Congelar óvulos vira tendência, apesar de preço e riscos da gravidez tardia

Procedimento é saída para quem deseja ou é obrigada a adiar maternidade. Rede estadual não cobre serviço, que pode custar até R$ 25 mil. Famosas aderem

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  • Mario Bitencourt

Publicado em 20 de agosto de 2017 às 05:01

- Atualizado há um ano

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Foi por acidente que em 2012 a advogada baiana Rafaella Valente, 36 anos, descobriu que tinha mieloma múltiplo, um tipo de câncer que se desenvolve no sangue e tem origem na medula óssea. “Era um exame de rotina feito a pedido do ginecologista. Era para fazer o eletroforese de hemoglobina e o laboratório fez o de proteína, que deu muito alterado”, lembra ela.

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O ginecologista não deu importância para o resultado do exame errado, mas Rafaella resolveu procurar um médico hematologista, que deu o diagnóstico suspeito de câncer, confirmado após vários exames no Hospital Sírio Libanês, em São Paulo.

Sabendo que ela era casada e ainda sem filhos, seu ginecologista a orientou a fazer um congelamento de óvulos, um procedimento cada vez mais comum entre mulheres – entre elas, a cantora Ivete Sangalo e a atriz Karina Bacchi – que desejam adiar a gravidez ou, como no caso de Rafaella, foi obrigada a adiar o sonho da maternidade por conta de uma doença.  Rafaella Valente teve Maria Valentina após congelar óvulos por conta de um tratamento de câncer. Curada, teve ajuda da médica Joventina Araújo para realizar o sonho da maternidade (Foto: Marina Silva/CORREIO) A adesão ao procedimento ocorreu por conta da quimioterapia, que prejudica a fertilidade da mulher. “O médico me deu as primeiras explicações sobre como era o congelamento, o que tinha de fazer, e me deu as indicações para outro profissional. Ele me deixou bem tranquila e, em 2013, fiz o tratamento de fertilização e, depois, o congelamento. Coletamos 14 óvulos de uma vez”, contou a advogada, que congelou os óvulos numa clínica particular de Salvador.

Superado o tratamento contra o câncer, em que teve de fazer um autotransplante de medula, Rafaella achou que era a hora de ter um bebê. Com o sêmen do marido, realizou a fertilização in vitro e teve Maria Valentina, hoje com um ano. A gravidez foi normal.“Ainda ficaram uns 11 óvulos, estão bem guardados, e posso usá-los daqui uns anos. Foi algo que me ajudou muito. Talvez se eu não tivesse a orientação de um profissional de Medicina logo de cara, teria ficado na dúvida. Mas foi tudo bem feito, seguro”, avalia a advogada.Em crescimento Apesar de um procedimento dispendioso – custa entre R$ 20 mil e R$ 25 mil na rede particular –, congelar óvulos, seja na Bahia ou no Brasil, é algo que está em fase de crescimento, afirma a Sociedade Brasileira de Reprodução Humana (SBRH). Apesar da constatação da entidade, não há dados consolidados sobre a quantidade de mulheres que atualmente estão com seus óvulos congelados. No entanto, em Salvador, numa das clínicas mais requisitadas para este tipo de serviço, a procura pelo procedimento aumentou 30% na comparação entre o ano passado e este ano (ver abaixo). 

Uma das mais conhecidas adeptas do método, a baiana Ivete Sangalo revelou, aos 45 anos, que mandou congelar seus óvulos porque pretende ainda ter filhos. Procurada pelo CORREIO, via assessoria de comunicação, a artista não deu detalhes da realização do procedimento.

Motivações As razões que levam as mulheres a se submeter ao congelamento são, basicamente, duas: o diagnóstico de câncer ou razões sociais (trabalho, por exemplo), mas pode ocorrer também no caso de a mulher ter histórico familiar de menopausa precoce.

As razões sociais estão associadas a mulheres com idade na faixa dos 30 aos 40 anos e que pensam ainda em ter filhos, mas querem adiar a gravidez, geralmente por motivo de trabalho.

Os óvulos são congelados porque, com o avançar da idade, a fertilidade diminui, sobretudo entre os 38 e 40 anos. Preservados a –186º C, eles podem ser usados por tempo indeterminado. Mesmo depois de 20 anos, por exemplo, o óvulo tem a mesma qualidade de quando foi coletado.

Segundo os especialistas, apesar do sucesso do método, não se pode esperar demais para engravidar, devido aos riscos à mulher. A partir dos 50 anos, inclusive, ela é de alto risco e não recomendável pelo Ministério da Saúde.

Realizando um sonho A atriz Karina Bacchi, por exemplo, deixou os óvulos congelados por seis anos. Ela realizou no último dia 8 de agosto o sonho de ser mãe. Aos 40, a artista estava separada do marido, com quem conviveu por seis anos. Além disso, tinha passado por uma cirurgia de retirada de trompas, por motivo não revelado.

O desejo da maternidade era cada vez maior e, por isso, após a separação, ela passou a viver um drama, superado graças ao congelamento dos óvulos, aos 34 anos. A atriz Karina Bacchi, que deixou os óvulos congelados por seis anos e conseguiu engravidar aos 40 (Foto: May Martinez/Divulgação) “Estava para completar 40 anos e me vi com a possibilidade de não realizar o sonho de ser mãe, e isso me assustou e me alertou. Precisei fazer escolhas, optar, com os pés no chão, com pouco tempo para isso. Meu futuro estava em minhas mãos”, disse ao CORREIO, em entrevista por e-mail.

Karina disse que fez apenas uma fertilização in vitro. “Descongelei parte dos meus óvulos. Nesse procedimento, um embrião vitorioso foi gerado e, desde então, tem se desenvolvido com muita saúde, graças a Deus. Foi um processo de muita expectativa, espera e muita oração”, afirmou.

Idade certa A idade ideal para recorrer ao procedimento de congelamento dos óvulos é até os 35 anos. “Dessa idade em diante, a qualidade do óvulo, bem como a quantidade, diminui, o que reduz a chance de uma gravidez”, explica o médico Mário Cavagna.

Diretor científico da SBRH e diretor de reprodução humana do Hospital Pérola Byington, de São Paulo, único no Brasil a realizar o serviço de forma gratuita, mas somente para pacientes oncológicas, Cavagna acompanha atualmente 220 mulheres que congelaram seus óvulos.“O procedimento tem se tornado usual nos últimos anos, está em ritmo crescente. O governo não faz divulgação de que há o serviço gratuito porque é caro, mas até isto tem crescido também – a realização do procedimento de forma gratuita”, acrescenta o médico paulista.O procedimento não está disponível pelo Sistema Único de Saúde (SUS). A Secretaria da Saúde de São Paulo informou que investe cerca de R$ 1,5 milhão por ano para manter este serviço no Hospital Pérola Byington, na capital paulista.

A unidade médica é pioneira em oferecer esse tipo de tratamento, gratuitamente, no Brasil e um dos poucos centros públicos do país que oferece tratamento a casais com problemas de fertilidade.

Os agendamentos são feitos pelas Unidades Básicas de Saúde, através da Central de Regulação de Ofertas e Serviços de Saúde (Cross).

Assim que a paciente é atendida na unidade, é indicado o tipo de tratamento e são solicitados os exames necessários. O processo demora de dois a três meses, como em qualquer serviço de reprodução assistida.

Sem cobertura e caro Na Bahia, não existe de forma gratuita o serviço de congelamento de óvulos nem para mulheres com diagnóstico de câncer, informou a Secretaria da Saúde do Estado (Sesab).

O atendimento no estado é realizado em clínicas particulares. Tanto na rede pública de saúde quanto na privada, o custo do serviço chega a R$ 25 mil, que pode ser dividido no cartão de crédito.

Em Salvador, uma das clínicas mais tradicionais é a Gênese, referência no Nordeste em reprodução assistida. Foi nela que a advogada Rafaella Valente congelou seus óvulos.

Para mantê-los congelados, a paciente paga ainda, anualmente, o valor de um salário mínimo, hoje em R$ 937. Na clínica, segundo a direção, os procedimentos aumentaram 30% de 2016 para 2017. No entanto, os números absolutos não foram informados.

O método principal de congelamento é o de vitrificação, e em poucos segundos o óvulo atinge a temperatura do congelamento. A rapidez impede a formação de cristais de gelo no interior da célula.“Hoje, com a difusão da informação, não se tem mais o medo de antes sobre esse tipo de procedimento, que não causa quase nenhum desconforto à mulher na hora de coletar os óvulos”, declarou a médica Joventina Araújo, da equipe da Gênese.Ela observa que mulheres mais novas também podem fazer o congelamento de óvulos. E quando menor idade tiver a mulher em fase reprodutiva, mais chances de coletar mais óvulos de uma vez só.

Como faz O procedimento inclui injeções diárias de hormônio para promover o crescimento dos folículos – esta fase inicial dura de 10 a 12 dias.

A paciente, então, recebe outra injeção para acabar de amadurecer os folículos até 36 horas depois, e em seguida ocorre a aspiração dos folículos para coletar os óvulos, em ambiente cirúrgico, com sedação.

“A coleta é feita por ultrassonografia transvaginal. Não oferece risco algum para a mulher. Raramente, ocorre algum sangramento, mas é normal”, detalha Joventina.

Já a realização da fertilização in vitro pode ser feita com sêmen do marido. Em caso de mães solteiras, é proibido fazer com sêmen de parentes e, neste caso, recorre-se ao banco de esperma.