Carnaval, diversão para todos?

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  • Da Redação

Publicado em 23 de fevereiro de 2020 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Bento brincou seu primeiro Carnaval essa semana. Uma festinha divertida na escola.  Achei a proposta bem simpática. Não pela festa em si, mas pela forma como foi feita. O convite foi estendido a 3 amiguinhos que não são alunos da escola e o cardápio teve brincadeira, fantasia, música, lanche, amizade e até um espetáculo teatral para estimular a imaginação dos aspirantes a foliões. Na minha opinião, estratégia aprovada. É a combinação que espero de uma escola. Estimular meu filho como um ser coletivo capaz de construir vínculos de amizade na sociedade que está inserido.

O ato dele convidar amiguinhos é fantástico. Uma festinha na escola é o álibi perfeito pra isso. Por sinal, a estratégia é tão bem sucedida que, além de impulsionar meu filho a novas amizades, faz com que nós, pais, quebremos o gelo para conhecer os pais dos amigos dos nossos filhos que, muitas vezes, estão na porta ao lado de casa. Mas demoramos pra evoluir as conversas para além de um bom dia ou boa tarde casual no elevador.   

Na tarde anterior à festa, entre um pedaço de melão e outro do lanchinho da tarde, conversávamos na sala de casa sobre suas expectativas para o dia seguinte. Eu adoro essas conversas. Sempre sou surpreendido com a linha de raciocínio do meu pequeno folião. Gosto de provocá-lo a pensar naquilo que ele está prestes a descobrir em cada novo acontecimento: aula de judô, primeiro vôo, primeiro dia na escola, dia de enfiar o pé na jaca, natação e por aí vai. E claro que o primeiro Carnaval não escaparia da nossa prosa gostosa:

- Bento, então quer dizer que amanhã você terá seu primeiro Carnaval na escola?

- Aham papai. A escola está toda decorada. As prós penduraram um monte de coisas nas paredes. Vai tê música. Binquedos. Comidinhas. E a gente vai poder usar fantasias!!!

Imagino que quando transcrevo o que ele me diz pode soar como algo muito adulto. Mas acredite, é assim mesmo. Claro, guardando os detalhes de voz de 3 anos e o engolir de uma ou outra letrinha nas palavras, Bento realmente bate-papo assim! (rsrsrsrs )

Continuei…

- Mas Bento, você sabe o que é o Carnaval?

Ele prontamente respondeu:

- Seeei. O Carnaval é um dia pra se divertir!

Concordei e reafirmei o que ele disse sobre a diversão. Mas isso me fez viajar no pensamento. Confesso que nunca odiei carnavais. Mas jamais tive toda a paixão que vários dos meus amigos têm com o Carnaval. Na maioria das vezes, os dias de Carnaval foram pra mim como um período de retiro mental, espiritual e emocional. Via de regra, Carnaval era o pretexto perfeito para boas e divertidas viagens entre amigos. Não necessariamente atrás de um trio elétrico e/ou festinhas badaladas. Obviamente que não tive o privilégio de crescer aqui na Bahia e ser influenciado inconscientemente por tudo que o carnaval envolve. Hoje eu gosto de pensar na possibilidade de curtir algumas noites ao lado da minha esposa na avenida. Amo especialmente a música produzida pelo Saulo Fernandes e, com certeza, adoraria estar atrás - ou em cima - do trio elétrico cantando as músicas, já que sei quase todas de cor. Como não sentir a energia de Bell Marques tocando incansavelmente sua guitarra por horas, cortando o circuito com aquela voz inconfundível? Sem falar na musa tão admirada por minha esposa e eu: Ivete Sangalo. Eu adoro tudo isso, de verdade. Talvez eu não seja o público ideal para 15 horas de Carnaval por dia, mas isso não me torna insensível ao impacto desta temporada de música e, como diria meu Bento, de diversão.

Acho que meus carnavais de retiro talvez também tenham me ajudado a enxergar mais profundamente o que acontece dentro do Carnaval. E agora, como pai, testemunhar isso fica ainda mais vivo e dolorido pra mim. Que o Carnaval é um período de diversão para muitos, já sabemos. Mas ele também é um período de oportunidades de trabalho e geração de ganhos extras para milhares de famílias. Nestas últimas semanas, ao transitar pelas ruas da Barra e Ondina, é impossível você não se deparar com cenas que não deveriam existir mais. Famílias inteiras dormindo no chão sob o humor do tempo seco ou da chuva para não perderem seus pontos de venda de bebidas, comida e o que mais der pra vender. Crianças de todos os tamanhos: bebês de colo, pequeninos de 3, 5, 10 anos. 

Em 2015, no meu primeiro Carnaval em Salvador, lembro-me bem de estar na varanda do apartamento de um amigo no circuito Barra-Ondina, privilegiado e confortável, me divertindo muito com minha esposa. Foi quando um par de olhos negros infantil sequestrou meu espaço-tempo e tirou o sorriso do meu rosto. Era uma criança de uns 3 ou 4 anos. Eu ainda não era pai. Estávamos fazendo tratamento para engravidar naquela época. E aquela criança estava ali dentro de uma caixa de isopor deitada sob um lençol com travesseiro e cobertinha, no meio de milhões de pessoas que se divertiam na avenida. Não sei você, mas acho que ela não estava se divertindo. Mas Carnaval não é diversão?

A coluna desta semana não é para tirar o brilho do nosso Carnaval. Sei como é fértil para os negócios e fonte de renda para muita gente. Mas não dá pra correr atrás do trio e desfilar nos camarotes luxuosos sem perguntar por quê a diversão não é para todos. A festa mais popular do mundo precisa se preocupar em cuidar do povo. E principalmente, das crianças. Não podemos admitir que em 2021 as crianças de novo à mercê da mesma situação destes e de todos os anos anteriores. Te desafio a ser parte da solução. Não se trata de pedir providências do governo ou prefeitura. Como sociedade organizada, precisamos pensar juntos em como fazer uma festa mais justa. E se fossem os nossos filhos na mesma situação, o que faríamos? 

Bom Carnaval pra você.