Casarões: reforma em imóveis tombados só pode ser feita com ordem do Ipac

Imóvel que caiu sobre casa e matou três pessoas era tombado pelo órgão do governo do estado

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  • Carol Aquino

Publicado em 26 de abril de 2017 às 08:55

- Atualizado há um ano

O casarão que caiu sobre a casa de nº 144 da ladeira da Soledade matando três pessoas era tombado pelo Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac), órgão do governo do estado. O proprietário do casarão, José Ivo da Costa Santos,  permanece foragido. Até  a noite de ontem, ele não tinha ido prestar depoimento na 2º delegacia (Lapinha). Em 2011, ele foi notificado pela Codesal e orientado a realizar a recuperação ou escoramento da edificação com urgência. Mas, como o imóvel é tombado, é necessária a autorização do órgão tombador - no caso, o Ipac. A suspeita é que ocorria uma obra sem autorização no telhado.

Sobrevivente da tragédia perdeu três pessoas da famíliaFoto: Betto Jr/CORREIOEm nota, o Ipac se solidarizou com as famílias das vítimas, pediu  com urgência documentos referentes ao imóvel, mas disse que “só pode agir legalmente caso ocorra a solicitação formal do proprietário do imóvel, que deve comprovar não ter condições financeiras para arcar com as despesas de conservação do imóvel para que o governo estadual possa agir, ou por solicitação expressa, oficial e comprovada da Prefeitura Municipal de Salvador”.

Os imóveis da Ladeira da Soledade, segundo o IPac,  são propriedade privada, não sendo prédios públicos, nem tombado pelo Estado individualmente, mas se encontram em área de proteção do Estado como conjunto arquitetônico via Decreto nº28.398, de 10 de novembro de 1981.

Família destruída“Só deu tempo de pegar meu filho e sair pela janela. Minha vida acabou, como vou viver agora? Se eu tivesse lá no fundo, teria morrido junto”. O relato é da autônoma Simone Deminco, 37 anos, uma das sobreviventes da tragédia que matou três pessoas da mesma família, anteontem à noite, na Ladeira da Soledade.

A família Deminco morava há cerca de 25 anos no número 144 da Ladeira da Soledade e a noite de anteontem seguia a rotina normalmente. Simone Carreiro Deminco, 37, chegou do trabalho e foi ajudar o filho Juan Deminco, 12, com as tarefas da escola.

Enquanto os dois resolviam os exercícios escolares na sala, em outro cômodo, nos fundos do imóvel, o aposentado José Prospério Deminco, 73, assistia à novela das 21h com a filha mais nova, a professora Ana Paula Carreiro Deminco, 34. O primogênito do idoso, Paulo Ricardo Carreiro Deminco, 44, deu boa noite ao pai e às irmãs e foi dormir, tinha acabado de chegar do trabalho.  

A rotina da família foi interrompida por volta das 22h quando, após um barulho forte, parte do casarão de número 146,que ficava ao lado da casa da família, caiu sobre o imóvel. Os escombros caíram sobre a casa que ficava ao lado e três pessoas morreram - o aposentado José Prospério e os filhos Ana Paula e Paulo Ricardo. Simone e o filho, Juan, escaparam com vida, Os corpos das três vítimas foram sepultados ontem à tarde.

Segundo a Defesa Civil de Salvador, o risco de desabamento já tinha sido anunciado. Em 2011, o proprietário do casarão, José Ivo da Costa Santos, foi notificado sobre o risco de que o imóvel caísse e atingisse os vizinhos. Além disso, ele era um dos 123 considerados de alto e médio risco de desabamento pela Codesal e integrava a lista desde 2009.

Para o diretor-geral da Codesal, Gustavo Ferraz, o acidente pode ter sido causado por uma obra irregular feita pelo proprietário do casarão. “A família foi uma vítima de uma provável irresponsabilidade de um vizinho que fazia uma obra no telhado sem autorização”, disse.

Soterrados

O fundo da casa foi a região mais atingida pelo desabamento. Como Simone e Juan estavam na parte da frente, conseguiram sair mais rápido. Os dois tiveram ferimentos leves e foram socorridos para o Hospital Geral do Estado. Mãe e filho foram medicados e liberados na manhã de ontem.

Ainda abalada, a mulher contou que tudo aconteceu muito depressa. O barulho do desabamento acordou os vizinhos e um grupo deles correu para socorrer a família. Ana Paula foi a única que deu sinais  depois de ser soterrada pelos escombros. Segundo os moradores, ela gritou por socorro durante alguns minutos, mas, por volta da meia-noite, as equipes do Corpo de Bombeiros resgataram o corpo da professora sem vida.

Ela não morava no imóvel e estava visitando o pai quando tudo aconteceu. Em seguida, foram constatadas as mortes de José e Paulo Ricardo. O idoso estava se recuperando de dois AVCs  e por isso a filha Ana Paula estava na casa. Eles foram resgatados de madrugada, por volta de 4h.

Mutirão

Minutos após o acidente, moradores fizeram um mutirão para tirar as vítimas dos escombros. A padeira Adriana Trindade, 32, é vizinha da família. Ela contou que acompanhou a tragédia do alto, no sobrado de casa. “Eu não consegui identificar o que era, parecia uma cortina de poeira. Ao abrir a porta da varanda, me deparei com muitos gritos de uma mulher e uma criança. Foi assustador”, lembra.

Ela conta que toda a comunidade se mobilizou para salvar as vítimas. “A rua inteira se mobilizou, porque é muito triste. Lembro de quando chegou a confirmação das mortes, aquela sensação horrível de impotência”, disse.

A dona de casa Megle Ainsworth, 32, também ouviu o momento da queda: “Um barulho muito forte, parecia um terremoto. Foi uma cena muito triste, difícil de ser esquecida, afinal, eram pessoas que a gente via todos os dias”.

Depois de receber alta médica, Simone fez questão de voltar ao local do acidente. Com o olhar perdido, a sobrevivente parecia avaliar o que restou: escombros, roupas rasgadas, pedaços de móveis e saudade. Aflita, com escoriações por todo o corpo, ela andou de um lado para o outro chamando por Billy, o cachorro da família, um poodle. Até o fechamento desta edição, o cão não havia sido achado.

Enterro

Os corpos de Paulo Ricardo, Ana Paula e do pai deles, José Deminco, foram sepultados sob aplausos no Cemitério do Campo Santo, na Federação, na tarde de ontem. Os caixões foram colocados dentro da igreja para uma missa de corpo presente. Emocionada, Simone acompanhou a cerimônia amparada por familiares.

Às 16h54, o primeiro caixão deixou a igreja sendo seguido pelos outros dois. O cortejo até a quadra 18 do cemitério, onde os corpos foram sepultados, foi feito em silêncio. Nas mãos, os familiares e amigos levavam flores brancas e amarelas. O caixão com o corpo de José estava coberto com uma camisa do Bahia. Simone passou mal durante a cerimônia e precisou ser amparada. Há cerca de um mês ela também perdeu a mãe, vítima de infarto.