Cidades evangélicas no Nordeste têm redutos bolsonaristas

Candidato venceu em seis cidades baianas, duas delas com maioria protestante

Publicado em 21 de outubro de 2018 às 12:01

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Mauro Pimentel/AFP

Com a bíblia na mão e vários adesivos de louvação a Jesus Cristo colados na parede do seu box, no mercado público de Jaboatão dos Guararapes, no Grande Recife, a evangélica Maria Zózima Mendes, 54 anos, tem resposta rápida quando questionada por que vota em Jair Bolsonaro (PSL). "Ele é pela família, irmão. Vai impedir que essa cartilha gay seja distribuída nas escolas”, justifica, com um ar solene de pregação.

Em Jaboatão dos Guararapes, cidade com 31,44% da população formada por evangélicos, Bolsonaro venceu Fernando Haddad (PT) no primeiro turno com 43,14%. O petista ficou com 30,05% dos votos válidos.

Das 42 cidades nordestinas em que Bolsonaro conseguiu derrotar Fernando Haddad nas urnas, 14 delas estão entre as 100 mais evangélicas do Nordeste.

O discurso de Maria Zózima é um mantra repetido por evangélicos a cada entrevista. A fonte citada é quase sempre a mesma: grupos de WhatsApp e reunião com pastores.

Ao ser questionada onde viu que Haddad iria distribuir o chamado kit gay nas escolas, Maria responde que olhou na internet."Irmão, meu filho abre meus olhos. Ele me mostra tudo na internet, no celular dele. Tem tudo lá. O pastor da nossa igreja já disse para escolhermos o melhor. E eu escolhi desde o primeiro turno. É Jair Messias Bolsonaro”, avisa.A fiel votou em Lula e Dilma nas últimas eleições. “Votei em Dilma sim. Erraram, né”, diz.

O lulismo no Nordeste brasileiro ainda consegue, de certa forma, minimizar o impacto do poder eleitoral evangélico nas urnas. O mapa de votos do primeiro turno aponta que o candidato Fernando Haddad conseguiu vencer na maioria das cidades nordestinas com forte presença evangélica.

Contudo, o PT viu o adversário Jair Bolsonaro robustecer sua base de votos e sair vitorioso em parte delas.

Dos 20 municípios com maior número de evangélicos no Nordeste, conforme dados do IBGE, Bolsonaro venceu em seis - cerca de 30% - e Haddad, em 14.

A proporção é muito superior ao resultado geral na região, onde candidato do PSL obteve mais votos em apenas 2,3% das 17.94 cidades nordestinas.

O capitão da reserva ainda teve um desempenho mais expressivo nas cidades evangélicas do que o de Aécio Neves (PSDB) em 2014, quando disputou as eleições presidenciais.

Cenário na Bahia Na Bahia, Bolsonaro venceu em seis cidades, incluindo Eunápolis e Teixeira de Freitas - são os dois maiores colégios eleitorais do extremo-sul do estado e, respectivamente, a terceira e a quarta cidades baianas com maior proporção de evangélicos.

Para atrair este eleitorado, os governadores reeleitos do Nordeste, alinhados a Haddad, estão buscando líderes evangélicos e políticos com bases ligadas a igrejas neopetencostais.

No Maranhão, a senadora eleita Eliziane Gama (PPS), aliada do governador Flávio Dino (PCdoB) e ligada à igreja Assembleia de Deus, anunciou, logo após o primeiro turno, seu apoio a Haddad.

A declaração resultou numa nota de repúdio da entidade que congrega os pastores da Assembleia de Deus no Maranhão, que acusou o petista de “implementar ações contra a bíblia e a Igreja” quando prefeito de São Paulo.

O governador baiano Rui Costa reuniu-se com quatro pastores que se elegeram deputados estaduais ou federais no primeiro turno, mas não apoiaram Haddad. Foram recebidos pelo governador os pastores Samuel Júnior (PDT), Alex Santana (PDT), Abílio Santana (PHS) e Sargento Isidório (Avante).

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Deputado federal mais votado da Bahia neste ano com 320 mil votos, o Pastor Sargento Isidório chegou a descartar 3,5 milhões de santinhos que traziam o nome e a foto do petista no primeiro turno.

Após a conversa com o governador, passou a avaliar o apoio a Haddad no segundo turno.“Se ele disse que é contra o kit gay, contra a legalização do aborto e contra a legalização das drogas, tem meu apoio e o meu voto”, afirmou Isidório.No primeiro turno, Isidório apoiou a candidatura de Cabo Daciolo (Patri) à Presidência, impulsionado o número de votos do presidenciável na Bahia. Das quatro cidades do país em que Daciolo ficou em terceiro lugar, duas são bases eleitorais de Isidório.

Em Salvador, ele ficou em quarto lugar, à frente de Geraldo Alckmin (PSDB) - candidato apoiado pelo prefeito ACM Neto (DEM).

Cidade com maioria evangélica Única cidade nordestina com maioria evangélica, segundo dados o IBGE, São Pedro dos Crentes (MA) foi um dos três municípios maranhenses a dar vitória a Bolsonaro.

A cidade foi fundada por missionários evangélicos e teve o prefeito Lahesio Rodrigues (PSDB) como principal cabo-eleitoral do PSL.

Em Pernambuco, em municípios como Jaboatão dos Guararapes e Paulista, com forte presença de evangélicos, o capitão reformado do Exército ganhou.

Givanildo Estevão da Silva é dono de um pequeno mercado em Jaboatão dos Guararapes. Tem 44 anos, dois filhos e frequenta a igreja Assembleia de Deus faz 13 anos. No seu estabelecimento, há um adesivo de Bolsonaro e mensagens de louvação a Deus.

“Bolsonaro não tem nada contra os gays, mas ele é contra a safadeza. Cada um tem seu livre arbítrio, mas ficar se beijando no meio da rua está correto? Viu o que fazem na parada gay? Não quero que meus netos vejam isso”, afirma. Sem ser questionado, Givanildo fala em seguida da cartilha gay.“Isso está certo? Ele (Haddad) foi ministro da Educação. Isso é educação? Disseram agora que não teve isso de cartilha. Mas será que não teve mesmo? Isso está errado”, diz.No começo da semana passada, O ministro Carlos Horbach, do TSE (Tribunal Superior Eleitoral), suspendeu links de sites e redes sociais com a expressão “kit gay”, usada por Bolsonaro para atacar Haddad.

Ele atendeu a um pedido da defesa do petista, que alega que a informação é sabidamente inverídica. Reportagem publicada na edição da quinta-feira passada mostra que empresas estão comprando pacotes de disparos em massa de mensagens contra o PT no WhatsApp. A prática é ilegal por se tratar de doação de campanha por pessoa jurídica, vedada pela legislação eleitoral, e não declarada.