Celebração, luta e muita fechação: Batekoo vira febre em São Paulo

Festa baiana é registrada em documentário que será lançado nesta sexta-feira (14) em Salvador

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  • Laura Fernades

Publicado em 12 de dezembro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

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Bate-cabelo com tranças coloridas e black power, batalha de dança com figurinos estilosos, bate-coxa sem pudor... Batekoo é uma festa baiana que dá o que falar por onde passa. Da religiosa que largou a igreja até a mulher trans que se reconheceu negra pela primeira vez, a diversidade marca o perfil do público da festa que virou febre em São Paulo e já é um dos principais eventos do tipo no país.

Nascida em Salvador, a Batekoo é a primeira festa brasileira a ser retratada na série documental e internacional Inspire the Night, da Red Bull, sobre as principais festas do mundo. “Quando soube que existia a Batekoo  fiquei muito feliz. Me senti muito negra”, elogia a cantora paranaense Karol Conká em uma das cenas do documentário, que terá exibição gratuita sexta-feira (14), às 18h, no Mercadão CC (antigo Idearium), no Rio Vermelho.

Dizer tudo isso dá até uma ideia, mas não traduz o que é esse evento mensal de Salvador que conquistou cidades como Rio de Janeiro, Belo Horizonte e Brasília. Vencedora do edital Natura Musical, com o qual vai circular com um festival em 2019, incluindo Salvador, a Batekoo aposta na representatividade negra e LGBTQIA, principalmente de jovens negros das periferias. Algo que pode ser visto de perto na última Batekoo do ano, em Salvador: dia 22, às 23h, no Club Bahnhof, no Rio Vermelho.

Despedida? Mas essa dimensão que a festa tomou jamais foi prevista por seus criadores. Era para ser só uma festa de aniversário e também a despedida do jornalista, DJ, designer e produtor Wesley Miranda, 25 anos, que ia se mudar para São Paulo. Cheio de amigos, Mirands, como é conhecido, conseguiu uma vaga no Commons Studio Bar, no Rio Vermelho, e bastou isso para o DJ, designer e produtor Maurício Sacramento, 23, colocar em prática um projeto que queria fazer há um tempo com o amigo: uma festa feita por negros e para negros.

Com apenas R$ 20, gastos na decoração, além de muito funk, rap e dancehall, os dois fizeram, então, aquela que seria a primeira edição da Batekoo, em 2014. “Não foi o que é hoje, claro, mas a gente já tinha essa identidade de ser uma festa negra com valores de entrada e bar acessíveis, com identidade musical negra, acolhendo pessoas de regiões marginalizadas”, contou Maurício ao CORREIO, durante o lançamento do documentário no Red Bull Music Festival, em São Paulo.

Tanto ele quanto Mirands não se sentiam representados com as festas de Salvador. Afinal, eram “espaços brancos, elitistas e racistas”. “Salvador tem um circuito pequeno e na época era menor ainda. Já sofri opressão e isso foi se acumulando. Mas como é algo cotidiano na vida de todo negro, a gente aprende a aceitar”, desabafou Maurício. A falta de representatividade, porém, não derrubou nenhum dos dois e o entrave serviu de impulso para criar um espaço acolhedor. O baiano Wesley Miranda, o Mirands, é um dos criadores da Batekoo (Foto: Red Bull/Divulgação) Escondida da igreja Seja para os próprios criadores, que não se aceitavam - Maurício ainda alisava o cabelo e Mirands não se assumia gay -, seja para o público que passou a frequentar a Batekoo, a festa criou uma atmosfera atraente para quem estava em busca de um espaço seguro onde pudesse se expressar. “Quando cheguei, estava no início da transição [de gênero]. Ali me vi respeitada, vi a possibilidade de me expandir”, conta a cantora, modelo e DJ paulista Kiara Felippe, em uma das cenas no documentário de 13 minutos.

Assim como ela, que ficou tão amiga de Maurício e Mirands que acabou entrando para o coletivo da Batekoo, a dançarina Juju Andrade, 23, a JujuZL, também se sentiu abraçada pela festa enquanto enfrentava o preconceito da própria família, “gordofóbica e racista”.  Dona de uma marca de roupas para pessoas gordas, JujuZL soube da fama da festa e decidiu ir escondida, antes da igreja. “Eu comprei uma blusa curta pela primeira vez na minha vida, curta e decotada, e falei ‘eu vou’”, conta no filme.

Ao CORREIO, JujuZL lembrou que descobriu outro mundo na festa que foi um divisor de águas em sua vida. “A Batekoo me salvou, porque já fui muito depressiva e tive problemas de aceitação. E mesmo depois de saber sobre militância, eu ainda ia para os rolês e me sentia mal. Sou negra, hetero, e não era para me sentir mal em nenhum  espaço de cultura preta, mas sou gorda. Então sofria muito dentro desses espaços”, desabafou a dançarina, que mora na periferia de São Paulo, onde a festa  acontece há  três anos. A dançarina Juju Andrade era frequentadora da Batekoo até fazer parte do coletivo (Foto: Red Bull/Divulgação) Nu Impactada pelo evento que conheceu a convite de uma amiga, a produtora da festa Renata Prado, a primeira reação de Juju foi ficar assustada. “Quem não conhece a Batekoo se assusta, não pelo jeito das pessoas, mas pela liberdade. Você está tão acostumado a todo mundo te julgar que quando entra em um espaço onde não tem ninguém te julgando é estranho, é uma utopia. Foi aí que entendi o que faltava nos outros lugares”, contou Juju, oito vezes campeã de Twerk e do famoso bate-cabelo, na festa.

A dançarina chegou a escutar que depois que começou a frequentar a Batekoo “mudou muito e devia parar de ir”. O conflito com a igreja, então, ficou ainda mais forte quando JujuZL passou a aceitar mais seu corpo e topou fazer um ensaio nu com umas amigas. Quando os irmãos da igreja descobriram, veio a repressão e a pressão para que os pais da dançarina resolvessem aquele “problema”.

Mas não precisou de muito para encontrar a solução: JujuZL decidiu largar a igreja. E ainda fez mais: passou a usar todos os shorts e roupas curtas de uma tia que já morreu. “Achava que ela não gostava de mim por eu ser gorda, mas ela sempre tentou me incentivar a usar essas roupas. Depois de tudo foi que consegui enxergar que ela me amava do jeito que eu era”, revelou.

Treta Essas e outras histórias ilustram o impacto da festa que ganhou o Brasil com seu discurso de “luta e celebração”. “Celebrar nossas vidas e fazer com que nossos corpos sejam vida”, resume a cantora “bicha, trans, preta e periférica” Linn da Quebrada, no filme. “Não tem festa parecida com a Batekoo. É celebração de ancestralidade e representatividade”, reforça a blogueira e militante Magá Moura.

Sucesso, a festa alcançou um patamar que Maurício e Mirands jamais imaginaram. “A cada dia que passa, a Batekoo vai virando outra coisa que a gente não tem bem a dimensão. Começou como uma festa, de fato, mas aí virou um movimento geracional”, refletiu Mirands, em papo com o CORREIO. Movimento de um público “negro, gay e gordo”. “Todos os corpos fora do padrão que sofrem opressões da sociedade”, completou Maurício.

“Se você não está bem em relação à autoestima, à representatividade, você não consegue estar bem em nenhuma outra esfera”, garantiu Mirands sobre o poder da festa que quase se chamou “treta”. Mas acabou ficando mesmo com o sonoro e polêmico nome Batekoo, porque “treta pode ser qualquer coisa e Batekoo você sabe que é uma festa onde você vai dançar”, resume sorrindo.

*A repórter viajou a São Paulo a convite da Red Bull

Batekoo em Salvador

Documentário Exibição gratuita, sexta-feira (14), às 18h, no Mercadão CC (antigo Idearium, Rio Verme- lho). Discotecagem de Nai Sena, Tia Carol, Adrielle Coutinho e pocket-show de Yan Cloud

Última festa do ano Dia 22 de dezembro, às 23h, no Club Bahnhof (Rua Guedes Cabral, Rio Vermelho) Ingresso: R$ 10 (até 0h), R$ 15 (após 0h com nome na lista) e R$ 20 após 1h Vendas: Sympla