Coluna Vertebral: Meu corpo, meu cabeça, meu herói

Por Rogério Menezes

Publicado em 11 de fevereiro de 2018 às 09:47

- Atualizado há um ano

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Sou um corpo que cai. Somos uns corpos que caem. ‘Vertigosamente’ – minuto a minuto – segundo a segundo – nos deixamos sugar e vergar com vagar e vigor por 2 fatores: lei da gravidade + ação do tempo.  Cada cabeça um corpo. Cada corpo uma cabeça. Em pleno viço desta minha idade provecta nada tenho a reclamar da minha cabeça e do meu corpo. Grandes parceiros:  quando a minha cabeça não dá conta, o meu corpo assume o controle. E vice-versa. Casamento perfeito. Amo o meu corpo feito amo a mim mesmo. Nunca se deixou dobrar. Nunca soçobrou. Nunca me deixou na mão. Sempre me deixou de pé. [Ainda pouco calejado com o ar e todo-o-resto empesteados que respiramos,  minha parte física teve falhas mecânicas sérias na infância e na juventude:  1 febre tifoide aos 9 e 1 úlcera perfurada no duodeno aos 18. Resistimos e nos fortalecemos. Desde então meu corpo e eu vivemos e aprendemos a jogar.

Nunca quebrei osso sequer, embora desejasse muito que essa fatalidade-felicidade me acontecesse na infância, claro, feito todas as crianças – para merecermos mimos especiais de papás e de mamãs. Sonho nunca realizado: tenho ossos de aço. Nos tempos fatídicos nos quais a Aids era + conhecida como peste gay, quem tinha cu tinha medo. Meu corpo não me traiu – atravessei a tormenta incólume, sem avarias. Não pense o leitor que poupo o meu corpo de grandes embates, que eu o mimo feito mãe amorosa o faz com filho predileto. Ao contrário. Durante + de 30 anos o submeti a todos os vícios disponíveis no mercado:  álcool, maconha,  cocaína, engajamentos políticos, carnavais-frenéticos-em-Salvador, sexo torrencial sempre praticado com gula e fúria,   paixonites agudas por pessoas erradas – quanto + erradas melhores – e o que + achasse, digamos, anti-stablishment  [Sempre fui da turma do contra – é da minha natureza]. A partir dos 50, fui parando com tudo, mas, ao mesmo tempo, intensificando (acho que posso chamá-lo assim de maneira bem careta) vício do bem: o de caminhar. [Não sei ao certo a motivação interior, mas me percebi, a partir de 1989, dando 20 voltas em torno da praça Buenos Aires, em Higienópolis, São Paulo. Desde então não parei: de Paris a Irecê-Bahia, onde estiver,  e estive e estou em muitos lugares, ponho as minhas pernocas para percorrer  10, 20, 30 quilômetros todos os dias. Nesta Jequié-Bahia onde me exilo de maneira involuntária há 1 ano e 9 meses,  enladeirada e tórrida, não dou sossego às minhas pernocas  tão provectas feito este homem que as carrega. Minhas benditas pernocas não pedem arreglo. E nunca lhes dou arreglo. E seguimos juntos até que a morte nos separe. Sem os vícios de outrora, torno-me cada vez + um monge que escreve e caminha porque constatei: o escritor-cabeça não existe – nem nunca teria existido – sem o caminhador-corpo.  Sou cabra de duas cabeças. Cabra de dois corpos. Cabra da peste só e sólido que subo ladeiras tal e qual edifico textos. Sempre para o alto rumo ao topo da montanha. Sou monge gótico sim sinhô, meu sinhô! [Alalaô-ô-ô-ô!].