Como envelhecer bem? Especialistas e pessoas acima dos 60 dão dicas

Em 2060, o Brasil terá mais idosos que jovens, segundo levantamento feito pelo IBGE

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  • Laura Fernades

Publicado em 29 de outubro de 2018 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Arisson Marinho/CORREIO

O ator e diretor Harildo Deda, 79 anos, não suporta quando está aguardando o sinal para atravessar a rua e alguém diz: “venha meu velho,  te ajudo”. “Não suporto essa condescendência. Respondo logo de forma estúpida, porque sou de Escorpião”, gargalha Harildo. Prestes a completar 80 anos, o artista defende que as pessoas têm que parar de “passar a mão na cabeça do pobre coitado do velhinho” e enxergar a velhice como ela é.

Afinal, a população brasileira envelhece a passos largos e em 2060 o Brasil terá mais idosos do que jovens, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Como, então, lidar com a velhice? Harildo diz que começa com abandonar os eufemismos e não chamar a população com 60 anos ou mais de “melhor idade”, ou “terceira idade”. “Não é nem um, nem outro. É velho mesmo!”, defende bem humorado.

Manter a rotina de atividades é outra forma de lidar com a velhice, destaca o ator que tem 75 peças no currículo, sendo 30 delas também como diretor. Um dos principais nomes do teatro baiano, Harildo recentemente esteve em cartaz com a peça Em Família, que expõe as dificuldades vividas pelos mais velhos. Por causa dos obstáculos sociais, como mostra o espetáculo, muitos enfrentam crises que os distanciam do afeto e do almejado conforto para chegar bem ao fim da vida.

Além da peça, que volta a cartaz em 2019 com o texto de Oduvaldo Vianna Filho (1936 -1974), Harildo mantém uma rotina que inclui dar aulas na Escola de Teatro da Ufba e em cursos particulares. “Não posso parar, não! Se eu parar eu morro”, ri o artista. “A única forma de mostrar que estou vivo e funcionando é dando aula”, garante. O ator e diretor Harildo Deda, 79 anos (Foto: Arisson Marinho/CORREIO) Apesar de confessar que não cuida muito da alimentação, nem vai muito ao médico, Harildo diz que o segredo para manter o bem-estar ao longo dos anos é “sentar na poltrona quietinho, ler muito e botar a cabeça para funcionar”. Além disso, outro segredo para continuar se sentindo jovem é justamente trabalhar com jovens:“Sou vampiro da juventude! Tenho que transmitir minha experiência para eles. Eles me dão um entusiasmo”, sorri.Mesmo assim, não se salva da “baixa” de ânimo que acontece de vez em quando, ao se olhar no espelho. “Às você olha e pensa ‘mas como eu tô feio, tô velho...’. Mas tem outras coisas que me levam para frente. Faço teatro e não me considero um ator ruim, um diretor ruim. Sou até bom professor! (risos) Não é estética, é ética”, resume.

Tranquilidade Ao contrário de Harildo, a economista aposentada Anisia Dias da Rocha, 90, vai ao cardiologista e ao geriatra regularmente, se alimenta “direitinho graças a Deus” e mantém uma rotina de exercícios físicos semanais. Além disso, o “crochêzinho nas horas vagas” e a leitura são peças importantes para manter o bem-estar, na sua opinião. “Terminei agora de ler a biografia de Tim Maia. Ele era muito louco, né? Não tinha censura”, ri.

A rede de afeto familiar também é importante para Anisia, que mora sozinha, mas passa “15 dias na casa de um e 15 dias na casa do outro”. “Sou uma mulher de muitas casas, viu? Tenho meu apartamento, mas quando me sinto só, faço isso para passar os dias”, explica. “Minha família é tudo pra mim. É isso também que me segura”, reflete.

Ao mesmo tempo, Anisia não nega os sinais da velhice e encara com tranquilidade. A começar por um dos aspectos do corpo que causa resistência em muita gente: o cabelo branco. “Nunca pintei o cabelo, viu? Acho que é a marca do tempo, né minha filha? Você não vai ficar mais nova se pintar. O importante é ter autoestima. Aceitar a velhice com tranquilidade, né? Com controle, com certos limites, claro. Mas aceitar”, sugere, simpática. A economista aposentada Anisia Dias da Rocha, 90 (Foto: Acervo pessoal) Paranoia Com mais de 20 anos de atuação na área de psiquiatria geriátrica, o psiquiatra André Gordilho, 46, destaca que “não há uma fórmula de sucesso para o envelhecimento bem-sucedido”. “O que é envelhecer bem?”, questiona. “É envelhecer com ausência de doenças, com bom desempenho físico e cognitivo. É poder fazer atividades do dia a dia, tomar decisões, ser autônomo”, enumera.

Apesar de não ter regra, existem dicas para garantir o bem-estar depois dos 60 anos, como se alimenar bem e fazer atividade física regular, respeitando os limites do corpo. Da mesma forma, o treinamento cognitivo também precisa ser estimulado com a leitura e as palavras- cruzadas, por exemplo.

Mesmo com as dicas, Gordilho destaca que é importante evitar os extremos. Para ele, não é bom nem deixar de fazer tudo por conta de um excesso de cuidado, nem relaxar demais a ponto de não se preocupar com nada.“Os dois extremos são ruins, porque se você só vive com cuidado, deixa de ter determinados prazeres. Do outro lado, você não cuida da saúde física, mas pode desenvolver uma doença que talvez pudesse ser prevenida”, compara. “Tudo é moderação, né? Você precisa se cuidar, mas não precisa entrar em paranoia”, resume.O psiquiatra destaca, ainda, que o engajamento social é muito importante para um envelhecimento saudável e livre da depressão. Um dos principais problemas, alerta, é o isolamento que acontece quando a pessoa sofre sozinha e acaba se afastando de tudo e de todos. “A gente sabe que é muito saudável o envolvimento social, estar próximo às pessoas, trocar ideias. São coisas que estimulam você a viver”, garante.

Perda? Uma das responsáveis por provocar o isolamento é a difcíl relação social com a velhice, como aponta a psicóloga e professora doutora da Universidade Ruy Barbosa, Marlene Brito, 49. Doutora em Família pela Ecole Des Hautes Etudes, de Paris, Brito explica que “o século XX afirmou a ideia de juventude como valor” e “envelhecer passou a ser visto como perda”.

“Ser jovem tem sido, por muito tempo, um ideal que as pessoas não querem perder, por representar o belo, o vigor”, destaca. “Neste sentido há o afastamento do idoso ou o isolamento, dificultando  a possibilidade de uma rede social mais ampla”, alerta a psicóloga. Negar a velhice, em sua opinião, é negar “a própria história de vida, as perdas e conquistas que fazem parte da pessoa”. Os atores Harildo Deda e Neyde Moura (ao centro) em cena da peça Em Família (Foto: Diney Araujo/Divulgação) Por isso, na maioria das vezes, a família e os amigos aparecem como lugares de apoio e cuidado. Socialização esta que foi logo valorizada pela professora aposentada e atriz Neyde Moura, 79. Colega de cena de Harildo Deda, na peça Em Família, Neyde revela que assim que se aposentou como professora de música, aos 50 anos, entrou em um curso de teatro voltado “para a maturidade”.

Hoje, perto dos 30 anos de carreira no teatro, Neyde conta que só lembra da velhice quando chega no espelho e vê as rugas. “Por mais que a gente se cuide, tem o desgaste do tempo. A questão é manter a mente sã: ler bons livros, ouvir boa música, ir ao cinema... Não tem nada melhor!”, diz, empolgada.

Preocupada em manter uma boa alimentação, em beber muita água e em dormir bem, Neyde diz que ter cuidado nunca é demais. Por isso, faz academia diariamente e pilates. Apesar disso, a atriz garante não temer a passagem do tempo. “Não penso na velhice, não penso mesmo, porque por dentro eu me sinto jovem. Eu faço academia, eu ando, pago minhas contas todas... O que eu quero mais?”, sorri.

Dicas para uma velhice saudável

Faça exercícios físicos   A prática regular de exercícios deve ser estimulada, respeitando as limitações de cada um

Vá ao médico O acompanhamento regular é importante pa- ra prevenir possíveis doenças

Exercite a mente A leitura e as palavras cruzadas são aliadas do desempenho cognitivo

Socialize O engajamento social é importante para um envelhecimento saudável e livre da depressão

Cinco filmes e séries sobre o tema

Amor Vencedor do Oscar de melhor filme estrangeiro, em 2013, drama de Michael Haneke gira em torno de um casal de idosos que passa por obstáculos que colocam o  amor em teste.

Elsa & Fred Coprodução entre Argentina e Espanha, comédia dramática conta a história de um senhor de 78 anos. Sozinho desde a morte da esposa, ele conhece a vizinha e se apaixona.

Antes de Partir Com Jack Nicholson e Morgan Freeman, comédia dramática mostra dois desconhecidos que descobrem um câncer e decidem realizar uma lista de desejos antes de morrer.

Grace and Frankie Jane Fonda e Lily Tomlin protagonizam série da Netflix sobre duas mulheres que começam uma amizade quando seus maridos pedem o divórcio para se casar um com o outro.

Outros Tempos: Velhos Série do canal pago MAX, da HBO, mostra como é chegar na terceira idade no Brasil, misturando histórias de 16 idosos anônimos e famosos, como Ney Matogrosso.