Cobertas, passarelas viram lar para moradores de rua

Na próxima semana, Projeto Axé divulga dados de pesquisa sobre pessoas em situação de rua em Salvador

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  • Saulo Miguez

Publicado em 22 de abril de 2017 às 06:03

- Atualizado há um ano

A voz de Sandra dos Santos, 40 anos, quase não sai. O barulho dos carros que passam em alta velocidade na Avenida Heitor Dias ajuda a abafar os sons. Ela diz que aquela passarela pintada de verde agora é sua casa. Sandra vive na rua. Ela não sabe dizer ao certo há quanto tempo, mas diz que é “há um bocado de tempo”, o suficiente para afirmar que não tem ninguém, é sozinha no mundo.

O trabalhador autônomo Paulo Salles, 48, mora bem próximo da passarela onde Sandra tem ficado. “Tem uns 10 dias que ela chegou aí. Ela costuma ficar sozinha. Vejo todos os dias, mas sempre só ela”, contou. Segundo ele, ela está sempre ali, sentada, com suas coisas. Não costuma interagir com as pessoas. “Mas não fica muita gente no ponto, até porque é meio perigoso. Quando passa o ônibus, todo mundo vai embora”.

Mas Sandra não vai. Quando conversou com a equipe do CORREIO, ela explicou o motivo de ter escolhido a passarela. “Durmo aqui por causa da sombra. Tem iluminação à noite”, disse, enquanto separava um pacote de biscoitos doados. Natural de Salvador, Sandra nasceu na região da Vasco da Gama. Não sabe dizer quando saiu de lá para a rua.

Na Vasco, a passarela que fica perto da Perini ganhou um morador novo nas últimas semanas. “Tem mais ou menos um mês que ele dorme aí. Vejo todo dia”, contou o vigilante Sérgio Andrade, 52, que trabalha em um posto de gasolina.

O novo habitante da passarela não quis conversar com o CORREIO. Mas ele não foi o único a adotar o espaço. Semanas antes, segundo um vendedor de doces, a mesma passarela abrigava um grupo de quatro pessoas. Certo dia, foram embora. “Mas esse tempo de chuva é que começa a aumentar. No Inverno, isso aqui parece hotel”, disse o ambulante, sob anonimato.Sandra, 40 anos, não sabe dizer exatamente há quanto tempo vive na rua, mas diz não ter família(Foto: Evandro Veiga/CORREIO)

Na próxima semana, o Projeto Axé vai divulgar os dados completos de uma pesquisa realizada entre maio e agosto de 2016 sobre a população em situação de rua em Salvador. A partir de um mapeamento da cidade, a entidade foi às ruas com 120 pesquisadores – entre estudantes da Universidade Federal da Bahia (Ufba), membros do Movimento de População em Situação de Rua, integrantes da Associação dos Baleiros e educadores sociais do próprio projeto.

Durante quatro dias, eles foram às ruas observar, em diferentes turnos, quem ocupava aqueles espaços: o total foi de 22.942 pessoas. Mas, com auxílio do Departamento de Estatística da Ufba, chegaram a um modelo que estima o máximo e o mínimo de pessoas, com um controle de repetição por turno. Assim, chegaram ao mínimo de 14 mil pessoas e ao máximo de 17,3 mil nas ruas.

“Os baleiros foram contados como pessoas em situação de rua, porque consideramos que a situação deles não é diferente. A miséria, sobretudo nesses três últimos anos, voltou de tal forma no Brasil, que apesar de o sujeito não estar dormindo na rua, vive condições de violações de direitos tão graves quanto aqueles. E eles fazem da rua um espaço de sobrevivência e socialização, porque a miséria não está nem mais cabendo no barraco”, afirma o diretor do projeto, Marcos Cândido.