Comissões da Assembleia entregam representação ao MP-BA sobre racismo na Caixa

Documento pede que a Caixa, os PMs e o gerente sejam responsabilizados pelo caso

Publicado em 27 de fevereiro de 2019 às 19:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Almiro Lopes / CORREIO

As comissões de Direitos Humanos e da Segurança Pública e de Promoção da Igualdade, da Assembleia Legislativa da Bahia (AL-BA), entregaram uma representação nesta quarta-feira (27) ao Ministério Público da Bahia (MP-BA) contra o racismo sofrido pelo empresário Crispim Terral, 34 anos, dentro de uma agência da Caixa Econômica Federal, na Avenida Sete de Setembro, em Salvador.

Crispim, que é proprietário da Farmácia Terral, em Salinas da Margarida, no Recôncavo baiano, foi imobilizado por um policial militar com um golpe mata-leão no último dia 19. A representação, que busca uma resposta para o caso, foi assinada pelas duas Comissões, por Crispim e por integrantes do Movimento Negro, requerendo que a Caixa, os policiais militares e o gerente sejam responsabilizados pelo ato de racismo. Movimento Negro fez ato em frente ao MP-BA após entregar a representação (Foto: Almiro Lopes / CORREIO) A deputada estadual Olívia Santana, primeira negra a ocupar um cargo na Casa legislativa, estava presente na entrega. “Esse caso nos abalou muito. As imagens por si só revelam essa marca racista no tratamento e atendimento que Crispim recebeu. É um caso clássico de racismo institucional tanto por parte da Caixa, como das forças policiais. A atuação foi abertamente racista”, disse. 

Olívia explicou que o acompanhamento está sendo realizado sistematicamente para que esse caso “eduque as demais instituições” e que espera que as pessoas “pensem duas vezes” antes de assumir uma atitude racista ou discriminatória com a população negra.“Que bom que foi gravado, porque a gravação deixa a coisa muito evidente. Ele poderia ter morrido com aquele gravata que o policial deu nele. A gente recentemente viu um menino negro sendo assassinado em um supermercado. Agora, um cliente, microempresário que vai à agência e é tratado daquela forma absurda. Em pleno século XXI, não é possível sustentar essa situação”, lamentou.Além de Olívia, a deputada estadual Fátima Nunes, presidente da Comissão Especial da Promoção da Igualdade, também esteve no local. Ela destacou a importância de prevenir esse tipo de crime, além da crueldade do ato contra o empresário. “Aqui é um chamamento forte de atenção de todas as instituições que têm a obrigação de zelar pela vida e combater a violência e a discriminação”, disse.

"O amor me fez denunciar" Ao entregar a representação e ser ouvido pelo Ministério Público, Crispim Terral ficou emocionado. Ao falar com a imprensa, as lágrimas corriam pelo seu rosto. O pedido era por justiça. “Não esperava que tivesse uma atenção dessa. Nesse exato momento eu fico dividido: fico triste e feliz com essa nação negra. Essa conquista não é minha, mas de todos os negros desse Brasil. Quem já passou por esse constrangimento que eu passei sabe que ele vai ficar pelo resto da minha vida. É uma dor irreparável saber que tem um diferencial pela nossa cor”, disse ele, com a voz embargada.Ainda de acordo com Crispim, foi o amor que o fez denunciar o caso e compartilhar os vídeos nas redes sociais. “Pensei bastante nos cinco dias depois do ocorrido. Pensei no amor, nos meus irmãos e amigos que já sofreram e morreram e naqueles que vão passar por essa injustiça que é a separação de cor, raça e religião. Eu espero, sem sombra de dúvida, uma reparação”, afirmou.

Criminal, cível e indenização A promotora Lívia Vaz, coordenadora do Grupo de Atuação Especial de Proteção dos Direitos Humanos e Combate à Discriminação (GEDHDIS), foi a responsável por receber a representação das comissões. Ela destacou que o Ministério Público já havia instaurado um procedimento para apurar o fato através do conteúdo das redes sociais de Crispim, onde ele denunciou o caso.“O Ministério Público tem três vertentes distintas na esfera jurídica: a criminal, com a responsabilização de quem praticou o ato discriminatório de racismo; a esfera institucional porque as instituições precisam assumir a responsabilidade em adotar programas de enfrentamento ao racismo institucional; e, por fim,  a esfera cível, que é a possibilidade de uma ação de indenização pelos danos morais e materiais sofridos pelo Crispim”, explicou a promotora Lívia Vaz. Logo após a entrega da representação, Crispim foi ouvido imediatamente pela promotora com seus advogados Luana Faria, André Luiz e Marinho Soares. De acordo com a promotora, os gerentes da Caixa já têm data para serem ouvidos por ela. “Nós também já oficiamos a Corregedoria da Polícia Militar para que qualifique os policiais envolvidos”, disse.

Lívia Vaz ainda destacou a importância da denúncia de casos de racismos pela população. “Nós precisamos continuar praticando o nosso direito de denunciar. É, também, um controle social que exercemos sobre as instituições. Com os dados, podemos demandar políticas públicas e podemos, por exemplo, exigir a criação de uma delegacia especializada em casos de racismo”, ressaltou.Câmara dos Vereadores Além da Assembleia Legislativa da Bahia, a Câmara de Vereadores de Salvador também deve entrar com uma representação no Ministério Público. A vereadora Aladilce Souza, ouvidora-geral da Câmara, esteve presente no ato e afirmou que uma audiência pública deve ser realizada na Casa após o recesso de Carnaval.

“Ainda não tem data, mas já foi aprovada. Nós solicitamos a presença do Ministério Público no dia e também traremos aqui o resultado com uma representação”, disse Aladilce.

Entenda o caso Crispim acusa a Caixa de racismo após ter sido expulso de uma agência e retirado à força pela Polícia Militar, que atendeu ao chamado da gerência da unidade, que fica no Relógio de São Pedro, na Avenida Sete de Setembro, em Salvador. 

A ação, que ocorreu na tarde da terça-feira (19) passada, foi toda gravada, e as imagens, divulgadas em uma rede social do empresário. Crispim denunciou que, após esperar por mais de quatro horas na agência, para receber um atendimento, o gerente pediu que ele se retirasse. Após negativa do cliente, o funcionário acionou uma equipe da Polícia Militar.

O PM teria atendido à ordem do gerente geral da agência, que afirma, em vídeo, que "só sai com ele [Crispim] algemado". A ação foi gravada pela filha adolescente da vítima, que acompanhava o pai a um atendimento no banco, e repercutiu em todo o país, desde a noite de segunda-feira (25). 

Ontem à tarde, um grupo de 100 manifestantes foi até a Caixa Econômica Federal do Relógio de São Pedro cobrar respostas sobre o episódio de violência sofrido pelo empresário, que acabou imobilizado por um policial militar com um golpe mata-leão.

Crispim participou do manifesto. Ele acusa tanto a Caixa quanto a PM de racismo. Ao CORREIO, o presidente da Comissão dos Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil - Secção Bahia (OAB-BA), Jerônimo Mesquita, repudiou a postura do gerente e a "violência excessiva da Polícia Militar". 

Segundo o relato do empresário, registrado na Corregedoria e disponibilizado por ele em uma rede social, os soldados Roque da Silva e Rafaeal Valverde Nolesco iniciaram as agressões físicas contra ele dentro da agência, onde ele foi imobilizado com uma gravata, e levando-o ao solo, diante de sua filha de 15 anos.