Coluna Vertebral: Ponham as crianças na sala!

Por Rogério Menezes

Publicado em 18 de fevereiro de 2018 às 04:00

- Atualizado há um ano

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(O homem fala e cala o que quer. Liberdade de pensamento e de manifestação é o meu mantramandamento.  Nesta geleia geral temperada com cristais de merda na qual  o planeta e o brasil (em letras minúsculas, faz favor!) se afundam,  minha máxima é: sem liberdade de  opinião e de expressão o mato não cresce no chão. Podem falar o que quiserem. O que tem relevância para o futuro da raça ficará. O que não tem o vento levará. Quem viver verá.

(Já ouvi gentes de escol – licença poética, não há gentes de escol – afirmar em tom afetado: não há paisagem na obra de Machado de Assis. Otários, pobres otários. O escritor, esse deus sem poder algum, escreve como quer.  Se quero escrever sem paisagem, escrevo. Se quero escrever com paisagem, ibidem ibidem).

Hoje torno a paisagem inútil-paisagem, embora lá fora exploda, supertecnicolor, uma das paisagens + exuberantes da Terra e calor abrasador nos sufoque. (Deleto paisagens e calores, e me sento em cadeira diante de mesa redonda onde pisca notebook vermelho iansã ressuscitado. Imerso na temperança climática de ar-condicionado no ponto certo, deixo-me fluir).  

Também não quero 1: escrever sobre seres humanos adultos – e aqui tem-se outra licença poética: seres humanos adultos. Existem seres humanos adultos? Ou apenas envelhecemos e nos tornamos caricaturas perversas, caricatas e desfocadas do que fomos durante a infância?

Também não quero 2: citar  nomes, nem contextos paisagísticos ou psicológicos. Contentar-me-ei em descrever, em rápidas pinceladas, o cenário – casa em qualquer lugar do mundo – e a ação:  pessoas conversam com familiaridade e alegria na sala, e crianças entre 5 e 13 anos brincam e tagarelam  em um dos quartos. 

No meio da algazarra de gente que se reencontra e se celebra, uma das crianças chega   esbaforida na sala – e o que este narrador capta  é o seguinte: um dos petizes  teria dado tapa em outro petiz. Duas pessoas correm para abafar o pequeno incidente diplomático sem relevância alguma, debelado em questão de minutos. Volta-se a conversar em voz alta na sala e as crianças voltam a tagarelar e a brincar em um dos quartos.

Na hora das despedidas, este escritor perguntador e fofoqueiro argui uma das crianças, garoto de 11 anos: - E aí, quem bateu em quem? O petiz demonstra força de caráter extraordinária. Apesar de me amar de forma indubitável – e a recíproca ser verdadeira -, ele lacra a boca: não delata ninguém.

Frustro-me por alguns segundos – jornalistas e escritores têm a inócua pretensão de ter e de querer todas as informações. Penso melhor e abraço o garoto de 11 anos, e lhe felicito pela honrosa atitude.

Agora, neste quarto sem paisagem alguma,  nesta pacífica ilha de frio em meio ao saariano  calor de lá fora,  o otimismo, esse meu amante  bissexto, me arrebata: imagino futuro menos aterrorizante se as crianças forem ouvidas, e não os adultos (adultos?) nos momentos decisivos dessa nossa debacle em processo. Ouça bom conselho, eu lhe dou de graça – apud Chico Buarque: - Ponham as crianças na sala, já, antes que seja tarde!