Com renegociação, estudantes comemoram possibilidade de parcelar dívidas do Fies

Atualmente, cerca de 500 mil alunos têm atrasos de 90 dias ou mais no pagamento; o saldo devedor passa dos R$ 10 bilhões

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  • Thais Borges

Publicado em 2 de novembro de 2018 às 05:00

- Atualizado há um ano

Um mês depois de concluir a faculdade, em junho do ano passado, a biomédica Pryscila Soares, 27 anos, conseguiu um emprego na área. Era um bom sinal: possivelmente conseguiria pagar o Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies), programa federal que arcou com 100% de suas despesas na universidade. 

Só que, no meio do curso, Pryscila trocou de faculdade. Saiu da Uninassau e foi para a Escola Bahiana de Medicina e Saúde Pública. O contrato do Fies, que era de oito semestres, acabou seis meses antes que ela finalizasse a graduação. Resultado: a carência, que era de 18 meses, não deveria ser contada a partir de quando ela se formou, mas quando o contrato acabou. Em julho, deveria ter começado a pagar as parcelas, mas ela nem sabia. 

Pryscila só descobriu em setembro, com as parcelas já acumuladas. Não conseguiu renegociar a dívida. “Eles não parcelavam. Tive que pagar tudo à vista, R$ 1.114 de vez. Eu não tinha programado ficar sem esse dinheiro, então tive que fazer alguns malabarismos”, contou. 

A partir de agora, as regras do Fies mudaram. Quem tiver com dívidas em atraso, como Pryscila, não vai mais precisar quitar tudo à vista. A mudança que permite a renegociação dos pagamentos em atraso a partir de 90 dias foi publicada nesta quinta-feira (1), no Diário Oficial da União (DOU). 

De acordo com o Ministério da Educação (MEC), atualmente, cerca de 500 mil alunos têm atrasos de 90 dias ou mais no pagamento. Devido a essa quantidade, o saldo devedor passa dos R$ 10 bilhões, pelos cálculos do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). O órgão federal informou que não tem números por estado. “Eu não pensava que eles iam contabilizar já. Agora estou conseguindo pagar, mas entrou no susto no orçamento. Eles não me ligaram, nem avisaram. Eu não tenho acesso ao banco, porque sempre ia direto pagar. Então, ficou uma dívida com juros”, explicou Pryscila. Com a nova medida, os estudantes podem aderir à renegociação até 31 de dezembro de 2019. Quem contratou o Fies e precisar renegociar dívidas vai ter duas opções. A primeira é o reparcelamento, que permite estender o prazo de pagamento da dívida para até 48 parcelas mensais, além de incluir os estudantes com contratos mais antigos na campanha de renegociação.

Já a segunda opção é o reescalonamento, que torna possível diluir os valores em atraso nas parcelas a vencer. Dessa forma, o saldo devedor será pago no prazo contratual, sendo o valor da parcela mínima estipulado em R$ 200, com exigência de entrada (maior valor entre 10% da dívida ou R$ 1 mil) como contrapartida do estudante.

Segundo o FNDE, de 2010 ao primeiro semestre de 2018, foram firmados 191 mil contratos do Fies na Bahia.

Falta de emprego  Mas se Pryscila conseguiu logo um emprego ao sair da faculdade, a amiga dela, a também biomédica Lílian, 40, não teve a mesma sorte. As duas tiveram uma trajetória parecida – Lílian, que não quis divulgar o sobrenome, também mudou de faculdade e teve que pagar pelo último semestre sem ajuda do programa. 

Ao longo do curso, o estudante financiado não paga a dívida, mas fica obrigado a pagar os juros que são incidentes sobre o valor do empréstimo – uma quantia que não pode passar dos R$ 150. No entanto, sem emprego, Lílian já tinha deixado de pagar o valor trimestral. “Desde que me formei, não consegui trabalhar. Meu esposo também ficou desempregado por quase um ano e a gente não conseguiu pagar. Ele é publicitário e voltou a trabalhar recentemente, mas o salário não é a mesma coisa que antes”, contou ela, que ainda é mãe de um adolescente de 16 anos. Lílian distribuiu currículos, mas, desde o fim do curso, só foi chamada para uma entrevista. Ao chegar lá, queriam alguém que tivesse mais experiência e ela não foi selecionada. “Saber da renegociação é bom, porque ainda quero ir no banco ver como está, mas nem vou ter condições de pagar agora. Ainda não tenho essa possibilidade, então, pelo menos vou adiar um pouco”. 

Segundo o superintendente do Sindicato das Entidades Mantenedoras dos Estabelecimentos de Ensino Superior na Bahia (Semesb/Abames), Giberto Carvalho Martins, a inadimplência dos estudantes de ensino superior não é um problema regional, mas uma situação recorrente em todo o país. 

Mesmo assim, ele acredita que muitos dos casos são parecidos com o da biomédica Lílian. “O aluno se forma, vai parar no mercado de trabalho, que não está tendo oportunidade, e, portanto, não tem capacidade financeira para ressarcir o sistema. Isso é um quadro geral e a falta de emprego é o contexto que está levando a isso”, disse ele. 

Carência ampliada Prestes a se formar, a estudante de Medicina Rhanna Ariadne, 26, contou com 100% do Fies durante todo o curso, iniciado em 2013. Ela sabe que, a partir da metade de 2020, terá que pagar cerca de R$ 2 mil por mês – um equivalente à mensalidade de cerca de R$ 5 mil, que era o valor quando começou a graduação, na Unifacs.  Foto: Arisson Marinho/CORREIO “Vou ficar até 2037 pagando. No fim, vou pagar uns R$ 400 mil, somando tudo, mas ainda acho que é vantagem, porque você consegue estudar. O Fies me ajudou por completo, porque me deu a oportunidade de fazer o curso que eu queria”, disse ela, que está tranquila porque, além do período de carência, está estudando para cursar a residência em anestesiologia. Se for aprovada, a carência será ampliada durante todo o período da residência – uma vez que os residentes são vistos como estudante. Se ela tivesse que pagar já durante a residência, perderia cerca de dois terços da bolsa que deve receber. “Essa possibilidade [de pagar após a residência] me deixa um pouco mais tranquila porque depois, no caso de Medicina, querendo ou não, você recebe bem depois”, falou. 

Estudantes podem fazer aditamento do contrato 

Desde segunda-feira (29), estudantes que assinaram contratos do Novo Fies, no primeiro semestre desse ano, podem renovar contatos. Ao todo, cerca de 50 mil alunos devem realizar o aditamento do contrato. 

Para renovar o financiamento, é preciso acessar o site da Caixa Econômica Federal. De acordo com a Caixa, se houver necessidade de alterações no contrato, como a troca de fiador, o estudante deve comparecer a uma agência do banco acompanhado do novo fiador e apresentar os novos documentos comprobatórios.       

Ainda segundo a Caixa, esse processo de renovação é específico para os contratos firmados este ano no âmbito do Novo Fies. Nesse caso, o aditamento, que era feito pelo sistema do Ministério da Educação (MEC), passa a ser executado pela Caixa, o novo agente operador do Fies.   

O prazo para realizar o aditamento vai até o dia 30 de novembro.