Cidade na Bahia perde metade de médicos da atenção básica com saída de cubanos

Teixeira de Freitas, no Extremo Sul, concentra maior número de profissionais de Cuba na Bahia

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 21 de novembro de 2018 às 02:58

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Ministério da Saúde

Num bairro periférico de Teixeira de Freitas, Extremo Sul da Bahia, uma médica cubana de 30 anos aproveita o tempo que sobra para estudar para a prova de revalidação do diploma – a aprovação autoriza seu trabalho no Brasil.

A profissional que prefere não ter o nome divulgado é um dos 17 médicos cubanos que atuam na cidade de 158 mil habitantes - Teixeira de Freitas é a cidade baiana com mais médicos oriundos do país caribenho pelo programa Mais Médicos.

A previsão, no entanto, é que a prova ocorra somente ano que vem, já que a segunda etapa de 2018 foi realizada no último dia 17, o que os impossibilita de continuarem a trabalhar no país, tendo em vista o encerramento do acordo dentre Cuba e Brasil - o país anunciou a saída da cooperação no último dia 14.

Nesta terça-feira (20), o Governo Federal publicou a abertura do novo edital do programa Mais Médicos no Diário Oficial da União para ocupar as vagas deixadas por médicos cubanos. Para a Bahia, são 834 vagas em 313 municípios (confira aqui a relação das cidades).

Prefeituras da Bahia ouvidas pelo CORREIO lamentam por um lado a saída dos médicos cubanos, que atuam somente na atenção básica, com medicina preventiva, mas destacam que profissionais aprovados no Revalida será mais vantajoso para as cidades.

Isso porque cubanos são impedidos de dar plantão em hospitais e unidades de pronto atendimento, além de não poder assinar atestados de óbito ou uma perícia médica, o que também faz muita falta em cidades pequenas.

Os médicos atendiam quatro vezes na semana – geralmente, de segunda a quinta-feira – e tinham um dia dedicado aos estudos, conforme as regras do programa.

Em Teixeira de Freitas, os médicos cubanos correspondem a quase metade do total de profissionais que atuam na atenção básica local, composta por 38 profissionais, sendo 22 do programa federal Mais Médicos, iniciado em 2013 no Brasil.

Mas a saída do governo de Cuba do programa tem deixado a todos muito apreensivos. A médica que falou com o CORREIO, inclusive, prefere nem ter o nome divulgado por medo de retaliação do seu governo.

Segundo a médica, entre ela e os colegas, há apenas uma certeza: ninguém quer voltar para Cuba.“Queremos ficar aqui e todos estão estudando para fazer a prova do Revalida, queremos atuar de forma independente”, disse.A prova do Revalida é exigida para médicos estrangeiros que querem atuar no Brasil, onde a profissional diz ter sido muito bem recebida. “Estou desde 2017 e nunca tive problema algum aqui, as pessoas me receberam muito bem”, contou.

Até um mês, Teixeira de Freitas tinha 18 médicos cubanos do programa, mas uma das médicas que estava grávida entrou de férias e foi para Cuba, onde deve permanecer – em todo período de férias os cubanos integrantes do programa retornam ao país.

A Secretaria de Saúde de Teixeira de Freitas espera que a saída dos médicos cubanos seja logo reposta pelos profissionais que virão da nova seleção. “Os cubanos fizeram um ótimo trabalho, será um prazer trabalhar com eles de novo”, disse o secretário de saúde Max Almeida.

De malas prontas Fora do Mais Médicos, os profissionais estrangeiros não podem atuar no Brasil. Com o programa, eles atuam como bolsista e são livres da exigência de revalidar o diploma. E por conta disso, muitos já começam a deixar o programa esta semana.

Em nota divulgada nesta terça-feira (20), o Conselho Nacional de Secretários Municipais de Saúde (Conasems) recomenda que “os médicos cubanos interrompam as suas atividades a partir de hoje para que possam se organizar para a sua saída do Brasil”.

“Mais uma vez, o Conasems pede aos Secretários Municipais de Saúde para tomarem as providências necessárias para que esta saída seja de forma respeitosa e carinhosa, e dentro de suas possibilidades, disponibilizem o devido deslocamento para embarque”.

Reposição rápida Em Macaúbas, cidade de 50 mil moradores no Sudoeste da Bahia e onde oito dos nove profissionais do Mais Médicos são cubanos, a esperança de que haja logo reposição é compartilhada pela Secretaria Municipal de Saúde.

“Tem muitos médicos entrando em contato comigo, querendo saber sobre a cidade, e eu dou logo o aviso: ficamos numa área de serras, boa parte dos postos de saúde são na zona rural, por onde só vai com estradas de chão”, disse a secretária Daiana Costa.

Em Macaúbas, o posto de saúde mais longe é o de Lagoa Clara, a 50 km da sede. A estrada de acesso é cheia de pedras e ladeiras. Outros postos ficam a 30 km da cidade, e há uns que são postos “satélites”, onde o atendimento é uma vez na semana. Posto de Lagoa Clara, que fica a 50 km da sede de Macaúbas (Foto: Mário Bittencourt/ARQUIVO CORREIO) No cargo desde agosto, a secretária, que é enfermeira, disse que sempre ouviu que “era difícil conseguir médico para esses locais distantes, não encontrava de jeito algum e o povo ficava sem atendimento. Com os cubanos, isso melhorou muito”, disse.“Melhorou tanto que teve uma médica que até resolveu se casar aqui com um morador da cidade. Estão vivendo bem, mas agora, com o fim do programa não sei como vai ficar o casal”, declarou.Em Palmeiras, cidade da Chapada Diamantina que está entre as cidades da Bahia onde os médicos do programa compõe todo o quadro da atenção básica, o secretário de Saúde Marcos Andrade Bastos disse que os cubanos ficam mais uma semana.

A cidade tem quatro médicos de Cuba no Mais Médicos, três mulheres e um homem, que foram passar férias em Cuba e não retornam mais. Fora os médicos do programa, Palmeiras tem mais três profissionais, um concursado e dois contratados (que atuam apenas em hospitais).“Nós dávamos ajuda de custo: moradia e alimentação. Como a cidade tem baixo custo de vida, o que ganhavam [cerca de R$ 3 mil] ficava praticamente livre pra eles, e ninguém reclamou”, disse Bastos.Criou raízes No início do programa, Palmeiras, uma cidade de 9 mil habitantes, recebeu dois médicos, mas com a negativa de cidades vizinhas em aceitar profissionais de Cuba a cidade acabou beneficiada com mais profissionais.

Um dos que foram para a cidade no início é o médico Roberto Village, 50 anos. Após finalizar o contrato de três anos, ele fez a prova do Revalida e permaneceu na Chapada Diamantina. Hoje atende no hospital de Lençóis e no de Palmeiras.

“Gostei muito desse local, assim como minha esposa, também médica cubana. Fomos aprovados juntos no Revalida e ficamos aqui”, contou, informando em seguida ter encontrado dificuldades apenas com o idioma, “o que é normal” para ele.

A mesma sorte não teve o também médico cubano Adrian Mola, 40 anos, que passou por momentos de desespero enquanto esteve no Brasil – hoje, no entanto, ele diz estar bem melhor, morando no Texas (EUA) com a esposa e dois filhos.

Mas para chegar ao estado americano o caminho foi longo. Ele e a esposa chegaram à cidade de Pindobaçu (20 mil habitantes) em março de 2014, e logo trouxeram um dos filhos. Mas, nas férias, só a mulher foi para Cuba, o que irritou o governo ditatorial. O médico cubano Adrian Mola atuou pelo Mais Médicos em Pindobaçu, em 2014, e hoje vive com a família nos EUA “Prenderam o passaporte dela e não deixaram que ela voltasse. Ficaram ligando pra ela e minha família, dizendo que eu ia me complicar, fazendo ameaças”, afirmou Mola, que acabou fugindo para os Estados Unidos em 2015, junto com a esposa, que saiu de forma ilegal do país caribenho.“Passamos por um momento muito ruim na nossa vida, mas hoje estamos melhor. O que me preocupa são meus colegas que estão no Brasil. O dinheiro não é nem o problema maior, e sim a nossa liberdade, o regime cubano controla tudo”, disse.Nos EUA, Mola já conseguiu registro para atuar como enfermeiro e está fazendo o Revalida. “A prova daqui é igual para estrangeiros e americanos, não tem essa diferença que há no Brasil, que pra mim é uma forma de preconceito”, afirmou.

“Tenho encontrado o apoio que sempre quis aqui nesse país e estou buscando apoio para meus colegas cubanos, para que eles possam também ter dias melhores”.