Colegas se queixam da falta de proteção para enfermeiro morto

Sem equipamentos adequados, profissionais de saúde tiveram que enrolar sacos de lixo ao corpo

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  • Da Redação

Publicado em 28 de março de 2020 às 08:32

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Reprodução

Kious Kelly, chefe de enfermagem de um hospital de Manhattan, enviou notícias devatadoras para sua irmã no último dia 18 de março: ele havia estado positivo para o novo coronavírus e estava internado com um respirador numa unidade de terapia intensiva. Ele lhe expicou que poderia mandar mensagens, mas não falar.

"Estou bem. Não conte para mamãe e papai. Eles ficarão preocupados", escreveu o enfermeiro para sua irmã, Marya Petrice Sherron, segundo o The New York Times.

Esta foi sua última mensagem, relata o jornal norte-americano. As mensagens seguintes de Marya para ele ficaram sem respostas. Menos de uma semana depois, ele morreu.

Kelly, um chefe de enfermagem-assistente de 48 anos do Mount Sinai West, talvez tenha sido o primeiro enfermeiro de Nova York a morrer em decorrência do vírus.

Sua irmã contou que ele tinha asma, mas estava bem.

"Sua morte poderia ter sido evitada", postou Marya no Facebook, na última quarta. Mais tarde, ela acrescentou: "Estou furiosa. Ele era saudável".

Os colegas de trabalho de Kelly estavam furiosos também. Alguns reclamaram através de redes sociais que não contam com suprimento adequado de roupas e máscaras de proteção.

Uma enfermeira que trabalhou com Kelly disse que o hospital ofereceu aos enfermeiros uma roupa protetora de plástico para um turno inteiro, embora o protocolo exija a troca destas roupas entre cada paciente infectado atendido. A enfermeira, que falou em condição de anonimato porque o corpo de funcionários não foi autoriado a dar entrevistas, não usava o equipamento de proteção, ainda que ele regularmente ajudasse os enfermeiros de sua equipe com os cuidados práticos.

Como recentemente, no dia 10 de março, ele ajudou um colega a retirar sua proteção depois de lidar com um paciente que havia testado positivo, contou a enfermeira.

Vários funcionários do Mount Sinai West ouvidos pela reportagem disseram que a administração do hospital os proibiu de falar com jornalistas. A morte de Kelly foi noticiada primeiramente pelo New York Post.

Gia Lisa Krahne, uma colaboradora externa que presta tratamento alternativo com ayurvetico a um paciente do Mount Sinai West, disse ter visto Kelly no trabalho pela última vez na semana do dia 9 de março, interagindo com os pacientes e com os funcionários, e sem usar nem a máscara e nenhum outro equipamento de proteção.

Bevon Bloise, uma auxiliar de enfermagem do Mount Sinai West, reclamou no Facebook que o hospital não possui equipamentos de proteção pessoais (ou PPE, na sigla em inglês). "Também estou furiosa com o Mount Sinai Sistema de Saúde por não protegê-lo. Nós não temos PPE suficiente, não temos o PPE correto e não temos o pessoal adequado para lidar com essa pandemia. Não me agrada ver os representantes deste sistema de saúde dizendo o contrário nas notícias".

"Perdemos um grande guerreiro nesta guerra", disse uma companheira de trabalho no Facebook. "Ela postou uma foto de colegas com bandanas sobre o rosto num esforço para se proteger. "NÃO, ESTE NÃO É UM PPE ADEQUADO", escreveu.

Em sua página no Facebook, o Mount Sinai disse estar "profundamente triste com a perda de um querido membro de nossa equipe de enfermagem", sem citar Kelly.

Por e-mail, a porta voz do hospital Lucia Lee contestou a alegação de que o hospital não forneceu equipamento de proteção aos seus funcionários. "Esta crise está esgotando os recursos de todos os hospitais de Nova York, e embora nós tenhamos - e tivemos - equipamento de proteção para nossa equipe, vamos precisar de mais nas próximas semanas", disse Lee no comunicado.

A reportagem do New York Post inclui uma foto da equipe do hospital usando sacos de lixo sobre o que parece ser suas roupas de trabalho. Duas enfermeiras, que falaram em condição de anonimato com medo de serem demitidas, disseram que usavam uma roupa feita com material descartável, razão pela qual enrolaram o saco de lixo em volta delas.

A foto, segundo elas, foi tirada no dia 17 de março, num horário em que havia diversos pacientes com coronavírus no hospital e outros que ainda iriam ser testados mas a´resentavam os sintomas da infecção.

No comunicado, a porta voz do hospital acrescenta que "a foto polêmica que circula na imprensa mostra especificamente as enfermeiras em PPE apropriadas por baixo dos sacos de lixo".

Elas não respondeu porque funcionários do hospital vestiam sacos de lixo.

Kelly vivia a poucoas quadras de distância do hospital e era descrito pelos companheiros de trabalho como um colega dedicado e bem-humorado.

"Ele costumava carregar um bloco de notas grosso que escondia uma caixa cheia de doces e chocolates para que ele pudesse sempre tê-los a mão para dar a uma enfermeira ou médico ranzinas que estivessem com fome", postou Joanne Loo, uma enfermeira do Mount Sinai West, em seu Facebook na última quarta.

Mas a enfermagem não foi sua primeira vocação. Nativo de Lansing, Michigan, Kelly se mudou para Nova York há mais de 20 anos atrás de uma carreira de dançarino, contou sua irmã. Ele então entrou para a escola de enfermagem e trabalhou como enfermeiro no Mount Sinai West, antes de ser promovido ao posto de chefe de enfermagem-assistente.

Sua família agora está tentando trazer seu corpo de volta pra Michigan.

"Sabemos que não vamos conseguir isso tão cedo, mas queremos ele em casa". disse Marya. "Ele morreu sozinho. Nós o queremos em casa agora".