Cartas sem endereço certo sempre inventam seus itinerários

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  • Kátia Borges

Publicado em 20 de abril de 2019 às 05:00

- Atualizado há um ano

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Querido Alberto, a vida anda osso. Mas não há de ser nada. Dizem que perto do osso a carne é mais gostosa, não dizem? Não posso negar, no entanto, que lamentei a sua ausência no último Verão, mesmo sabendo feliz de suas andanças por nossa aldeia hippie, e mais alegre ainda ao receber a sua carta. Todo aquele ritual que nos agrada, você bem sabe, a letra escrita no papel, o envelope rasgado, feito criança abre um presente antes da hora, e as notícias de suas viagens, aqui e ali um susto.

Então respondo quase do mesmo modo, em trânsito, ouvindo aquela canção de Janis que gosto, na qual ela, provavelmente muito bêbada, fala sobre como amam as mulheres do signo de capricórnio. Por pouco não fui parar em Casablanca perseguindo sonhos. Você me sabe dessas. Desisti, pesei os custos, sigo na espera. Aqui fiquei, na contemplação do azul luminoso da melhor cidade da América do Sul. Em dias de sol, imagino que Deus mora nas folhas, relembro mamãe com alegria.

Quando chove, ao contrário, tudo se arrasta pesaroso e imagino que não exista mais uma saída possível. Mas não dê importância aos meus maus modos. No fundo, bem lá no fundo, sou uma otimista incorrigível. Tenho sobrevivido, veja só, como aquele personagem de Roberto Benigni em A vida é bela, inventando pequenas alegrias cotidianas como numa boa farsa. Ganho por pontos, ora pois, já que me engano que sairemos vitoriosos. Uma estratégia louca para não enlouquecer.

Dia desses dei de cara com Totó, o velho Totó, poeta sem livro publicado, que nós dois amávamos tanto. Ele me pareceu envelhecido e triste, a nossa lenda humana. Fomos juntos ao Quintal do Raso da Catarina, no Passeio Público, e ele insistia o tempo todo para que eu jogasse o I CHING, e até lembrou aquela vez em que embarcamos, os três, rumo a Arembepe, perto da meia-noite, pegando carona na Kombi azul de uns argentinos malucos. Um deles, astrólogo, ficou irritadíssimo quando eu lhe disse que não tinha sonho algum. Não, já não tenho. A vida é mais leve assim.

Fiquei interessada em saber o que você achou daquele poema besta que eu li em voz alta às margens da lagoa da Aldeia de improviso. Mas nem eu lembro. Por conta das falhas de memória tenho criados meus lugares de falta. Faço assim: coloco nomes de pessoas nas plantas. Molho todo dia. Vejo como elas estão crescendo certo, até mesmo a complicada suculenta que chamo de Alberto. Esquece Chris, e todos os amores que não deram certo, compra um Bonsai (nunca fui muito boa de conselhos).

Quando nos encontrarmos novamente, que seja em breve e doce, espero que você me diga que ainda pareço uma menina da Cidade Baixa. Acho isso tão bonito.