Conheça Doutor Aureo, o médico que leva a natureza como missão

No Capão há 35 anos, Aureo Augusto Caribé levanta a bandeira de tratamentos naturais com sabedoria e cautela

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  • Fernanda Santana

Publicado em 22 de abril de 2018 às 11:11

- Atualizado há um ano

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Dores abdominais e diarreia perturbavam Aureo constantemente. Um fardo para o jovem médico, formado pela Universidade Federal da Bahia (Ufba). Decidiu, então, arriscar novos tratamentos: alimentação, água, argila. Na mesma época em que se aproximava da natureza, e sentia os desconfortos amenizarem, conheceu o Capão, município de Palmeiras, na Chapada Diamantina. “Uma beleza indescritível”, lembra, em entrevista ao CORREIO. Hoje, 35 anos depois das primeiras visitas, é o Doutor Aureo Augusto do Capão.

Baianos lideram o ranking nacional no tratamento com fitoterápicos

“Com o tempo fui notando que o ser humano é bem mais complexo que qualquer teoria. Nós não podemos ser reduzidos ao que diz a ciência ou a religião, ou a filosofia. Nenhuma escola nos alcança a completude”, acredita. À frente da Unidade de Saúde de Família Caeté-Açu, leva adiante os planos e crenças. Também ensina um pouco do que aprendeu no seu canal no Youtube. “É muito massa! Sinta o drama: neste momento são praticamente 3,3 mil nscritos e 76 mil visualizações”.

Agora, sonha com a ampliação da unidade de saúde e a criação de um laboratório próprio para produção de medicamentos fitoterápicos. O projeto de vida está definido: disseminar o poder da natureza. “Porque ignorar algo tão disseminado, tão importante e tão efetivo?”, pergunta. Com a palavra, Aureo: mestre em práticas medicinais naturais, artista plástico, escritor e poeta. Não necessariamente nessa ordem. 

Confira abaixo entrevista onde o médico conta a sua trajetória:  CORREIO: Como foi a sua chegada ao Capão? Aureo: Desde a década de 70 que me interessei pelo que foi chamado de “contracultura”, e, esta, com seu orientalismo e o desejo de viver em um mundo mais natural, muito me influenciaram. Havia a ideia de retorno ao campo. Um dia chegou o momento, coroado com uma visita a este Vale, que é de uma beleza indescritível. Logo me mudei pra cá e nunca me arrependi, pelo contrário, todos os dias agradeço a mim mesmo por esta decisão. Foto: Reprodução/Youtube CORREIO: Hoje, há mais facilidades ou dificuldades em trabalhar tratamentos naturais?Aureo: O bom atualmente é que há um reconhecimento oficial, muitas das modalidades terapêuticas que antes eram consideradas supersticiosas ou inócuas, agora são recomendadas no SUS. Temos uma Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares. Aliás, Palmeiras, a cidade da qual o Vale do Capão faz parte, já tem sua Política Municipal de PICs, o que facilita as coisas."Uma grande cidade, como Salvador, fatalmente tende a alinhar-se com uma cultura cosmopolita derivada dos conhecimentos acadêmicos que muitas vezes não estão interessados em estudar o que o povo faz", diz.

CORREIO: Por que, para o senhor, vale o esforço de investir na natureza como substrato de trabalho? Aureo: Antes de mais nada, porque eu tive uma experiência pessoal que mudou completamente minha vida (e minha expectativa de vida). Depois, lidando com milhares de pessoas que me procuram com sofrimentos algumas vezes muito tristes, encontraram a saúde com estas práticas. Mas também atualmente existem numerosos estudos mostrando que as práticas (hoje chamadas de) integrativas e complementares realmente trazem forte contribuição para a manutenção e a recuperação da saúde. São ademais, muitas vezes mais baratas, de fácil acesso... O melhor é que dão resultado!

CORREIO: Como o senhor recebe a notícia de que, na Bahia, a população faz mais uso de fitoterápicos que no resto do país? Aureo: A Bahia é um estado com fortes tradições. Há toda uma fitoterapia ligada ao candomblé, aos ameríndios e aos portugueses que aqui aportaram. Entre outros povos registre-se. E estas tradições ainda pesam em nossa cultura (e espero que continuem influenciando-nos) levando também a que haja interesse pelas plantas medicinais. Uma grande cidade, como Salvador, fatalmente tende a alinhar-se com uma cultura cosmopolita derivada dos conhecimentos acadêmicos que muitas vezes não estão (até pelas fontes de financiamento) interessados em estudar o que o povo faz, diz e experimenta. Porém aqui em Salvador a cultura africana tem um papel tão forte que contrabalança isso em muita medida, em que pese o preconceito de que tem sido vítima desde sempre. Força é força e isso não falta a esta parte de nosso ser.

Aliás, embora o sul sempre apareça mais na mídia, o fato é que aqui temos próceres dos tratamentos naturais, como o saudoso Dr. Fernando Hoisel, o Dr. Elias Oliveira Lima, Dr. Cesar (peço desculpas, mas agora me deu um branco no sobrenome), a nutricionista Glauvania Jansen, o Dr. Farmacêutico Carlos Alberto da Fonseca (que foi quase sozinho o autor do Inventário de Plantas Medicinais do Estado da Bahia, publicado pela SEPLANTEC há anos atrás), a Professora da Escola de Farmácia da UFBA, Dra. Marazelia e muitos outros... não dá pra enumerar todo mundo, é uma pá de gente! Esta turma tem feito um trabalho lindo, influente apesar de bastante silencioso se comparamos com o estardalhaço publicitário de sistemas de vida bem ruins pra saúde."Tem gente que toma chás a rodo sem se preocupar que – uso a frase de Paracelso – “a diferença entre o veneno e o remédio está na dose”, ressalta, ao comentar uso, sem prescrição médica, de fitoterápicos.CORREIO: Quais são os benefícios de um tratamento fitoterápico [terapia por meio de plantas]? Para quem e em quais casos medicamentos extraídos da terra são indicados? Aureo: A fitoterapia é talvez a mais antiga prática terapêutica. Em Shanidar, no Iraque, há uma caverna que foi ocupada por homens de neanderthal. Ali eles acumulavam Aquileia milefolium entre outras plantas cujo valor medicinal é hoje reconhecido. O uso continuado durante milênios e os estudos da ciência têm revelado o valor das plantas na terapêutica. Ótimo!

No entanto convém esclarecer que não devemos usar as plantas como qualquer medicação. Quero dizer que frequentemente (ou sempre) a causa dos problemas de saúde está relacionada com nossos hábitos inadequados de vida (e, claro, alimentação). Portanto há que mudar hábitos. Há que repensar a própria vida e uma planta, ou uma medicação, têm muitas vezes papel de minimizar o problema e assim vamos nos mantendo no hábito prejudicial. Enfim, a doença tem tantas vezes o papel de ser o arauto de um corpo (ou de um ser) que está denunciando abandonos, descuidos, mal uso do livre arbítrio, enfim, denunciando que as coisas precisam mudar, aí usamos plantas medicinais (e nos sentimos “naturais”) ou medicações e não mudamos. Isso não é natural (risos). Foto: Reprodução/Youtube CORREIO: O senhor alia o uso de medicamento fitoterápicos e plantas medicinais com medicamentos químicos? Qual é o seu posicionamento diante dos alopáticos?Aureo: Quando alcancei a saúde através da Naturopatia, fiquei um tanto radical. Assim negava completamente o valor das medicações. Mas com o tempo fui notando que o ser humano é bem mais complexo que qualquer teoria... Nós não podemos ser reduzidos ao que diz a ciência ou a religião, ou a filosofia. Nenhuma escola nos alcança a completude. Somos maiores que livros e sistemas de pensamento... Vai daí que fui me abrindo cada vez mais. Penso que o sentido naturopático do que é a cura será sempre particularmente útil para uma integratividade entre os diversos sistemas terapêuticos. Hoje, para mim, há uma única medicina com vários sistemas terapêuticos – homeopatia, antroposófica, ayuerveda etc.

As medicações podem ser extremamente úteis, ainda mais em situações emergenciais específicas. O que não devemos deixar de notar é que todas elas trazem efeitos nocivos. O médico ao receita-las pesa o custo benefício (coisa que raramente o leigo faz, pois o leigo apenas está interessado no benefício esquecendo-se dos efeitos nocivos). O médico estuda os efeitos colaterais. Veja o caso do ácido acetil salicílico (AAS, aspirina). Ele reduz a dor, “afina” o sangue (como diz o povo). É bem útil, mas pode provocar micro-sangramentos, alguns imperceptíveis, mas capazes de provocar até anemias sérias. Também pode prejudicar sobremaneira o estômago. Mas a pessoa que está com dor de cabeça o mais das vezes não está nem aí para estes detalhes. Ou seja, o uso irresponsável da medicação é muito ruim. Aliás o uso irresponsável das plantas medicinais também. Nelas podem ocorrer substâncias que a par do benefício podem ser lesivas. Tem gente que toma chás a rodo sem se preocupar que – uso a frase de Paracelso – “a diferença entre o veneno e o remédio está na dose”."O uso criterioso das plantas medicinais pode contribuir muito mais do que já contribui para a saúde da nossa gente", defende.CORREIO: Na sua opinião, quais são os grandes entraves para que os medicamentos fitoterápicos ainda não tenham sido escolhidos, quando possível, em detrimentos dos medicamentos químicos? Acredita em uma mudança de cenário? Aureo: O cenário já está mudando, apesar de algumas resistências. Penso que há que ter mais estudos, que a população seja melhor informada, que nas escolas de medicina seja introduzida a terapêutica fitoterápica. Quando estudei terapêutica na faculdade, era apenas o uso de medicações. E, no entanto, as plantas continuam sendo usadas pela maior parte da população, nem sempre acertadamente (registre-se). Porque ignorar algo tão disseminado, tão importante e tão efetivo? O uso criterioso das plantas medicinais pode contribuir muito mais do que já contribui para a saúde da nossa gente.Áureo comenta criação de canal no Youtube: "É muito massa! Sinta o drama: Neste momento são praticamente 3300 inscritos e 76160 visualizações".CORREIO: No Capão, como está a questão do uso e produção de fitoterápicos?Aureo: Este é um sonho que nós, da Unidade de Saúde da Família de Caeté-Açu, temos acalentado há muito. Queremos ampliar o posto e assim ter um laboratório para esta produção. Aliás, temos muitos sonhos! Nesse momento temos um pequeno horto, no fundo do posto. Secamos, embalamos e distribuímos as plantas secas conforme a orientação do médico, da enfermeira ou do dentista. Queremos mais!

CORREIO: Como foi o processo de criação do seu canal do Youtube? Aureo: Meu filho já algum tempo me disse que eu ia morrer! Imagine a delicadeza desse povo! Ele tentava me convencer a dar cursos e disse que antes de morrer tinha que compartilhar as coisas que aprendi durante a vida. Vai daí que tenho realizado cursos presenciais no Instituto Lothlorien aqui no Vale do Capão e vídeos no canal. Estes aconteceram principalmente pelo esforço abnegado de Thiago Caribé, que é especialista nestas coisas e meteu na cabeça de me ajudar nisso. Com uma paciência inacreditável vem me ensinando a fazer as coisas, criou meu blog, me ajuda no facebook, instagram e é a alma por trás do canal no Youtube. Aliás, estou adorando a experiência. É muito massa! Sinta o drama: Neste momento são praticamente 3300 inscritos e 76160 visualizações. É impressionante a capilaridade deste meio de comunicação. Já pirava com o blog, agora muito mais. Tem muita gente falando mal dos tempos modernos, sim, rola cada coisa de arrepiar, mas também tem coisas maravilhosas. Pra mim, há que aproveitar para divulgar o que propõe harmonia e paz.

CORREIO: Quais são os primeiros passos a serem seguidos por pessoas que querem começar a usar fitoterápicos? Aureo:  Procurar pessoas que tenham formação para orientar. No Brasil as pessoas que praticam oficialmente a medicina, farmácia, enfermagem e odontologia estão capacitados a fazer esta orientação. Devem estes profissionais capacitar-se para tanto.