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Chorando no pé do caboclo: ainda dá tempo para fazer os pedidos no Campo Grande


 

Carro com o caboclo e a cabocla volta à Lapinha nesta quinta-feira (5), às 17h

  • Kalven Figueiredo

Publicado em 05/07/2018 às 04:40:00
Atualizado em 18/04/2023 às 15:03:04

A tradição de pedir, agradecer e chorar no pé do caboclo se manteve viva durante os últimos 194 anos e não podia ser diferente. Nem a chuva que caía nessa quarta-feira (4) afugentou os fiéis. Dona Maria Deolina, 75 anos, foi uma das devotas que não quiseram deixar para última hora. Além de manter sua tradição pessoal de visitar os caboclos - que cultiva há mais de 60 anos -, ela aproveitou para agradecê-los por tudo que já fizeram por ela e ainda pediu por paz e saúde. Coisas que, segundo ela, estão em falta na sua vida nas celebração dos festejos do Dois de Julho, independência da Bahia. 

Já Julieta Bispo, 77, adepta da religião do candomblé, acompanha tanto a saída dos caboclos da Lapinha até a Praça Dois de Julho, no Campo Grande, quanto o caminho inverso; e tem sido assim por mais de duas décadas, segundo ela. Dona Julieta sempre veio para agradecer, mas desta vez o pedido veio ensaiado. “Cabocla, eu vim te visitar, doença eu vim trazer e saúde quero levar”, disse. Os problemas de saúde apareceram nos últimos seis meses, mas ela tem fé que a cabocla vai atender aos seus pedidos e curá-la das dores no joelho, disfunção na tireóide e refluxo. Devotos têm até as 17h desta quinta-feira para fazer pedidos no Campo Grande (Foto: Betto Jr.) Os pedidos para os caboclos são os mais variados. Há mais de 10 anos, Lina Argôlo pede, chora e agradece aos caboclos religiosamente. “Quando eu não venho aqui [no Campo Grande], eu faço meus pedidos e agradecimentos na praça municipal mesmo quando o desfile passa e fica um pouco mais vazio”, garante. Ela, que já pediu de tudo para eles, garante que quase sempre é ouvida e se diz estar muito grata, principalmente pelos caboclos terem possibilitado que sua filha Vida Souza, 21, passasse no vestibular. A jovem, atualmente, finaliza o curso de Educação Física na Faculdade Social da Bahia (Fsba).

Quem também deu uma passada por lá foi a promotora de vendas Nilza Santana, 57 anos. “Não podia deixar de vir, sou neta de cigano”, afirma. Nilza faz questão de manter contato com os Caboclos sem a necessidade da comemoração do Dois de Julho. Ela chama a atenção para o quão próximo eles estão durante o ano inteiro. “Sempre que preciso falar com eles, vou em uma mata e deixo algumas frutas, faço meus pedidos, agradeço ou simplesmente só converso mesmo”, conta.

A tradição O tradicional desfile dos caboclos, um dos símbolos da Independência do Brasil na Bahia, se iniciou logo no ano seguinte após a independência (1824). Apesar dos 194 anos de história e tradição, o cortejo reserva alguns mistérios, como quem veio primeiro: o caboclo ou a cabocla? Embora alguns acreditem que a figura do caboclo veio primeiro, alguns estudiosos afirmam justamente o contrário e ainda não há um consenso, como explica o professor de História da Ufba Milton Moura. 

Outro ponto é o que eles simbolizam. O professor explica que as imagens representam um ser híbrido. “Ao contrário do que muitos pensam, eles não representam só o índio, mas também o negro e o branco”. É o povo mestiço brasileiro que lutou na batalha da independência. A crença de que a Cabocla seria a representação da índia Catarina Paraguaçu é mais um mito esclarecido pelo professor. Para ele, a cabocla foi interpretada como Paraguaçu em alguns momentos, mas, assim como o caboclo, simboliza o povo mestiço. 

Ainda segundo o professor, o início da tradição se deu logo um ano após a Independência. Nesta época, as figuras do caboclo e da cabocla eram representadas por pessoas comuns. Só algum tempo depois é que as esculturas começaram a aparecer nos desfiles. 

O historiador alerta que os presentes deixados aos pés dos caboclos nem sempre são ofertados em tom de pedido; servem como uma espécie de mimo para quem os devotos têm uma relação íntima.

Se você ainda não aproveitou para deixar seus mimos para os santos, agradecer ou mesmo fazer seus pedidos, fique atento porque o tempo está acabando. As esculturas só ficarão na praça Dois de Julho, no Campo Grande até as 17h desta quinta-feira (5), quando o cortejo da volta dos caboclos sairá com destino à Lapinha, levando todos os presentes e pedidos em seus carros. 

* Kelven Figueiredo, com supervisão do chefe de reportagem Jorge Gauthier