Com abertura lotada, Flipelô segue com atrações gratuitas até domingo

Debate sobre escravidão com historiadores e concerto de Mateus Aleluia marcaram primeiro dia

Publicado em 8 de agosto de 2018 às 23:30

- Atualizado há um ano

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Um encontro entre historiadores para discutir escravidão e liberdade em pleno Centro Histórico de Salvador marcou a abertura da segunda edição da Festa Literária Internacional do Pelourinho (Flipelô), na noite desta quarta-feira (8). “Esse é um lugar símbolo da escravidão pelo seu próprio nome, é onde escravos foram castigados publicamente”, frisou o escritor João José Reis durante a conversa com as também historiadoras Lilia Schwarcz e Wlamyra Albuquerque. João José Reis, Lilia Schwarcz e Wlamyra Albuquerque reforçaram que falar de história é falar do presente (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) Juntos, os três enfatizaram que falar de história é falar de presente. "A história não é só o exercício do passado, o presente também está repleto de elementos do passado", disse Lilia Schwarcz ao reforçar que nada mais apropriado que se pensar a escravidão a partir da liberdade. 

Organizadora do Dicionário da Escravidão e Liberdade junto de Flávio dos Santos Gomes, Schwarcz se mostrou surpresa com a repercussão do livro, que foi lançada durante o evento. "É uma obra cada vez mais contemporânea, ganhou uma atualidade que nem nós imaginávamos", afirmou ao lembrar as recentes falas de políticos como Jair Bolsonaro - que disse que os portugueses nunca estiveram em África - e do seu vice, general Mourão - que nesta terça-feira (7), afirmou que o brasileiro herdou a "indolência" do  índio e a "malandragem" do africano.

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Eleições presidenciais, reforma trabalhista, cotas e demais políticas de ações afirmativas estiveram no centro do debate. “O sucateamento da escola pública, da saúde pública, é uma questão racial”, argumentou a historiadora Wlamyra Lima. Antes, Schwarcz havia afirmado que vivemos uma experiência de apartheid no Brasil e recuperar números do Atlas da Violência sobre a morte de jovens negros. Largo do Pelourinho recebeu concerto de Mateus Aleluia em homenagem a João Ubaldo Ribeiro; espaço continuará a receber shows no encerramento de cada dia (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) João José Reis lembrou da sua contundente fala na Academia Brasileira de Letras ano passado, durante o recebimento do Prêmio Machado de Assis pelo conjunto da obra sobre a questão da escravidão. "Quando fiz minha fala na ABL sobre a escravidão contaminando nosso presente, sobre a legislação trabalhista em desenvolvimento aos moldes do trabalho escravo, eu não imaginava que a situação fosse piorar tanto. E piorou. Agora estamos lidando com um candidato à presidência que fala essas coisas. E não se enganem, ele pode ganhar", alertou.

O historiador disse ainda que apesar dos retrocessos, o Brasil tem políticas de ações afirmativas melhores que a dos EUA. "O que falta é uma sociedade que aceite isso, essa mobilidade social do negro", explicou. Para ele, "a dívida não é pela escravidão, mas pelo racismo, que tem pernas próprias".

Público Centenas de pessoas conferiram o debate, que aconteceu no Teatro Sesc Senac Pelourinho e foi transmitido em um telão na arena do espaço. Muita gente, no entanto, ficou de fora e aproveitou para curtir o concerto de Mateus Aleluia, no Largo do Pelourinho. Durante o show, a fachada da Fundação Casa de Jorge Amado recebeu as projeções visuais do VJ Gabiru, com a técnica de videomapping. Debate que acontecia no teatro foi transmitido através de um telão na Arena doSesc Senac Pelourinho; centenas de pessoas assitiram à mesa de abertura (Foto: Almiro Lopes/ CORREIO) Quem foi conferir o primeiro dia de Flipelô elogiou a programação. Os estudantes de história Fabiola Santana e Pablo Souza, ambos de 20 anos, se encontraram na fila e acabaram tendo acesso somente à arena. Assim que souberam da mesa, se organizaram para ir conferir. "Só poderiam ter avisado que o espaço era tão pequeno e que as senhas de acesso começariam a ser distribuídas cedo. Queria ver no teatro, mas não vou conseguir", disse Fabiola ainda na fila, na esperança de ser chamada para a arena.

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Pablo tem se planejado para ir ao Pelô todos os dias, assistir a pelo menos duas atrações de cada dia. Fabiola disse que deve voltar no sábado, para conferir a mesa com a filósofa paulista Djamila Ribeiro. Aliás, essa é uma das mesas mais cotadas da segunda edição da Flipelô.

O professor de história Annildo Teixeira, 59 anos, também elogiou o evento, mas afirmou que "continua pecando na divulgação de informações", como a relativa à lotação das salas. 

Estreando no evento, a advogada Ana Carolina Santos, 30 anos, foi com mais duas amigas para ver João José Reis, cujo trabalho acompanha, mas nunca tinha ouvido falar ao vivo. Interessada em questões raciais e de gênero, a advogada disse que deve voltar à Flipelô no sábado para conferir a programação da Casa do Benin. 

Houve quem também aproveitou a oportunidade para autografar e comprar livros. Caso da advogada Dana Santos, 33 anos, que entrou na fila de autógrafos com o seu Dicionário da Escravidão e Liberdade. Para ela, a mesa de abertura foi bastante produtiva. "Achei importante falar das cotas e fiquei feliz em ver que o público era bem diversificado, essa não é uma questão que interessa somente aos negros, mas a todos", destacou. Busca por títulos na livraria oficial do evento foi grande; dentre os livros mais procurados, o Dicionário da Escravidão e Liberdade, de Lilia Schwarcz, e Quem Tem Medo do Feminismo Negro?, de Djamila Ribeiro (Foto: Marília Moreira/ CORREIO) Programação completa da Flipelô