Com 'paz' como tema, público e artistas pedem respeito na Parada LGBTI

Bahia ocupa o 2º lugar de maior quantidade de crimes contra LGBTs no país

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  • Vanessa Brunt

Publicado em 10 de setembro de 2017 às 19:18

- Atualizado há um ano

. Crédito: Alexandre Lyrio/CORREIO

Apesar do colorido formado pelas fantasias, pelos glíteres e pela animação, a 16ª Parada do Orgulho LGBTI levantou bandeira branca neste domingo (10). Com o tema A Comunidade LGBTI da Bahia Pede Paz, artistas e públicos pediram mais respeito às diversidades no estado, que ocupa o 2º lugar de maior quantidade de crimes contra LGBTs no país, segundo o relatório divulgado pelo Grupo Gay da Bahia (GGB). O estado baiano só perde para São Paulo que, no ano passado, contabilizou 49 homicídios.   Ao receber a faixa de madrinha no evento, a jornalista e youtuber Tia Má discursou sobre o tema. "O Brasil é um dos países que mais mata LGBTs no mundo e a Bahia é um dos estados que ocupa o topo da lista. Vamos refletir. Esse momento não é só pela Bahia, é pelo país e pelo mundo. É em nome de todos que são a favor de uma sociedade mais justa. Ser uma mulher hétero e ganhar a coroa de madrinha de um evento tão fundamental é algo de grande responsabilidade. É um bom lembrete para que possamos exclamar o quanto todos podemos nos representar, contanto que passemos educação e noção de respeito adiante", disse a youtuber enquanto era aclamada pelo público. "A morte não é só física, é simbólica também. Com a invisibilidade, matamos. Quando você ridiculariza, você mata. Você mata um pouco de si e muito do outro, por criar um ciclo de mais mortes. Você, que usa a sua religião para cometer atrocidades ou para discriminar formas de amar, você está matando", afirmou a jornalista. O casal Anderson Silva e Luciano Silva, ambos de 20 anos, escutavam o discurso lá de baixo e aplaudiam. Eles estão juntos há 3 meses. A família de Anderson, no entanto, por ser evangélica, não aceita a relação. "É muito difícil. Sei que existem pessoas que não deixam a religião atrapalhar o respeito, mas muitos ainda utilizam isso como meio de bloqueio. É amor, aqui é amor, só queremos amar. Sinto essa liberdade em um momento como este, mas precisamos que eles não precisem existir para que a liberdade de amar e respeitar seja sentida", alerta Anderson. Lorena Simpson, cantora que arrastou a multidão no bloco que contou também com a presença de Karol Conka, concorda com Anderson ao falar sobre a sensação que carrega em apresentações para o público LGBT. "É um público que realmente dá espaço para falar de amor e de respeito. É claro que sempre existe lugar para falar desses temas, mas aqui são pessoas que realmente entendem do que se trata, porque não julgam caráter por escolha sexual ou por descobertas de gênero", afirma Lorena.  "Movimentos como a Parada LGBT não deveriam precisar existir, mas precisam. Precisam para que um dia não precisem mais; para que todas as festas sejam festas da diversidade", exclama Lorena Simpson. Tânia Nunes, que balançava o corpo na sua cadeira de rodas, relembra que a festa não se trata somente de escolhas sexuais. "A partir do momento em que passamos a compreender que existem semelhanças em todas as diferenças e que sempre podemos nos colocar no lugar dos outros, é que vamos começar a respeitar de fato. Um movimento como este não é sobre gays, lésbicas e afins, é sobre respeitar, porque quem entende o real sentido da palavra, não distingue isso como algo para orientações sexuais ou para quem está em uma cadeira de rodas. Tudo é diferença e semelhança e merece essa noção", discursa. A drag queen Sascha Hells concorda com Tânia ao afirmar que o evento não se trata de um tema como sexualidade, mas sim sobre respeito. Ela faz parte do coletivo Bonecas Pretas, que se apresenta no Palco da Diversidade, montado na praça do Campo Grande. O palco vai ter shows até o final da noite. Nele, drags misturaram reflexões em formas de teatro, música e dança. Dublando cenas como a que reúnem Lázaro Ramos e Wagner Moura no filme Ó Paí Ó, as drags quebram preconceitos relacionados ao racismo, discutem violência contra a mulher e outros tópicos, além da homofobia. Jorge Gauthier, autor do Me Salte, blog LGBT do Correio, também fez parte da celebração, que trouxe a súplica em conjunto. Mas, desta vez, a crítica feita ficou para a imprensa brasileira. "Infelizmente, temos poucos meios no jornalismo brasileiro que incluem a temática de fato. Muitos só exibem tragédias e não mostram os lados belos", afirma. Jorge recebeu, também neste domingo, o prêmio de Ordem da Honra do Mérito da Diversidade Cultural LGBTI no Foyer do TCA. São premiadas as empresas e projetos que dão suporte para uma maior inclusão social relacionada ao público LGBT. "Uma honraria pelo meu trabalho na condução do Me Salte. Obrigadx a todxs que colaboram comigo", publicou Gautier no Instagram do Me Salte. Camille Tulle, de 17 anos, levou a sobrinha para Fernanda, de 3 anos, para a Parada. "Trouxe para que ela possa quebrar os preconceitos que a sociedade ainda insiste em implantar em tantos cantos. Ela precisa entender desde cedo que toda forma de amor é linda, assim como todos os tipos de cores e formatos de corpos, e aqui é um movimento que trata disso: entender que existem semelhanças nas diferenças, que sempre podemos nos colocar no lugar do outro", afirma Camille, que ainda enfatiza que toda forma de preconceito é estúpido e que é a partir da educação infantil sobre o tema que a falta de respeito vai sendo quebrada. "A sociedade pede por paz, mas descrimina, julga com preconceitos. Não teremos paz enquanto não tivermos respeito uns pelos outros", defende também Alan Nery, o Rei Momo da festa. Tifany Cairo, 18 anos, que estava acompanhada do namorado Jardel Souza, de 21, diz que foi para a festa para celebrar todas as formas de amor. "Tem que beijar mesmo! Se os héteros ficam aqui se agarrando, ficam assim no carnaval, os gays também podem. Todos os casais e todas as formas de amor merecem direitos iguais, assim como tudo no mundo precisa de equidade, respeito. Não se trata de fazer algo explícito, que também incomodaria se fosse um casal hetero fazendo, se trata de ponderar, mas ter espaço para amar", pondera. Com os clamores, apesar da bandeira branca e das cores instaladas na festa que comemora as alegrias de amar e berra as tristezas das perdas, a bandeira do luto é a que mais prossegue no país, no estado, no mundo. E é necessário falar sobre ela, para que um dia, como foi dito em cada reza da 16ª Parada: não precisemos mais.