Ciúme em excesso é uma doença; saiba sintomas e como tratar

Descubra quando a emoção é patológica e veja nove dicas para não ser tão ciumento(a)

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  • Naiana Ribeiro

Publicado em 29 de abril de 2019 às 06:02

- Atualizado há um ano

. Crédito: Evandro Veiga/CORREIO

Você tem medo excessivo de perder alguma pessoa próxima? Tenta controlar o dia a dia do outro? Cria situações imaginárias que levam a conclusões sem sentido? Busca interferir nas relações pessoais e profissionais do outro? Se respondeu sim a alguma dessas questões é possível que seja uma pessoa ciumenta. Mas, calma, o estado emocional faz parte do cardápio diário de milhões de pessoas de todas as classes sociais, culturas, religiões, raças e idades.

Pode, inclusive, surgir em qualquer relação, segundo o psiquiatra e escritor Augusto Cury: entre casais, irmãos, amigos, profissionais, adultos e crianças. “O ciúme é um fantasma emocional tão antigo quanto a própria existência humana”, afirma o pesquisador em seu livro Ansiedade 3: Ciúme. Augusto Cury é um dos autores que mais vende livros no país hoje (Foto: Divulgação/Instituto Academia de Inteligência) Especialistas consideram o ciúme uma variação da ansiedade. Tal como o distúrbio de saúde mental, ele faz com que nos antecipemos a possíveis situações de perdas e danos – reais ou imaginárias. Também é uma emoção parecida com a inveja. A diferença é que ciúmes é uma estratégia preventiva: você sente isso de algo que é seu ou que está com você, enquanto sente inveja de algo que quer ter.

“Faz parte das relações não só amorosas como interpessoais. Tem a ver com o zelo, com você ter o cuidado com o outro. Mas isso é quando é ‘saudável’”, explica a psicóloga e atriz Fernanda Veiga, ressaltando que o sentimento tem um lado destrutivo quanto outro construtivo. Ela palestrou – ao lado da advogada Camila Garcez e da historiadora Fabiane Lima – na segunda edição do projeto Bora Conversar?!, que aconteceu na última quinta, no Ravel Café, em Salvador, e trouxe ciúme como tema da roda de diálogo. A psicóloga e atriz Fernanda Veiga acredita que o ciúme, na sua forma mais básica, tem a ver com zelo (Foto: Reprodução/Facebook) O sentimento é irracional e quase inerente ao ser humano, pontua a psicóloga. Muita gente, inclusive, já sente ciúme das figuras paternas quando nasce um irmãozinho ou até mesmo da mãe, quando o pai está por perto. Mais tarde, pode surgir o ciúme de amigos e de parceiros afetivos.

Na própria historiografia ocidental existe a dúvida se o ciúme é biológico ou se é criado pelo ser humano.“A cultura e o contexto histórico contribuem muito para essas sensações. Quando a gente inventou o amor, a gente inventou a ideia de que um indivíduo nasceu para o outro, o que reforça a monogamia e a relação de posse”, explica a historiadora Fabiane Lima.Segundo a historiadora, na contemporaneidade, começamos a quebrar isso com as relações abertas, poliamor, etc. Ela cita ainda registros de ciúmes desde a pré-história - quando a mulher tinha a função de procriar e o homem de conseguir alimento - até recentemente, quando a mulher ainda era vista como posse do homem. “Precisamos sempre fazer recortes de gênero e de raça. Ao homem, nessa sociedade patriarcal, é reservada a questão financeira da casa, de gerir essa família. Perder a mulher é perder um bem material”, afirma. Ao mesmo tempo, historicamente, as mulheres sempre se expressaram mais do que homens: “Os homens matam mais e as mulheres criam mais situações”.

Sintomas Tanto nos homens como nas mulheres, o ciúme também está associado com insegurança e autoestima. Segundo especialistas ouvidos pelo CORREIO, pessoas com baixa autoestima podem apresentar muito ciúme pois atribuem ao outro o poder de determinar o valor que elas têm e, quando acreditam que o par está deixando de lhes atribuir tal valor, passam a enciumar.

O caso da confeiteira Thais Leite Brito Silva, 31 anos, tem um pouco disso. Ela se define como ‘possessiva’ desde que se entende como gente. “Não sei se é hereditário, mas peguei isso do meu pai. Não tenho só ciúmes do marido, como das pessoas próximas ou até das que não são próximas. Quero controlá-las, saber o que estão fazendo. E tem a questão da insegurança também. Meu pai é muito ciumento: tem ciúmes do meu marido, da minha mãe, dos meus irmãos... Para ele, isso é normal. Puxei dele”, conta a autônoma. A confeiteira Thais Brito Silva, 31 anos, e o motorista Alexsandro dos Santos Silva, 36, são casados há 12 anos: ela se define como ‘possessiva’ e ele como tranquilão (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) Quem sente de perto os sintomas do seu ciúme é o marido, o motorista Alexsandro dos Santos Silva, 36, com quem é casada há 12 anos. “Já fui na casa de pessoas ‘tirar pergunta’, queria saber tudo o que ele estava fazendo, queria a senha do celular dele, queria ter o controle dele. O problema é que a minha cabeça cria situações que nem sempre acontecem. Antes não pensava antes de agir, mas tem uns três a quatro anos que tenho conseguido me controlar. Porque em 80% das vezes sei que o ciúme me faz mal”, conta Thais, que foi diagnosticada com depressão em 2010 e já apresentou sintomas de ansiedade e déficit de atenção.

Segundo Thais, sua insegurança vem também de relacionamentos abusivos anteriores. “Diferente de muitos homens, ele acha que conversa é primordial. Eu ainda tenho dificuldade de me acostumar com isso, porque aprendi que ciúmes é sinônimo de amor”, pontua."Olhar mais pra mim me ajudou. Converso com amigas e quero voltar para a terapia. Estou mais segura", diz Thais Brito. Descrito pela esposa como ‘confiante’, Alexsandro atribui a tranquilidade e segurança na relação à sua criação (Foto: Evandro Veiga/CORREIO) “Ciumentos criam uma coisa na cabeça e, além disso, querem que o outro responda por aquilo. Às vezes acho até engraçado. Meus pais me criaram sempre batendo na tecla de que ninguém é dono de ninguém e de que a gente não pode impedir que a pessoa faça nada. Sempre procurei manter o respeito, que é o principal, a paz e a confiança. Porque sei que o ciúme excessivo estraga muitas relações. Muitas vezes a pessoa acaba não sendo ela, se afasta de amigos e parentes e fica um clima chato porque quem é vítima desse ciúme se priva de fazer coisas com medo de magoar o outro”, diz.

Quando é doença? Apesar de muitas vezes fortalecer laços, o ciúme em excesso pode motivar a agressividade e o controle. Não faltam histórias de perseguição, casamentos corroídos e violência doméstica. “É uma linha tênue. Acredito que se há sofrimento para uma das partes já há um problema e não é normal. Às vezes, para quem é vítima dos ciúmes é óbvio, mas quem pratica não se dá conta”, afirma a psicóloga Fernanda. Para ela, quando o ciúme ultrapassa o limite da individualidade e da liberdade do outro, já pode ser considerado prejudicial.

Segundo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, o ciúme obsessivo é um Transtorno Delirante Paranóico. Nesses casos, evidências como chegar mais tarde em casa ou até perfumes diferentes tornam-se justificativa acumulada para o delírio, que pode ocasionar em situações extremas como acusações verbais, violência e abuso. 

Mas a psiquiatra Sandra Peu, membro da Associação Brasileira de Psiquiatria, ressalta que é difícil discernir quando o ciúme passa a ser sintoma de doença. Ela aponta que as crises são bastante comuns com pessoas que sofrem de transtorno de ansiedade generalizada. “Elas precisam sentir que tem controle da situação e, quando seus pares têm condutas que fogem do esperado, podem desencadear crises de ciúme devido à sensação de vulnerabilidade que causam”, explica. A psiquiatra Sandra Peu pontua que é difícil saber quando o ciúme é patológico (Foto: Isabela Lucena/Divulgação) Quem está deprimido também está mais propenso a apresentar sintomas patológicos. “A pessoa apresenta distorções da percepção sobre si, desvalorização pessoal e também pode fantasiar um abandono iminente e apresentar ciúme. Quadros que se apresentam em transtornos psicóticos também podem apresentar delírios de ciúme nem sempre óbvios”, completa a médica.

Condutas mais agressivas, de acordo com ela, muitas vezes partem de delírios de esquizofrênicos ou daqueles que sofrem por uma doença orgânica, como a demência ou por uso crônico de álcool. A psiquiatra também cita casos com pessoas que têm transtorno de personalidade e que tratam o outro como um objeto, sem respeitá-lo como outra pessoa. “O pensamento que está fora da realidade pode desencadear condutas agressivas. Nestes casos, inclusive, nem é necessário que a pessoa que gera o ciúme tenha um relacionamento com a pessoa doente ou a conheça”.

Tratamento Sandra acredita que ‘ciúmes puro e simples’, sem outros sintomas específicos - e sem perda da capacidade de discernimento - não é doença. “Se for mais um sintoma de adoecimento mental, rodeado por outros, o tratamento com psiquiatra pode ser solução. Mas, quando o relacionamento passa a apresentar-se muito desconfortável para pelo menos uma das partes por conta de ciúme, é hora de reavaliar o relacionamento e, se necessário, buscar ajuda de um psicólogo especializado”, recomenda."Há um ciúme aceitável, inofensivo, mas nenhum ciúme é saudável, principalmente se implica controlar o outro", afirma o psiquiatra Augusto Cury.Ciúme não justifica crime, defende advogada

Um terço dos homicídios de mulheres no mundo – 35% – são cometidos por seus companheiros, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), enquanto 5% dos assassinatos de homens são cometidos por suas parceiras. A Organização das Nações Unidas projeta que 70% dasmulheres no mundo já sofreram ou irão sofrer algum tipo de violência ao longo da vida.

Segundo a advogada Camila Garcez, boa parte dos feminicídios protocoladas no país têm como justificativa ‘ciúme, sentimento de posse ou machismo’. “Antes do Código Penal de 1940, considerava-se que agir no calor da emoção e da paixão eram justificativas suficientes para amparar um crime. Essas emoções eram usadas como formas de defender a honra em casos de traição, por exemplo”, conta a especialista. Dessa forma, muitos homens conseguiram absolvição, relata. Advogada baiana Camila Garcez pontua que muitos feminicídios são 'explicados', na justiça, através de ciúmes: 'Não justifica', defende (Foto: Reprodução/Facebook) Já o artigo 28 do código atual, afirma que ‘não excluem a imputabilidade penal a emoção ou a paixão’. “Agredir ou matar alguém por ciúme não é uma defesa da honra e nem crime passional. A ‘violenta emoção’ ou ‘ciúme doentio’ são contraditórios ao amor. Como pode cometer um crime movido por paixão? Esse ciumento doentio vê o outro como objeto. Não é amor”, defende Camila.

Para ela, quando pessoas e a própria lei usa o ciúme como ‘explicação’ de casos de violência doméstica e feminicídio estão reforçando uma estrutura machista.“Isso remete à dominação patriarcal de que o homem é o centro e a mulheré subordinada. Assim, muita gente romantiza o ciúme patológico”, pontua.De acordo com ela, esse tipo de ciúme pode ser uma alerta para mulheres quando o assunto é violência.

Em casos de emergência, como agressões físicas, é preciso ligar para a polícia militar no número 190. Todas as delegacias no Brasil podem registrar um boletim de ocorrência por violência doméstica, crime amparado pela Lei Maria da Penha. Em Salvador, busque a Delegacia Especial deAtendimento à Mulher (Deam), que fica no bairro de Brotas.

Saiba onde mais encontrar ajuda em casos de violência doméstica

Nove dicas para te ajudar a não ser tão ciumento(a)

1 ● Respire fundo Quando se respira lentamente e profundamente, oxigena-se as células cerebrais e a pessoa se tranquiliza. Isso te ajudará a não agir por impulso.

2 ● Trabalhe sua autoestima Quando estamos felizes conosco, isso se reflete no mundo. Quem tem autoestima elevada são mais seguras e cultivam boas relações.

3 ● Tenha inteligência emocional Isso irá lhe conectar com as os seus sentimentos, fazendo que não seja uma surpresa constante as suas reações, decepções e sucessos.

4 ● Pense positivo Pensamentos negativos só atrapalham e podem refletir nas relações. Ter empatia para tratar os acontecimentos da vida podem te tornar mais positivo.

5 ● Converse Abrir o diálogo e deixar suas incertezas claras pode ser extremamente útil, pois irá expor toda a sua imaginação e realidade para ser conversada abertamente.

6 ● Desabafe Procure amigos e fale o que você está sentindo. Quando você fala sobre o sentimento, você se escuta e entende melhor seus mecanismos. A terapia também pode ajudar nisso.

7 ● Pratique atividades físicas Nada melhor do que ocupar o tempo com atividades que estimulam o corpo e mente. Isso ocupa a cabeça, traz benefícios ao corpo e para a autoestima.

8 ● Saiba dizer não Limite é a palavra-chave. Não faça tudo o que todos pedem. É preciso se conectar com as suas verdadeiras vontades e desejos para ser feliz.

9 ● Foque em você Quase toda pessoa que tem ciúme procura o reconhecimento do outro - Atenção essa que geralmente não dá para si. Ou seja, foque em você!

Cinco filmes que abordam a temática

1 ● De Olhos Bem Fechados (1999) Com Tom Cruise e Nicole Kidman, filme de Stanley Kubrick mostra conflitos do casal Alice e Bill Assista a uma análise sobre o filme:

2 ● O Ciúme (2014) Estrelado por Louis Garrel e Anna Mouglalis, o longa de Philippe Garrel é considerado seu melhor filme Assista ao trailer: 

3 ● Closer - Perto Demais (2004) Com Julia Roberts, Jude Law, Clive Owen e Natalie Portman fala sobre confiança e amor Assista ao trailer: 

4 ● Dom (2003) Inspirado na obra Dom Casmurro, de Machado de Assis, filme brasileiro tem Marcos Palmeira como Bento Assista ao trailer:

5 ● Garota Exemplar (2014) Amy Dunne (Rosamund Pike) desaparece e o marido Nick (Ben Affleck) fica em apuros Assista ao trailer: 

4 livros sobre ciúmes Ansiedade 3: Ciúme, de Augusto Cury (Editora Benvirá) O Medo Da Perda, de Eduardo Ferreira (Editora Claridade) A Mulher sem Pecado, de Nelson Rodrigues (Editora Nova Fronteira) A Tragédia de Otelo, de William Shakespeare (Editora Martin Claret)