Cavalhadas do Bonfim

Um espetáculo de ostentação e de afirmação de poder e da masculinidade dos participantes

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  • Nelson Cadena

Publicado em 4 de janeiro de 2019 às 05:00

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As festas do Bonfim, assim como as de Nossa Senhora da Purificação em Santo Amaro, por muito tempo (séculos XVIII e XIX) proporcionaram um dos divertimentos mais apreciados pelo público com o protagonismo da classe senhorial, jovens cavaleiros das famílias mais ricas da cidade e do Recôncavo: as cavalhadas. Era um espetáculo de ostentação e de afirmação de poder e da masculinidade dos participantes que, se vitoriosos, tinham o direito de oferecer o prêmio à mulher desejada, num ritual de galanteio compartilhado com o público.

As cavalhadas ao estilo medieval eram realizadas na semana da Lavagem, durante dois dias; as de Santo Amaro, pelas maiores facilidades de infraestrutura e pela própria riqueza de seus competidores - os barões dos engenhos de açúcar e das fazendas de fumo - costumavam ser mais suntuosas que as do Bonfim e dispunham de maior espaço: a Praça da Matriz era mais ampla que o Largo.

No Bonfim, a estrutura começava a ser providenciada logo após o Ano-Novo, dispondo de baias, cochos, aguadas para os animais e dormitórios para os tratadores, no Largo de Roma e no Largo do Papagaio, e a compra das argolas de prata. Os cavaleiros,  por sua vez,  deviam providenciar as roupas, elmos e as lanças e para os animais as selas forradas de veludo, mantas bordadas a ouro e os arreios de prata. Os organizadores da festa contratavam uma orquestra para interpretar as trilhas de competição, com ênfase nos clarins. Pautava as performances dos cavalos e cavaleiros.

Horas antes do espetáculo,  os cavaleiros exibiam seus animais no entorno da igreja, as janelas e sacadas das residências eram enfeitadas para saudar os competidores, na sua passagem, entre vivas e aplausos. Os cavaleiros vestiam roupas de seda, calções curtos, manto de veludo, botas de couro e esporas de prata, elmo e montavam adestrados corcéis que rodopiavam ao som da música. No meio da praça, armavam-se arcos de madeira ornamentados com flores, bandeiras, flâmulas e galhardetes. Do centro de um dos arcos pendia a argola que deveria ser acertada pela lança dos cavaleiros, em corrida.

Em Santo Amaro, além das argolas, os competidores lanceavam potes pendurados dos arcos, ao cair no chão, de dentro saíam em voo pombas brancas com um laço de seda amarrado ao pescoço. Antes da arrancada, os cavaleiros empinavam os corcéis por alguns segundos nas duas patas traseiras e os animais dançavam ao ritmo do tango e de outros interpretados pela orquestra; o público ovacionava a perícia dos montadores e admirava as crinas bem tratadas dos equinos, expostas no balanceio.

Uma vez acertada a argola, e pendurada na ponta da lança, o cavaleiro se dirigia a uma das damas presentes, ou na sacada de uma das residências, no caso da Praça Matriz de Santo Amaro, e lhe fazia entrega do prêmio conquistado; em seguida, erguia a viseira e revelava o seu rosto. Correspondia a uma declaração de amor em público. Se a senhorita não soubesse de suas intenções, um amor platônico, ruborizava-se na hora, mas, segundo a etiqueta, devia sorrir e agradecer enquanto o cavaleiro erguia novamente o cavalo em duas patas e realizava uma performance para ela. A orquestra marcava o tom e o toque de retirada.

Então dava meia volta para retornar à noite, dessa vez a pé e em traje comum. Era a hora de curtir os cantores de modinhas e apreciar os fogos de planta da China, importados de Paris, um outro espetáculo para alegrar o público no largo da festa.