Cidade baiana aprova compensação de tempo para lactantes durante concurso

Mães que amamentam em provas têm tempo descontado, aponta pesquisa; resultado motivou primeira lei municipal do tipo no país

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  • Da Redação

Publicado em 2 de agosto de 2017 às 01:32

- Atualizado há um ano

A concurseira Maiara Herter, 28, e a pequena Cecília, com apenas 2 meses: pausa em prova para amamentar (Foto: Lily Sampaio/Amor em fotos)Não bastasse a obrigação de ter um desempenho excepcional para ser aprovada num concurso com mais de 300 pessoas brigando por cada vaga, a graduada em Artes Visuais Maiara Herter, 28 anos, ainda entrou na disputa com uma importante desvantagem: 30 minutos. Esse foi o tempo que usou para dar de mamar à pequena Cecília, de apenas 2 meses, quando ela começou a chorar de fome, e que acabou representando um tempo (precioso) perdido para responder às questões do concurso da Empresa Baiana de Águas e Saneamento (Embasa), no último dia 9 de junho.

Na prova, que tinha duração de quatro horas e meia para todos os candidatos, o relógio para ela não parou quando teve de deixar a sala, ir ao encontro da criança – o marido tomava conta em uma sala separada –, dar o lanche e voltar para tentar o milagre de ser aprovada para o cargo de técnico-administrativo.Essa situação, no entanto, promete mudar, ao menos no âmbito municipal, já que uma lei recentemente aprovada em Conquista dá o direito às lactantes de terem uma compensação na hora de fazer os concursos.

“Ainda bem que foi só meia hora. Tem bebê que fica mais de uma hora mamando. Acho que a minha mamou por esse tempo porque minutos antes da prova eu fiz a amamentação. Acho injusto não ter meu tempo recompensado”, disse Maiara, que fará outros concursos nos próximos dias.

Por ser estadual, no entanto, o concurso da Embasa, do qual participaram mais de 184 mil pessoas em várias cidades baianas, a fim de preencher 600 vagas, a regra não valeria.

Pesquisa aponta desigualdadeO caso de Maiara Herter se repete em concursos públicos Brasil afora, como ficou demonstrado em pesquisa recente da doutoranda em Ciências Sociais Luciana Santos Silva, professora de Direito Penal da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (Uesb), campus de Vitória da Conquista.

Foram estudados 111 editais de concursos públicos, dos quais 65 proibiram a compensação de tempo; 23 permitiram a amamentação e não diziam nada sobre compensação; 22 não trataram do direito à amamentação e apenas uma lei estadual de 2012, do Pará, permitiu a amamentação e a compensação.

Para a pesquisadora, “os editais devem promover a ampla participação e em condições de igualdade para que as desigualdades sociais não se reproduzam por ação do Estado”.

“A sala de prova não deve se constituir em reforço das opressões da vida cotidiana. Não em um Estado que se diz democrático e de direito. Negar o direito à amamentação e à compensação do tempo é transformar diferenças em desigualdades, perpetuando o padrão patriarcal de inferiorização da mulher”, declarou Luciana Silva.

Conquista pioneiraA pesquisa incentivou a criação de uma lei em Vitória da Conquista para garantir o direito de amamentação de crianças com idade até seis meses e compensação do tempo, durante a realização de concursos públicos municipais – da Prefeitura, Câmara de Vereadores e autarquias.

De autoria da vereadora Nildma Ribeiro (PCdoB), a Lei Municipal 2.140/2017 foi sancionada dia 9 de junho pelo prefeito Herzem Gusmão (PDMB). É o primeiro município do Brasil a ter uma lei como esta.

A lei dá a mãe o direito de amamentar a cada intervalo de 2 horas, por até 30 minutos, ou conforme recomendação médica fundamentada e assinada por profissional habilitado. Atualmente, não há edital de concurso municipal aberto para Conquista.Manuelle Brito Lemos, 19, mãe de Valentina, de 10 meses, diz que lei deveria valer também para o Enem (Foto: Mário Bittencourt/CORREIO)Exemplo no Dia Mundial da AmamentaçãoMulheres que estavam com seus filhos na tarde desta terça-feira (1º), Dia Mundial da Amamentação, na recepção do Hospital Municipal Esaú Matos, acham que os governos estadual e federal deveriam seguir o exemplo do município e criar leis semelhantes.

“Para o Enem [Exame Nacional do Ensino Médio], mesmo, seria ótimo”, comentou a estudante Manuelle Brito Lemos, 19, mãe de Valentina, de 10 meses.

A bioquímica Aline Andrade, 27, mãe de um casal de gêmeos de 2 anos, após elogiar a lei conquistense, opinou que as mulheres devem também ter o direito a amamentar os filhos em locais públicos.

“Temos de superar essas barreiras, que, além de injustas, soam mais a preconceito”, declarou Aline. Mãe de Maria Luíza, de 4 meses, Luciana Rocha Dias, 40, acha que a lei dos concursos vai ajudar mais a ter seleções mais justas: “Agora, pelo menos aqui em Conquista, vai ser o mesmo tempo para todo mundo”.

OrganizadorasUma das maiores organizadoras de provas e editais de concurso público do Nordeste, a Associação Instituto Consultec espera que “outras prefeituras e demais órgãos públicos possam sancionar leis como essa, ampliando os direitos das lactantes”. Procurada para comentar a lei, a Fundação Getúlio Vargas (FGV) não respondeu. Já a Cesp/UnB disse que “não comenta legislações”.

Outra novidade com relação à maternidade em Vitória da Conquista é que, recentemente, a Prefeitura autorizou gestantes a terem direito a serem acompanhas por uma ‘doula’ durante o parto em hospitais municipais.

As doulas são profissionais que oferecem apoio emocional e conforto físico às gestantes. Elas ficam autorizadas a permanecer com as futuras mães durante consultas, exames de pré-natal, pré-parto, parto e pós-parto imediato, com seus instrumentos de trabalho.

Para isso, é necessário que essa profissional faça um cadastro no hospital. A doula, no entanto, não pode fazer procedimentos e dar diagnósticos restritos aos profissionais de saúde, mesmo se ela tiver formação na área.