ensina as artes marciais - foi sob a tutela do professor Sérgio Bastos, no Sesc Aquidabã. Desde então, vieram exames de faixa, competições, treinamento em diversos clubes e, então, o sonho de ter o próprio.“Tem gente que chega na faixa preta e pensa que acabou. Mas não pode ser assim. Então é isso que o clube representa: um novo começo, a ideia de seguir sempre em frente”, discorre Aryel.Ele foi campeão brasileiro da categoria adulto. Por causa do desempenho, acabou convocado para defender o Brasil no Campeonato Pan-Americano de karatê-dô tradicional, que vai acontecer na Cidade do México, de 21 a 26 de outubro.

Mais oito atletas do Instituto Bushido conseguiram se qualificar para o torneio continental, mas as dificuldades financeiras podem atrapalhar o sonho dos caratecas baianos. O orçado pelos professores é que serão necessários cerca de R$ 46 mil para cobrir os custos de passagens, hospedagem, alimentação e inscrição dos nove representantes. Contudo, não há qualquer subsídio para a participação.“Para se ter uma ideia, o custo médio para cada atleta competir no Brasileiro era cerca de R$ 1 mil. Isso cobria tudo. Hoje, só a passagem de ida e volta custa R$ 3,5 mil. É muito pesado”, ilustra o professor.O lema do instituto é correr atrás de soluções. Para conseguir arrecadar o dinheiro necessário há união de família, atletas e professores: eles realizam eventos, rifas e outras saídas criativas para obter a grana. Dessa vez, também criaram uma vaquinha virtual, onde qualquer pessoa pode doar uma quantia em dinheiro para o clube arcar com as despesas - o link é vaka.me/642546.

“Fizemos parecido para competir no Brasileiro. Vendemos feijoada, organizamos uma festa junina para vender comidas típicas, bebidas e rifas. Também buscamos empresas que se interessem no projeto para fazer divulgação de marca em troca do auxílio”, explica Aryel.

Hoje, o instituto conta com cerca de 70 alunos de 10 a 17 anos, segundo estimativa de Pedro Filho. A sede fica em um galpão na rua Presidente Kenedy, com aluguel mensal de R$ 500. Cada aluno paga R$ 60, e os dois irmãos ofertam bolsas para cinco jovens que não têm condições financeiras. Basicamente, é dessa forma que o Bushido sobrevive.

Na hora de explicar o significado do nome do clube, os olhos de Aryel brilham e o professor, até então sério e comedido, deixa escapar um sorriso que mistura orgulho e felicidade. Segundo Aryel, Bushido (lê-se Buchidô) se explica na palavra essência, presente nas camisas personalizadas do instituto. “Bushido: a essência nos move” é o que está escrito na blusa.

“É até meio difícil de explicar. Fica mais fácil de viver e sentir”, aponta o sensei antes de tentar formular as palavras. No sentido duro, Bushido é um antigo código de conduta dos samurais. Uma série de normas que regeu como os guerreiros nipônicos deveriam se comportar. 

Na Salvador de 2019, Bushido significa criar laços. Ser um carateca no tatame e na vida, com valores de respeito, colaboração e aprendizado constante. Seguindo essa linha, o clube não se esgota em si ou em uma faixa preta. “A busca pela essência não para, segue até a nossa hora de partir”, ensina o mestre. A essência é o que move.

Convocado

A timidez de Gianlucca Bonfim é inversamente proporcional ao seu gosto pelo karatê. Aos 15 de idade, ele está na faixa marrom, fruto de oito anos dedicados à arte marcial. Iniciou a trajetória com os atuais mestres na escola que estudava quando mais novo, no final de linha do Nordeste de Amaralina.

Assim como boa parte da molecada que treina no Instituto Bushido, Gianlucca divide a semana entre os estudos e os treinamentos no bairro da Santa Cruz.

Ele é um dos nove garotos na labuta para viabilizar a viagem até a Cidade do México. Contudo, disputar um Pan-Americano não possui ar de ineditismo para o adolescente que carrega seu nome bordado na faixa que se orgulha em ter: em 2017, ele viajou ao Peru para disputar o torneio representando seu clube e voltou da terra dos Incas com quatro medalhas de bronze."Foi minha primeira viagem internacional. Além de conseguir as medalhas, tive experiências muito boas, conheci várias pessoas, outros estilos de karatê. Foi muito importante ter essa noção de como a arte marcial funciona em outros países", conta.Além do karatê, o jovem praticava capoeira, mas deixou as rodas de lado após o encantamento com a arte marcial. O garoto explica que a maior quantidade de competições pesou na escolha final. Gianlucca e Pedro Filho em treinamento no Instituto Bushido (Foto: Betto Jr./CORREIO) De sonhos pacatos, pelo menos por enquanto, a única coisa que ele vislumbra para o futuro próximo é ser professor. Gianlucca é um dos mais experientes entre os colegas, por isso já tem a moral de ajudar Aryel e Pedro nas instruções no dojô.

Mãe de Gianlucca, Lenilza Bonfim conta que o menino sempre gostou de praticar esportes. O incentivo familiar foi algo que pesou para construir essa predileção. "Estamos batalhando junto ao clube para conseguir levar todo mundo. Seria algo muito legal, ele gosta de fazer e fico feliz em vê-lo bem", declara a mãe.

Lenilza confia na força quase familiar que se construiu entre pais, alunos, professores e amigos do Instituto Bushido para achar um patrocinador e cobrir os custos da viagem sem baixas na equipe.