Como falar de racismo com crianças?

Episódio de racismo sofrido pelos filhos de Bruno Gagliasso e Giovanna Ewbank serviu de alerta para pais

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  • Vinicius Nascimento

Publicado em 8 de agosto de 2022 às 06:00

. Crédito: Foto 1: André Frutuôso | Foto 2: Rafael Martins | Foto 3: Acervo pessoal

O caso de racismo sofrido por Titi e Bless, filhos de Giovana Ewbank e Bruno Gagliasso,  certamente, acendeu uma luz de alerta para mães e pais de crianças negras. O racismo existe e está presente em nosso dia-a-dia, mas quando e como é a hora certa de falar sobre o assunto com os pretinhos?

A dúvida esteve presente na cabeça da arte-educadora e estudante de pedagogia Alexandra Suzarte, 25, por quase todo o período da sua gestação. Na época, um primo jovem tinha sofrido violência policial e ela se questionou muitas vezes na terapia como seria para criar um menino negro na Bahia. No final das contas, ela teve uma menina: Inaê, hoje com 3 anos. “Pensava muito a respeito de raça, acessava números e informações. Eu trabalhava com poesia marginal e a gente acessa esses temas o tempo todo com o noticiário recheado de informações de como o racismo opera”, contou Alexandra. Inaê ainda é miudinha e está aprendendo a falar. Por isso, o assunto  ainda não foi abordado diretamente com ela.

“Ela entende mais coisa do que imaginamos. Estou o tempo todo me preparando, observando como isso está chegando a ela. É muito importante falar sobre isso com as crianças pra tentar atenuar os efeitos negativos que o racismo causa  em nossa saúde mental”, pondera Alexandra.

Psicóloga e com experiência na área de educação infantil, Victória Ferreira explica que o racismo afeta as crianças de muitas formas e isso pode ser percebido desde a primeira infância, período que vai até os 6 anos. Os ambientes de socialização são, normalmente, onde as crianças têm o primeiro contato com esse tipo de violência. Caso a criança viva em ambientes em que a figura da pessoa negra é tratada com referências negativas, é provável que o desenvolvimento seja afetado. Alexandra e Inaê posam para foto em casa (Foto: Acervo Pessoal) Segundo a especialista, uma das primeiras formas que o racismo pode aparecer na vida das crianças é na aceitação da própria imagem, considerando demérito ter pele escura ou cabelo crespo. “A partir disso, podem surgir comportamentos de isolamento social, traços de ansiedade e outros pontos que afetam a saúde mental. As crianças percebem o racismo. Podem não reconhecer pelo nome,  sentem quando são maltratadas pela cor da pele, cabelo”, explica Victoria Ferreira. 

A partir dos 6 meses de idade, o cérebro dos bebês consegue distinguir tons de pele. Eles entendem sobre práticas racistas  a partir dos 4 anos, quando começam a perceber ou reproduzir o entorno. “Perceber e reagir são coisas diferentes, muitas vezes a reação é se isolar, para evitar o sofrimento”, diz.

Lilica Rocha tem 7 anos e é uma criança retada. Desde cedo canta sobre a beleza de sua pele e do seu black power. Fruto do trabalho de formiguinha e carinhoso de seus pais. A mãe, Donminique Santos, explica que o tema da valorização étnica e racial é algo que sempre esteve e está no processo de educação de Lilica. Esse processo exige, muitas vezes, ter de prepará-la para lidar com a negação que parte, justamente, daquilo que a sociedade estabelece como bom e belo.“Precisamos falar sobre o racismo desde muito cedo, sempre pensando, respeitando e considerando cada fase dela. Esta é uma preocupação que eu trago antes mesmo de pensar em ter filhos. Eu, por exemplo, passei por muitas situações quando criança que somente depois de adulta consegui nomear como racismo”, disse Donminique, que é escritora.Ela pondera que a geração de Lilica é mais fortalecida e empoderada, sabendo desde cedo que é uma pessoa negra e que é bom ser do jeito que é. Isso pode se refletir futuramente, com as próximas gerações mais conscientes de si mesmas e do seu entorno.

 “Meu ‘tornar-se negra’ veio já adulta. Este movimento de afirmação é muito fruto de ações para valorização da sua ancestralidade. No entanto, por vivermos em um país racista, estruturalmente, o racismo está aí todos os dias. Daí a importância de uma educação antirracista”, reflete Donminique. Donminique avalia que a geração de sua filha Lilica é mais empoderada (Foto: Rafael Martins) Pai de Benin Ayo, 9, André Santana conta que o tema racial está desde muito cedo na vida do garoto. Desde a escolha do nome dele, que  serve como uma afirmação identitária. A ideia era criar desde sempre uma rede de proteção para o garoto desde seu nascimento. Recentemente, Benin sofreu com um caso: foi a um mercadinho com um primo adolescente e ficou no caixa com as compras esperando que ele retornasse depois de esquecer um dos lanches que pretendiam comprar.

A funcionária ficou fazendo perguntas duras a Benin, questionando como ele iria pagar, o que estava fazendo ali situação que deixou o garoto envergonhado e estressado. Ele começou a chorar. Victoria Ferreira explica que um dos maiores desafios para a criança é receber validação. Como no país as práticas de racismo são naturalizadas, muitas vezes a criança é ensinada a relevar a agressão. É importante alfabetizar as emoções da criança, validar os sentimentos, mostrar o que  significam e por que ele surgiram.“Quando isso é ensinado, potencializa o desenvolvimento saudável, podendo reduzir graus de depressão em decorrência do racismo. Muitas das coisas que acontecem na vida adulta podem ter a ver com problemas não discutidos na infância”, aconselha a psicóloga. A mãe de Benin foi até o mercado após ouvir o relato do filho para tratar da situação. Mas o menino  pediu aos pais para que não relatassem o caso nas redes sociais  para que ele não ficasse exposto.  “Foi algo muito chato, ficamos muito preocupados em como tratar isso, mas prometemos não falar nada publicamente. Dissemos a ele que a mulher estava errada, que ele não fez nada de errado ali”, conta André. Benin abraça carinhosamente o pai, André (Foto: André Frutuôso) 3 livros infantis para tratar do racismo com crianças

Sulwe – Lupita Nyong’o Escrito pela atriz e vencedora do Oscar, Lupita Nyong’o, o livro conta a história de Sulwe, uma garotinha preta que desejava brilhar como o sol.

A autora descreve o racismo infantil e o sentimento que tomava conta do coração de Sulwe: ela não se parecia com ninguém de sua família e na escola os colegas de classe a apelidavam por conta de sua cor. A dor da garotinha era tanta que de diversas formas ela tentou clarear sua pele.

Sinto o que sinto - Lázaro Ramos Livro escrito em parceria com o Mundo Bita conta a história dos aprendizados de Dan após um dia complicado. Ao vivenciar diversas emoções de uma única vez, Dan chega em casa bastante confuso. É então que a avó do garoto explica para ele o quanto o mundo interior que mora dentro da gente é cheio de mistérios, contradições e desafios.

Para ilustrar sua explicação ao neto, a avó de Dan conta a ele sobre a história de seus antepassados africanos Asta e Jaser. Dessa forma, o garoto aprende sobre ancestralidade, cultura afrobrasileira, diversidade e se conecta com vínculos familiares profundos.

O mundo no black power de Tayó – Kiusam de Oliveira O livro conta a história de Tayó: uma menina preta de seis anos de idade que é cheia de orgulho de seu cabelo crespo e black power.

A partir da educação positiva recebida em casa, a garotinha enfrenta piadas e apelidos na escola com muita autoconfiança e autoestima, dizendo aos colegas frases como “vocês estão com dor de cotovelo porque não podem carregar o mundo nos cabelos.”