Com covid, publicitário baiano relata pânico em meio ao apagão do Amapá

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  • Da Redação

Publicado em 13 de novembro de 2020 às 17:54

- Atualizado há um ano

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As coisas estão voltando ao normal. Os últimos dias foram difíceis. E nem me refiro ao apagão do estado. Os problemas começaram antes, quando fui diagnosticado com Covid-19. O vírus, por aqui, fez e está fazendo um estrago grande. Todos que conversei tem uma história triste para contar. Ou perderam familiares, ou amigos perderam a vida na guerra contra o vírus.

Antes de ser diagnosticado vinha sentindo alguns desconfortos. Diarreia, falta de apetite, moleza no corpo, calafrio, indisposição, asma e um cansado aparentemente sem motivo. Subir um andar de escada era suficiente para mudar os batimentos cardíacos. A azia também apareceu - fui ler depois que, há cada quatro pessoas, uma tem problemas no estômago.

Por conta da asma e com medo de pegar Covid com esse problema respiratório - por aqui a segunda onda já chegou - fui até o hospital particular para fazer uma nebulização. Nem preciso dizer que estava lotado. A todo tempo, o atendimento médico era interrompido porque alguém na Sala Vermelha precisava mais de cuidados médicos do que os que estavam sentados na sala de espera.

Chegou minha vez. O médico, mantendo boa distância, fez perguntas e começou com as anotações. Cai na besteira de puxar assunto, talvez para tentar esconder o medo que sentia de estar ali, naquele momento. Perguntei se ele já tinha tido Covid e se, de fato, a segunda onda tinha chegado. Se os casos estavam aumentando no hospital.

A resposta não foi boa. Começou com um foda-se! Não direcionado a mim, mas em tom de desabafo. Depois completou: “perdi meu irmão, quase morri e agora não ligo mais pra nada. Se chegar de novo e quiser me levar, foda-se!” A expressão dele era de cansaço diante de uma luta diária e de tanta dor e sofrimento ao longo desses meses de pandemia.

Saí do consultório para tomar uma medicação venosa, fazer um exame de sangue e uma tomografia. A medicação melhorou a asma, o exame de sangue deu alterado com taxas baixas de defesa do sistema imunológico e a tomografia do pulmão detectou uma infecção comprometendo menos de 10% da capacidade respiratória e confirmando a Sars-CoV-2.

Voltei para o consultório com o resultado dos exames e o médico receitou uma bateria de remédios - nem Ivermectina, nem Azitromicina e muito menos Hidroxicloroquina. Cada caso é um caso. Não caiam no conto do vigário.

Voltei para o hotel onde estou hospedado e comecei o isolamento. Solidão, medo, insegurança e uma luta diária para manter a sanidade e não cair nas armadilhas da mente. É difícil se ver nesta situação em uma cidade distante, longe dos seus.

A recomendação dos médicos era que, a qualquer mudança no quadro de saúde - febre, dor de cabeça, taquicardia, dificuldade de respiração - eu voltasse imediatamente para o hospital. Mas o hospital particular não tinha mais vaga na UTI e os outros disponibilizados pela prefeitura e governo, estavam quase lotados.

Os dias ficaram mais longos. 14 dias para uma pessoa diagnosticada com covid-19 parecem uma eternidade. Dentro do quarto, a luz do sol só aparecia pela janela, das 14h às 17h.

Daquele espaço recortado da parede, posso descrever cada casa, cada árvore, cada fio de poste que sujava a paisagem e o cemitério logo aí, à esquerda, com um busto em cima de uma tumba me olhando sempre que eu virava a cabeça.

Toda tarde eu estava ali. Meus pensamentos, não. Eles iam longe. Entre o medo de algum agravante, a saudade da família. O aperto no coração e a falta de meu filho e de minha esposa que, mesmo distante, se fez presente em ligações de vídeo - viva a tecnologia! - de minha casa e de tudo que eu gosto.

Os primeiros dias foram os mais difíceis, mas depois a gente vai acostumando. Neste momento a palavra de ordem é paciência. E quando eu entendi isso e comecei a conviver melhor que a situação que o vírus me impôs, recebi o segundo golpe. E ele veio para todos os amapaenses. Um apagão inesperado deixou o meio do mundo sem energia. 13 dos 16 municípios do Amapá ficaram na escuridão.

A noite de terça-feira, 3 de novembro de 2020, não vai ser esquecida pelo povo tucuju por muito tempo. Chuva forte, raios e trovões clareiam o céu e fazem minha janela vibrar. Nunca tinha visto algo parecido. No dia seguinte, o caos estava instaurado na cidade.

A população ficou desesperada. Os postos de combustíveis bateram recorde de vendas. Filas e mais filas nos supermercados para estoque de mantimentos. Aglomeração do jeito que a Covid gosta.

Com a falta de energia, a falta de água foi questão de tempo. Com ela veio revolta. Manifestações, pneus queimando nas ruas e um ódio mortal aos políticos, quando o problema foi gerado por irresponsabilidade e incompetência de uma empresa privada, que negligenciou e não deu a devida manutenção nos transformadores que geram energia ao estado.

Hoje, 12 de novembro. Depois de 9 dias, a energia ainda não foi totalmente restabelecida. Mas, aos poucos, as coisas estão ajustando. Estamos vivendo um rodízio. 6 horas com luz, 6 horas sem energia. É uma forma de reduzir os prejuízos, que não foram poucos, e amenizar os problemas.

A prefeitura está distribuindo água mineral e tentando ajudar os que mais precisam; o Pará mandou um navio com donativos; o Governo Federal, junto com o Presidente do Congresso e o Ministro de Energia, estão trabalhando para solucionar o problema o mais rápido possível. E eu?

Bem, eu estou recuperado da Covid. Dos primeiros sintomas, lá se vão 22 dias. Faço parte da estatística que todos que pegaram essa doença gostariam de estar mas, infelizmente, isso não foi possível para mais de 162 mil brasileiros.

A experiência vivida me ensinou que o tempo cura, a paciência mantém o equilíbrio e a resiliência conforta. Além disso, ensinou também que, contra esse vírus, todo cuidado é pouco. Ele é cruel. E se você chegou até aqui, a dica mais importante: cuide-se! Use máscara sempre que for necessário e proteja-se lavando as mãos ou usando álcool em gel sempre que puder. Vá por mim. É melhor fazer isso do que passar tudo que passei. E olhe que não tive grandes complicações.

* Texto originalmente publicado no Facebook e republicado com autorização