Cobranças de bagagens: viajar ficou mais caro e complicado

Mais de 1 ano após cobrança, passageiros relatam dificuldades e especialistas discutem custos e direito do consumidor

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Publicado em 7 de agosto de 2018 às 11:50

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Amanda Oliveira/GOVBA

Em alguns meses, a viagem de férias pelo Brasil, de uma família com quatro pessoas, chega a um aumento de quase mil reais nos custos. Isso porque, hoje, serviços aéreos antes gratuitos passaram a ser pagos. Compra por cada bagagem despachada, pagamento por lanche e por marcação antecipada de assento. As cobranças mudaram o contexto aéreo do brasileiro e impactaram em diversas perspectivas: na hora de arrumar a mala, no planejamento financeiro, no comportamento social de quem viaja, na logística de embarque.

Tudo começou quando, em junho de 2017, a Agência Nacional de Aviação Civil (Anac) aprovou a Resolução nº 400, desregulando as franquias de bagagem despachada. Cada uma das quatro empresas que executam voos nacionais poderiam, então, cobrar por malas que ultrapassassem 10 kg, limite de peso das bagagens de mão. O bolso do viajante sentiu sucessivamente os aumentos das taxas. Assim como as equipes de comissários de bordo responsáveis por organizar os voos. Viajar de avião ficou mais caro e complicado."Os voos estão muito tumultuados, porque tem muito mais gente carregando bagagem de mão. Eu sempre despacho minha mala, só viajo com a mochila. E mesmo assim me pedem para colocá-la embaixo das pernas, porque não tem mais espaço acima dos assentos. Eu preciso viajar todo apertado", reclama o representante comercial mineiro, Sidney Fidelis.Cada passageiro tem direito a levar consigo uma bagagem de mão e um artigo pessoal. É exatamente aí que a situação gera desconforto.

As consequências são: para não pagar pelo despacho, muita gente tem abusado na hora de arrumar a bagagem de mão. Excedem o limite de 10 kg, levam mochilas abarrotadas, e mais sacolas Os espaços destinados para armazená-las logo ficam preenchidos. Com isso, passageiros são obrigados a viajar longe de seus pertences, a organização da aeronave fica mais lenta e até o tempo para decolagem pode ser afetado. A Resolução, que conforme as empresas pode modernizar o segmento de transporte aéreo, às custas de adaptações ao consumidor, exige também adequação de oferta dos serviços, além de uma nova cultura sobre ser passageiro.

A não redução nos preços das passagens, que segundo a Anac exige "uma robusta série histórica de dados para que seja possível isolar, mediante realização de estudos, os efeitos das demais variáveis que afetam o setor", incomoda quem já está pagando mais caro. O coordenador de lavanderia Fábio Lopes Félix, 55, viaja a trabalho mensalmente e considera a cobrança de despacho justa, mas afirma que os preços precisam baixar efetivamente. "Tem muita gente que sempre conseguiu levar tudo na bagagem de mão. Então se eu tenho apenas uma bolsa, deveria pagar mais barato", opina.

Jogo de cintura e paciência para embarcar Quem lida diariamente com a logística de embarque e desembarque aponta impactos trazidos pela nova Resolução da Anac. Para equipes de comissários de bordo, tem sido um frequente jogo de cintura. Ajeita daqui, encaixa dali, informa de novo e organiza ao máximo. "A empresa tenta dar o máximo de suporte para o cliente e tenta moldar os funcionários para que não seja uma situação desagradável para o passageiro", explica uma comissária de bordo que preferiu não se identificar.

Ainda na sala de embarque, conforme ela, após comunicação entre agentes de solo e de aeronave, pode ser solicitado que pessoas se candidatem para despachar bagagens de mão, sem custo. O avião já está com capacidade máxima e, provavelmente, não haverá espaço para as bagagens de todos. "Isso tem ocorrido muito mais, em todos os voos. Várias pessoas reclamam e a gente tenta se respaldar com os recursos que temos", avalia. Etiquetagem prévia do que é bagagem de mão e item pessoal (que deve ir embaixo dos assentos) são ações que podem ajudar o profissional a organizar os espaços.

A comissária explica que o tempo para embarcar e desembarcar é controlado de forma precisa. Existem vários códigos de atraso, por limpeza, mudança de rota ou por acomodação. "São 30 minutos para desembarcar o avião inteiro, limpar e outros clientes entrarem", conta. Isso inclui o despacho formal da mala. A determinação de que o peso permitido, de 23kg, esteja em apenas uma bagagem faz parte da estratégia de "poupar tempo". "É outra realidade para otimizar espaço. Fica muito mais viável acomodar uma bagagem de 23kg do que duas de 10kg e 13kg", frisa. Mudança no bolso e no comportamento Para o pesquisador em finanças pessoais e comportamentais, professor da Universidade Federal do Ceará (UFC), Érico Veras, mesmo que a passagem fique mais barata futuramente, se todos os novos gastos forem somados, a conta continuará alta. Ele exemplifica utilizando a viagem de uma família com quatro componentes. "Digamos que se pague R$ 25 por cada um dos assentos marcados, R$ 100 na ida e mais R$ 100 na volta. Se cada pessoa despachar uma bagagem, são mais cerca de R$ 320, multiplicado por dois, porque também é por dois trechos. Digamos que um combo de lanche é R$ 15, aí somam-se os quatro. Quase mil reais de serviço agregado", calculou.

A nova cobrança, portanto, gerou novas formas de o passageiro fazer seus planos financeiros. Se preocupar com o volume, o custo-benefício das passagens que já inclui ou não um despacho de bagagem. "Até de comprar pelo serviço de casa, pela internet, ou no aeroporto. Vai fazer muita diferença na conta. A mala passou a ser um item com o qual eu preciso me preocupar com muita antecedência. Deixou de ser uma questão de demora, fila e incômodo na hora de despachar", avaliou.

O especialista explica que a Resolução reflete uma nova forma de as empresas enxergarem o mercado. E compara às cobranças que, anos atrás, começaram a ser feitas pelos bancos. "Se descobriu que, se cobrar, o consumidor paga". Quando questionado sobre um dos principais argumentos que defendem a cobrança, que seria uma forma de se adequar ao segmento internacional, Érico destaca que, na Europa, existem passagens "baratíssimas". Para ele, deveria haver mais transparência sobre os custos de responsabilidade das empresas, com detalhamento de planilhas, inclusive.

O direito do consumidor Entre os diversos impactos que a Resolução da Anac provoca, o efeito no direito do consumidor é o mais questionado. Ao mesmo passo em que a cobrança pela mala despachada, antes não executada, tem o papel de igualar o setor de aviação brasileiro ao de outros países e atrair investimentos, ela não contempla o maior argumento de sua defesa, a redução das tarifas. Pelo menos é assim que os especialistas avaliam.

"Nós alertamos que a cobrança não traria nenhuma redução. Há um ano falávamos que o problema da passagem era fruto da ausência de concorrência no mercado brasileiro", afirma o presidente da comissão de direito do consumidor da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-secção CE), Sávio Aguiar. A OAB realizou, no mês passado, blitz em aeroportos espalhados por todos os estados brasileiros, levando informações aos passageiros.

Para a advogada especialista em Direito do Consumidor, Maria Inês Dolci, o valor da passagem é impactado por taxas elevadas de combustível. "Geralmente as empresas não conseguem fazer voos diretos porque precisam parar para abastecer. E buscam regiões onde o combustível é mais barato. Isso impacta no preço da passagem", analisa. Ela defende que, para que haja preços menores de tarifas, é preciso haver mais concorrência.

As informações são do Jornal O Povo