Conheça 5 artistas e bandas que têm transformado o rap em Salvador

Destaque no Carnaval evidencia as múltiplas possibilidades dentro da cena

Publicado em 3 de março de 2020 às 06:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Edgar Azevedo/ Divulgação

Eles formaram “uma ala preta” na Avenida em um dos dias mais disputados do Carnaval. Attooxxá, O Poeta, A Dama, Afrocidade e o Aya Bass, formado por Luedji Luna, Xênia França e Larissa Luz, saíram quase em sequência, uma atrás do outro, no Circuito Dodô (Barra-Ondina). A forte presença de artistas negros, bastante jovens, fazendo manifestos com seus sons e corpos, chamou atenção no Carnaval, mas não é exatamente nenhuma novidade para quem está de olho na cena musical alternativa da cidade. Underismo, Vírus, Cronista do Morro, Rap Nova Era e TrapFunk&Alivio são só alguns dos nomes para os quais devemos olhar (e ouvir!) com atenção.  Palco Origens, no Espaço Cultural da Barroquinha (Foto: Divulgação) Com exceção de Vírus, todos estiveram no Palco Origens, que durante os cinco dias de folia reuniu mais de 35 artistas independentes no Espaço Cultural da Barroquinha, no Centro. Resultado: atraiu mais de 10 mil pessoas, firmando-se como uma importante plataforma de visibilidade para  quem tem dado um novo fôlego à música preta soteropolitana.Rap é compromisso  Quem ouve uma primeira vez pode até ter dificuldade em definir o som particular que cada um deles faz, mas com certeza não terá dúvidas de que se trata de algo potente. Ligados principalmente ao rap, eles misturam ritmos populares locais e sons universais à letras que denunciam a situação da juventude preta nas periferias da nossa cidade. “O rap é uma ressignificação de ritmos pretos norte- americanos. A galera sampleava o blues, o jazz, o funk, o soul. Quando a gente vem pra cá, a gente vê que tem algo que é só nosso, que é o pagode, o arrocha, e tantos outros ritmos. Gerações lá atrás começaram a ver isso, e foram propagando”, explica José Macedo, vocalista do Afrocidade.

Por isso, engana-se quem pensa que este é um movimento que começa e se encerra aqui. “O Afrogueto e o DaGanja já faziam isso há muito tempo, misturando até com o Psirico, porém a visibilidade e a atenção não eram a mesmas”, destaca Ravi Lobo, do Rap Nova Era, referindo aos artistas que estão na cena desde os anos 2000.

 

Força coletiva Parte da repercussão de hoje deve-se justamente a articulações como a do projeto Origens, que a partir de agora se prepara para promover mais ações ao longo do ano, e a festas promovidas pelas próprias bandas.

São nesses eventos que as bandas crescem, se profissionalizam e começam a consolidar seu público. Um dos grandes feitos do grupo de rap Underismo foi a criação do Baile Under, evento lançado em abril de 2018 com a intenção inicial de divulgar o EP R3$IDU0$ (lê-se Resíduos). “Quando começamos, não nos víamos com esse protagonismo, mas ouvir que o baile é um local acolhedor e que traz inspiração e autoestima é gratificante demais”, comenta Alfa, integrante da banda.

Foi assim também com o Afrobaile, promovido pelo Afrocidade desde 2013, em Camaçari. “A festa surgiu quando precisávamos de um espaço para fazer som. Com isso, proporcionamos também a aproximação das comunidades periféricas de Camaçari, uma unificação, um lugar pra onde a juventude preta estava indo para se afirmar, para ir vestida como quisesse, para meter dança como quisesse”, explica Macedo. Dançarinos de Camaçari tiveram espaço na frente do trio do Afrocidade (Foto: Edgar Azevedo/ Divulgação) Era justamente a galera que costuma estar nesses rolês que acompanhava, cheia de entusiasmo, a estreia da banda trio elétrico este ano. E não era qualquer trio, mas o Navio Pirata da BaianaSystem, que capitaneou a embarcação no dia seguinte - uma ação conjunta com o Festival Afropunk, que nos dias 28 e 29 de novembro desembarca pela primeira vez na América Latina, e mais especificamente, no Centro de Convenções de Salvador. 

A aproximação do festival, uma importante grife e vitrine internacional, faz as expectativas crescerem. “É o preto dos EUA se indentificando com a música daqui da mesma forma que a gente se inspirou neles”, vislumbra Macedo. Para a galera do TrapFunk&Alivio, para que o evento cumpra essa função, é preciso que ele dê vazão ao potencial criativo da cidade. “Tem muitos artistas bons, do underground, que por não terem o network não vão participar, e nem vão ser citados”, alerta. Underismo Underismo: banda surgiu de batalhas de rima de Salvador em 2017 O coletivo de rap se formou em 2017, a partir do encontro dos integrantes em batalhas de rap. No ano seguinte, eles lançaram o EP R3SÍDU0$ (lê-se Resíduos), com oito faixas, e deram início ao o BA1LE UND3R na Mouraria 53. Além de divulgar o trabalho da banda, o evento revitalizou um espaço desvalorizado na cidade. O grupo mistura a poesia do ‘liricismo’ com as ideias fora-da-caixa do ‘underground’, e é integrado por Ares, o Alef, Alfa, Kolx, Dj Moura e Nobru (a média de idade deles é de 23 anos).

Vírus Vírus: "Uma ameaça foi detectada" Apaixonado pelos palcos desde a infância, o artista soteropolitano de 21 anos pertence ao selo 999, de baco exu do blues. “Não gosto de me reduzir só a música, eu faço arte. Eu mostro o que eu vivo, a minha vivência, e as pessoas se identificam com isso porque elas vivem muitos dramas”, avalia. O nome artístico veio ainda na adolescência, quando pixava as ruas da cidade. “Assim como a pixação, o vírus é algo que se prolifera. E eu nasci para ser isso, algo que se prolifera como uma ideia”, diz. Na próxima terça, ele lança um novo clipe. 

Cronista do Morro Cronista do Morro lançou seu primeiro single ano passado A MC soteropolitana tem como marca a agressividade musical, evidente em seu pesado single de estreia, Torro (2019). Faz diversas apresentações na cidade, e já participou de shows de luedji luna e vandal. Foi convidada do Afrocidade no trio do afropunk, no carnaval. “Minha conexão com a Afrocidade vem de uma força ancestral, onde sabemos quem somos e nos permitimos evoluir a cada momento; e a música nos permitiu ser mais fortes e unidos. O resultado foi aquele carnaval surpreendente, onde fizemos história, vivemos e mostramos toda nossa existência e cultura”, diz. 

Rap Nova Era Rap Nova Era: grupo surgiu há dez anos na Cidade de Plástico, no Subúrbio Formado em 2009, na cidade de plástico (hoje comunidade guerreira zeferina), o grupo é o mais “rap raiz” dessa lista. Formado por Ravi Lobo, Moreno e DJ Kbça, lançou no ano passado o eu terceiro registro de estúdio, “Renovação”. Como o próprio título sugere, esse é um marco para  a identidade do grupo. Se antes o objetivo era ressaltar a vivência contínua da violência, principalmente policial, agora a proposta é outra, menos agressiva e muito mais preocupada com a musicalidade. “Conhecemos alguns estados e pessoas que somam muito na nossa trajetória, e que faz isso ser mais que música, é um resgate social”, afirma Ravi Lobo.  TrapFunk&Alivio TrapFunk&Alívio, do Nordeste de Amaralina, cuja marca registrada é a cor verde cana (Foto: Divulgação) Coletivo de DJs do Nordeste de Amaralina que se reuniu, em 2013, a convite de Felipe Pomar, para fazer experimentos desconstruindo as bases do funk e do trap. no ep “Armadilha” (2017), a sonoridade se mistura a letras que dialogam com a verdade nua e crua cotidiana da juventude periférica. aliás, desde que surgiu, o grupo chama atenção pela cor verde cana utilizada pelos seus integrantes. “O verde cana é uma cor que chama atenção, mas na pessoa branca é associada ao sportwear, enquanto no jovem da favela é associado à marginalidade. A gente vem desconstruir essas visões”, diz Alex Ribeiro.