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Da Redação
Publicado em 27 de abril de 2023 às 05:00
- Atualizado há 2 anos
O segundo dia do júri popular do caso Lucas Terra, que vai decidir se os pastores da Igreja Universal do Reino de Deus Fernando Aparecido da Silva e Joel Miranda serão ou não condenados por envolvimento no assassinato do jovem, ocorrido em 2001, terminou no início da noite desta quarta-feira (26) após o depoimento de nove testemunhas de defesas. Pela manhã, foram ouvidos o pastor Allan dos Santos Bárbara, auxiliar da Igreja Universal da Pituba na época do crime, e o bispo Jadson Santos Edington, que era pastor da regional da Pituba quando o crime ocorreu. De acordo com a acusação, Fernando e Joel assassinaram Lucas porque o jovem flagrou os dois em pleno ato sexual. Um terceiro envolvido no crime, Silvio Galiza, já foi condenado e cumpre pena no semiaberto.>
Após a fase de oitivas, a previsão é de que nesta quinta-feira (27), os réus sejam ouvidos. Logo em seguida, as equipes de acusação e de defesa devem apresentar as provas técnicas e debaterem entre si. Essa etapa deve durar, no mínimo, nove horas. Se houver tempo, a votação dos jurados poderá acontecer ainda amanhã.>
Na tarde desta quarta-feira, o Tribunal do Júri ouviu, além de Claudineia Aparecida de Freitas Silva e Eliane da Silva Miranda, esposas dos réus, Gilberto da Silva Carvalho, que era pastor da igreja do Vale das Pedrinhas, o bispo Maurício Gonzaga Amaral da Silva, antigo pastor da igreja da Catedral, a obreira Carmen Lúcia Magalhães, a administradora financeira encarregada de conferir e registrar a prestação de contas diária na Catedral, Lilian Santos da Silva Luz Sousa, e a voluntária Rosangela Dantas Costa dos Santos, que atuava na área administrativa, também na Catedral.>
Após o recesso, a primeira testemunha a depor foi o pastor Gilberto da Silva Carvalho. Ele relembrou que foi o responsável pela primeira sanção de Silvio Galiza na Igreja Universal. Na época, ele era pastor da igreja no Nordeste de Amaralina e tinha Silvio como seu auxiliar, mas não estava satisfeito com suas atitudes, alegando que Silvio brincava em excesso. "Ficava abraçando homens e mulheres, brincava muito. Eu, como homem de Deus, não aprendi assim. Falava com ele e era o mesmo que nada", relatou.>
Ao reportar o comportamento aos bispos, Gilberto viu Silvio ser transferido para a igreja da Santa Cruz. Um tempo depois, ele próprio foi designado a comandar a igreja do Vale das Pedrinhas, subordinada à igreja da Pituba, que tinha o pastor Joel Miranda como líder.>
Segundo Gilberto, na noite do crime os suspeitos Fernando Aparecido e Joel Miranda estavam na igreja na Pituba até às 21h40 e era impossível, dado o movimento após o culto, que eles tivessem tido alguma relação sexual. "Não tem como, porque imagine, estava lá vários pastores com as esposas. Não tinha como", reiterou.>
A segunda testemunha pós-recesso e a quarta do dia foi o bispo Maurício Gonzaga Amaral. Ele declarou que foi traído por Silvio Galiza quando perguntado se não desconfiava do seu caráter e afirmou que acreditava plenamente na inocência de Fernando e de Joel.>
Destaque da tarde, Claudineia Aparecida de Freitas Silva e Eliane da Silva Miranda, esposas dos réus, prestaram um depoimento emocionado e choraram ao lembrar o momento em que receberam a notícia de que seus respectivos maridos estavam envolvidos no caso. Ao rememorar as dificuldades enfrentadas durante a prisão de Joel, Eliane chorou. O choro comoveu Joel e Fernando que, pela primeira vez, também choraram diante dos jurados.>
Estratégias>
As testemunhas Carmen Lúcia Magalhães, Lilian Santos da Silva Luz Sousa e Rosangela Dantas Costa dos Santos e Eliane da Silva prestaram depoimento, mas responderam apenas aos questionamentos da defesa, uma vez que foram dispensadas pela acusação. >
De acordo com a assistente de acusação Tauane Sande, a dispensa foi parte da estratégia adotada pelo Ministério Público. "São testemunhas inúteis. São testemunhas que simplesmente são amigas para comprovar que os réus têm uma moral ilibada e para [mostrar] qual é a rotina da igreja. Elas não presenciaram o fato. As testemunhas que nós abordamos são testemunhas cruciais", explicou.>
Em seus questionamentos no júri, a defesa estimulou as testemunhas a reconstituírem o dia do crime. Todas negaram que fosse possível que Joel Miranda e Fernando Aparecido pudessem ter tido qualquer relação sexual na igreja da Pituba na noite do crime, sob afirmação de não havia privacidade suficiente no local nem indícios que sustentassem a tese da acusação de que os dois eram homossexuais. >
Em contrapartida, Tauane Sande alega que a defesa está ignorando os autos do processo. "Eles ficam dizendo que isso foi à noite, mas foi de manhã. Lucas viu de manhã a situação que Silvio relata que foi o ato libidinoso entre os pastores. Isso está nos autos, mas parece que eles esqueceram".>
Também assistente da equipe do Ministério Público, Vinícius Dantas acredita que a estratégia da defesa é a negação da autoria. "Conforme as perguntas que eles fazem e todo o comportamento que eles têm tido até o momento, eles negaram esses anos todos e vão continuar negando", diz.>
A equipe de defesa não se disponibilizou a falar com a imprensa. Ontem, foi comunicado que um pronunciamento só ocorrerá só final do júri.>
Contradições>
Na tarde desta quarta-feira (26), durante o depoimento de Claudineia Aparecida de Freitas Silva, esposa de Fernando, houve confusão entre as equipes de defesa e acusação, que divergiram a respeito do que havia sido dito pela testemunha. De acordo com a acusação, Claudineia teria afirmado, durante depoimento no júri de Silvio Galiza, que Lucas procurou Fernando "no dia, um dia ou dois dias antes do crime" com o objetivo de buscar sua gravata, acessório que simbolizava sua formatura como obreiro, função que já desempenhava na Igreja Universal do Rio de Janeiro.>
Contudo, no depoimento de hoje, Claudineia disse que viu Lucas pela última vez no Rio de Janeiro. A defesa rebateu a tentativa de argumentação da acusação, esclarecendo que Claudineia não havia dito que viu Lucas no depoimento anterior, mas que quem o teria visto foi seu marido. Ambas as equipes interromperam o andamento da oitiva e trocaram acusações entre si. >
Já no depoimento de Eliane da Silva Miranda, esposa de Joel Miranda, houve contradição quanto a noite do crime. Segundo Eliane, ela e Joel moravam naquela época com o pastor Beljair e sua esposa e, na noite do dia 21 de março, ela e Joel estavam em casa às 22h. No entanto, entre 22h e 22h30 acontecia todos os dias na Catedral a prestação de contas dos pastores das igrejas da região. Sendo pastor, era dever de Joel participar da prestação nesse horário, o que impossibilitava que ele estivesse em casa, conforme indicava o depoimento de Eliane. >
Ontem, Beljair de Souza Santos, testemunha arrolada pela acusação, também contrapôs a obreira Sueli ao afirmar que nunca reuniu os obreiros com o intuito de proibi-los a continuar na busca por Lucas Terra na época do seu desaparecimento. >
Ao ser indagado pela acusação, Beljair também disse que, quando o crime ocorreu, morava com sua esposa, o pastor Joel e a esposa dele no bairro da Pituba. A declaração apresentada contrariou o depoimento dado pelo pastor em 2008. Naquele ano, ele afirmou que na época do crime morava em uma área residencial próxima à Av. Paralela.>
Luciano Miranda de Souza, obreiro que acompanhou Silvio Galiza e Lucas Souza até o ponto de ônibus após o culto, na noite do crime, também foi controverso durante o primeiro dia do júri. Enquanto confirmou ter lembrança de ver Silvio e Lucas tomando um ônibus, ele alegou que não se lembrava de diversos momentos daquela noite, contrariando depoimentos prestados nos júris de Silvio Galiza, anos atrás.>
Luciano também afirmou que teve conhecimento do possível envolvimento de Fernando Aparecido e Joel Miranda no assassinato de Lucas através de um vídeo, quando foi prestar depoimento no Ministério Público. Contudo, no depoimento prestado ontem, disse que não lembrava do conteúdo assistido.>
A Igreja Universal afirma, em nota, que acredita na inocência dos pastores. >
*Com orientação da Chefe de Reportagem Perla Ribeiro>