Com 50 anos de sacerdócio, pai Balbino ganha biografia

Livro da jornalista baiana Agnes Mariano, 'Obaràyí', será lançado amanhã

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  • Da Redação

Publicado em 26 de agosto de 2009 às 10:45

- Atualizado há um ano

No primeiro encontro, sete anos atrás, um sinal inconsciente. Levada à presença de Balbino Daniel de Paula, 69, babalorixá do terreiro Ilê Axé Opô Aganju, em Lauro de Freitas, a jornalista baiana Agnes Mariano, 37, lhe estendeu a mão esquerda. Ele soltou uma gargalhada: “Você é feiticeira?”, questionou, curioso.

Conhecido como justiceiro, Aganju, incorporado por Balbino, exibe suas ferramentasFoto: Divulgação/ Haroldo Abrantes

Ela, que não sabe nem seu orixá, negou. Mas isso, no entanto, não impediu que ele aprovasse a produção do livro Obaràyí - Babalorixá Balbino Daniel de Paula, que tem lançamento na quinta-feira (27), às 19h, no Palácio da Aclamação.

O livro, publicado pela Barabô Design Gráfico e Editora, com patrocínio da Agência Africa e Citéluz, através da lei Rouanet, narra a trajetória do pai-de-santo nascido em 1940 na Ilha de Itaparica, que se transformou num dos sacerdotes mais conceituados do país.

“É para isso mesmo, um pouco para fazer justiça a uma pessoa que batalhou por um caminho próprio para construir uma história muito bonita”, diz Agnes, que também é autora de A invenção da baianidade e de Gente das águas: histórias do litoral baiano.

“É uma bênção de Olorum, Xangô e de todos os orixás poder contar a minha história. Saí de Ponta de Areia, de uma infância pobre, batalhei muito e hoje tenho orgulho de servir como inspiração para outras histórias de coragem e fé”, devolve Balbino, que completou nesta última segunda-feira 50 anos de iniciação religiosa, cinco décadas desde o dia em que seu Xangô Aganju, o mais jovem dos Xangôs, “a pedra de fogo que sai de dentro da terra”, declarou seu nome em público, Obaràyí.

Ele veio para cumprir uma profecia. Corria à boca pequena que Obaràyí, que era o Xangô de Senhora Nini (filha- de-santo do Ilê Axé Opô Afonjá, iniciada por mãe Aninha), voltaria para o axé, depois de sua morte, mas na cabeça de um homem.

O amigo Pierre Verger acompanhou o início de Balbino na religiãoFoto: Divulgação/ Dadá Jaques

Um dia, enquanto Balbino recebia os preparativos para fazer o santo no Afonjá, Georgete, uma de suas irmãs do terreiro, sonhou que era chegada a hora de Obaràyí retornar. Revelou o acontecido a apenas uma irmã e calou-se, esperando a confirmação da premonição, que se fez verdadeira à vista de todos.

'Acho que talvez por isso ele seja tão importante. Balbino é lúdico e ao mesmo tempo majestoso. Ele vive o candomblé com a força e a beleza de um rei”, avalia a autora, que contou com o apoio da também jornalista Aline Queiroz, autora dos textos que apresentam as festas do calendário religioso dos terreiros.

Balbino saúda Egum Babá Okin. Sua família foipioneira no culto de Babá, na Ilha de ItaparicaFoto: Divulgação/ Dadá Jaques 

Farta em material iconográfico, a obra é publicada com tiragem inicial de 3,3 mil cópias, algumas das quais serão distribuídas gratuitamente em bibliotecas e escolas da rede pública.

Xangô quis assim

Tudo começou cerca de uma década atrás por iniciativa do designer Dadá Jaques, 40, integrante da equipe do CORREIO, que hoje é um dos mobás de Xangô no Aganju. “Eu não era do candomblé, só queria autorização para usar a foto da Oxum de uma das filhas dele. Fui lá e me encantei com aquela história”, explica.

Tanto que, depois, conversando com Balbino, revelou ter vontade de publicar sua trajetória. “Ele me disse que várias pessoas já tinham pedido, mas que Xangô nunca havia permitido. Um dia, me disse que ‘Xangô quis assim’. Foi aí que começamos a trabalhar”, completa Jaques.

Balbino exibe escultura que representa seu orixá, trazida por Pierre Verger da África. No quadro, Xangô Aganju pintado por CarybéFoto: Divulgação / Pierre Verger

Na edição bilíngue (português e inglês), o leitor acompanha a trajetória de Balbino desde os dias de Ponta de Areia,onde sua família iniciou o ancestral culto ao Babá Egum, sua vinda para Salvador, a rebeldia inicial contra as obrigações do candomblé, a relação com Pierre Verger, que o levou até a África, e, sobretudo, o testemunho de fé. Tudo numa linguagem acessível, pensada pra andar longe do olhar antropológico.

Regência com mão de ferro

O cotidiano no Aganju é puxado. Balbino Daniel de Paula acorda cedo, mesmo depois das festas, lê os jornais do dia e, só após da leitura que o mantém conectado com o mundo (em especial as dos segmentos de política e economia), é que sai da varanda para cuidar dos afazeres da casa.

Vaidoso e meticuloso na sua função, BalbinoDaniel de Paula, foi autodidata no candombléFoto: Divulgação/ Dadá Jaques

Tarefa que faz com a corda curta: fala grosso, xinga, não aceita nada mal feito de ninguém. Tudo tem que ser por inteiro, nada pela metade. “Eu não sou enjoado, eu sou rígido. Essa religião tem que ser respeitada e adorada e, enquanto vida eu tiver, tem que ser assim”, diz ele, que mantém esse rigor no próprio visual, nunca sendo visto descuidado, sem as joias ou com uma roupa mal-amanhada.

Jogo preciso

Depois de distribuir as tarefas, chega a vez de atender ao público em consultas que acontecem de segunda a quinta-feira, sempre pela manhã, na casa de Xangô, com horário marcado. Concorridas, sim, porque a fama divinatória de Balbino corre longe. Às vezes, é tanta gente que ele não consegue dar conta das miudezas do dia, como catar o feijão do almoço.

Quem dá a explicação é a produtora Flora Gil, que pediu seus conselhos diversas ocasiões. “O jogo dele é preciso, é matemático, você escreve e acontece”, opina a esposa de Gilberto Gil.

Depoimentos

'Homem bonito, vida bonita, obra bonita. Jamais o conheci, mas sua vida sempre correu paralela ou transversal à minha. A ponto de quando o projeto desse maravilhoso livro me foi apresentado, eu caí em mim que havia uma foto de Obaràyí na parede do meu escritório. Não há como fugir deste projeto. Não é um pedido, é um conselho. É mais que isso, é uma ordem de Xangô'. Nizan Guanaes, publicitário

“Eu não fui lá para consultá- lo nem nada, fui lá com Flora. Nessa ocasião, ele jogou para mim e disse que eu ia ser ministro. Como eu me tornei ministro de Xangô, do Opô Afonjá, depois disso, e agora, mais recentemente, ministro da Cultura, então achei que acabou tendo uma relevância'.

Gilberto Gil, cantor e compositor

'Quando o conheci, ele era um pequeno vendedor de quiabo no mercado, nem sabia ler, mas um sujeito que, como hoje, era perfeitamente contente de si. Ele mesmo não se sentia humilhado com ninguém e falava de igual para igual com qualquer pessoa, porque é filho de Xangô. O que é uma coisa grande. Não é um sujeito obsequioso que queria ser protegido pela gente, pelo contrário, ele se sentia capaz de proteger os outros, ele que não tinha um centavo no bolso. Era filho de Xangô'.

Pierre Verger, etnólogo

FICHA LIVRO Obaràyí - Babalorixá Balbino Daniel de Paula TEXTO Agnes Mariano e Aline Queiroz FOTOS Dadá Jaques, Haroldo Abrantes, Pierre Verger, Mauro Rossi, Marisa Vianna, Lázaro Roberto, Chrissie Wirths, Anísio Carvalho, Arlete Soares, Gerhald Haupt, Pat Binder e Marcel Gautherot 

EDITORA Barabô Design Gráfico e Editora PREÇO R$ 300 (383 páginas)

Bahia Afro Film Festival será em Cachoeira

De 19 a 27 de novembro de 2009, acontece, em Cachoeira, a terceira edição do festival de cinema internacional Bahia Afro Film Festival (BAFF), que reúne obras de diretores ligados à temática afrodescendente de todo o mundo, como Warrington Hudlin and Black Filmmakers Foundation (NY), Ralph Ziman (África do Sul), Boubakar Diallo (Burkina Faso) e Daniel Kamwa (Camarões).

Além disso, está prevista uma mostra de filmes de Moçambique. Diretores brasileiros também farão parte do festival: Joel Zito, Zozimo Bulbul, Flavio Leandro e Paulo Betty, que exibe ‘ Cafundó’, destaque no Festival de Burkina Fasso, e Lilian Solá Santiago, premiada na ultima edição do BAFF. Os baianos Pola Ribeiro e Ceci Alves exibirão as obras ‘Jardim das folhas sagradas’ e ‘Doido Lelé’.

(notícia publicada na edição impressa do dia 26/08/2009 do CORREIO)