Conheça Oske, o ex-pugilista japonês que virou fotógrafo do submundo de Salvador

Olhar atento para os excluídos se destaque nas imagens do fotógrafo

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  • Alexandre Lyrio

Publicado em 3 de abril de 2021 às 11:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Hirosuke Kitamura/divulgação

Nenhuma cena é eterna, nenhum objeto é permanente, nenhuma vida escapa da morte. A efemeridade das coisas e as cicatrizes que o tempo causa no ser humano e em tudo que existe é a busca constante do fotógrafo japonês Hirosuke Kitamura, 53, conhecido por aqui como Oske. Ao mergulhar no submundo de Salvador, circulando entre prostitutas, moradores de rua, lavadores de carros, traficantes, flanelinhas e tudo o que está à margem, Oske se tornou um artista visual dos mais elogiados e levou seu trabalho da capital baiana para o mundo.

Na verdade, Oske se sente um deles, um dos “marginais” que tanto fotografa. “Eu busco elementos marginais pois eu mesmo sinto que sou uma pessoa marginal da cidade. Sempre moro no lugar diferente e não tenho lugar de origem. Me identifico com isso”, afirma o fotógrafo. Entre os cantos da cidade que costuma clicar estão os bregas da Ladeira da Montanha e da Conceição da Praia, a cidade  que ficou esquecida no tempo. “Marcas do tempo me interessam. Pistas que mostram passagem do tempo”, explica.

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Nos lugares mais caóticos, Oske busca mostrar as relações de textura e cor entre objetos, os corpos humanos, a pele, a carne e o que essas coisas têm a ver com o tempo em suspensão. O resultado são imagens que beiram o surrealismo,  que ao mesmo tempo chocam pela crueza da realidade cheia de dor e angústia. “As minhas imagens denotam uma fotografia ora surreal, ora como resultado da busca de uma identidade mais existencialista. Não existe cena que dura a eternidade. Os objetos, os elementos e os homens se transformam de acordo com passagem do tempo”, reflete Oske.

Nascido em  Osaka, Oske não tinha muito contato com a fotografia quando vivia no Japão. Na verdade, com três meses de vida foi morar com os pais na Tailândia, onde ficou parte da infância. Retornou para o Japão e foi estudar. Sempre se interessou pela cultura latina, especialmente pela música. Em 1986, entrou na Universidade de Estudos Estrangeiros, em Kioto, e  cursou português: “Gostava da música  do idioma”.

Boxe Em certo momento, esquivou-se um pouco da faculdade e se aproximou do boxe.  Oske virou pugilista: “Me dedicava muito mais ao boxe do que ao estudo. Queria ser pugilista profissional”. Mas teve que desistir do sonho porque machucou o olho. Passou por cirurgia, mas não teve jeito.  Virou bancário. Um programa de intercâmbio do  banco facilitou a  vinda para o Brasil em  1990. Veio direto para Salvador. “Poderia ter ido para outra cidade. Mas sabia que aqui era a raiz do Brasil, a primeira capital. Também me interessava pela cultura afro por causa da música jazz”, conta.

Veio passar um ano.  Ao voltar para o Japão, entrou numa empresa que exportava equipamentos para o Brasil. Conseguiu retornar para Salvador e, depois de deixar a empresa, trabalhou como voluntário em colônias japonesas na Bahia. Só descobriu a fotografia e as artes visuais depois de alguns anos morando aqui. 

Em 1995, entrou para um curso de fotografia do Senac com o  documentarista Antônio Olavo. Também acompanhou um fotógrafo japonês que veio cobrir o Carnaval: “Fui o tradutor dele e aprendi muito”. Oske, então, comprou uma câmera. No início, fez alguns trabalhos jornalísticos como free lancer. Nesse período ganhou seu primeiro prêmio, em 1997. Oske foi o primeiro colocado, vejam só, do concurso Bahia de Todos os Ângulos, promovido pela TV Bahia e o jornal Correio da Bahia.

Mas aí, através do amigo Márcio Lima, conheceu o trabalho do carioca Miguel Rio Branco: “Ele me mostrou um livro de Miguel sobre o antigo Pelourinho. Me chamou a atenção as cores fortes”. Também conheceu o trabalho de Mario Cravo Neto, que, segundo Oske, “mostra o reverso da Bahia”.  É aí que ele passa a mergulhar em ambientes mais melancólicos.

Casa de encontro “Eu conheci Mario Cravo, ia para a casa dele, trocava várias ideias. Também fui ao Rio conhecer Miguel Rio Branco. Foi através deles que fui incentivado a uma fotografia mais artística”, conta. Oske então fez imersões nos submundos da capital baiana e de outras cidades. Com o trabalho artístico cada vez mais reconhecido, participou de importantes exposições em São Paulo, Rio de Janeiro, Brasília, Belém Nova York e Havana, em Cuba. Em 2002, sua produção foi incluída na 11ª edição da prestigiada Coleção Pirelli/Masp de Fotografia.

O trabalho mais conhecido e aclamado de Oske é o Casa de Encontro, produzido nos prostíbulos das Ladeiras da Montanha e Conceição da Praia. Uma imersão realizada  entre 2000 a 2017. Logo de cara, ele teve que vencer o estranhamento e a resistência causados por um homem de traços orientais que passou a frequentar os bregas com uma máquina fotográfica. Pouco a pouco, Oske foi ganhando as meninas da Montanha e da Conceição.

Primeiro, presenteava as meretrizes com os retratos. Depois, ficou claro que lhe interessava menos o lascivo e o pornográfico e mais a luz, as cores, a dor e a tristeza que os corpos despertam: “No início, a dona do brega não gostava. Mostrei que não tinha interesse nos problemas da cidade”. Oske se encontrou naquele ambiente. “Eu gosto de um ambiente nostálgico. Mesmo quando não fotografava eu tomava cerveja e fazia amizades”, explica.

Em 2019, seu trabalho nos puteiros que resistiam na Montanha virou matéria na Revista Continente: “O trabalho de Hirosuke Kitamura, sobretudo Casa de Encontro, findou por colocá-lo entre os grandes nomes das artes visuais do país, especialmente do campo fotográfico”. O texto dá  destaque aos ensaios realizados nos bregas de Salvador: “As texturas, as paredes descascadas, a penumbra amarelada, os movimentos borrados da câmera em baixa velocidade, as sobreposições, a luz vermelha, o uso da película, a pós-produção digital das imagens, tudo isso corrobora um interesse pela criação artística e não documental em stricto senso. O olhar de Hirosuke Kitamura ousa atravessar as fronteiras sociológicas e políticas para ganhar o território do mistério, o campo do sutil, das coisas que acontecem quando simplesmente as ignoramos”, escreveu a Continente. 

Os bregas da montanha fecharam mas Oske segue com as amizades da área. “Ainda vou em alguns bares lá ver os amigos”, diz. Em breve, vai apresentar um trabalho realizado com uma artista de rua trans que frequenta a fonte próxima ao Elevador Lacerda. “Fotografo o que me toca”, conclui.

Principais mostras 

1997 Primeiro Lugar/Concurso Bahia de Todos os Ângulos/TV Bahia - Jornal Correio da Bahia, Salvador (BA)

 2000 3ª  Bienal Internacional de Fotografia, Curitiba (PR)

 2002  11ª edição Coleção Pirelli/Masp de Fotografia

2002  Casa de Encontro- Galeria Fayga Ostrower, Brasilia (DF)

2002 Salvador - Cidade que se mantém Orando / Salão de NIKON, Tokyo

2004  Material in Vita - Conjunto Cultural da Caixa, Salvador (BA)

2008  Morte Cerebral de uma Cidade sem Lembranças - Galeria Solar Ferrão, Salvador (BA)

2012  HidraGaleria Fauna – São Paulo

2012 1500 Gallery – New York, EUA

2014 Samsara Galeria 1500 Babilônia – Rio de Janeiro