Coronavírus: Cemitérios e funerárias de Salvador se preparam para aumento de demanda

“Já fizemos o pedido de fabricação e temos estoque de 2 mil urnas”, revela empresário do setor

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  • Daniel Aloísio

Publicado em 3 de abril de 2020 às 06:00

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação/Bosque da Paz

Diante do cenário desenhado pela pandemia de coronavírus, um aspecto delicado entrou na pauta de preocupações das autoridades mundiais: como cuidar dos corpos das vítimas da Covid-19. No Equador, o sistema funerário entrou em colapso por conta do número de mortos pela infecção provocada pelo novo vírus. Em estados como São Paulo, que contabiliza 208 óbitos, houve um aumento de 20% na busca por sepultamentos, segundo dados do Sindicado das Empresas Funerárias do Estado de São Paulo.

Na Bahia, onde a Covid-19 matou três pessoas, funerárias e cemitérios de Salvador relataram ao CORREIO que não verificaram aumento de demanda por conta da doença, mas que estão se preparando. “Já fizemos o pedido de fabricação e temos em estoque 2 mil urnas, caso sejam necessárias”, revelou Jocival Conrado, sócio de uma rede de quatro funerárias do município: Caminho das Árvores, Caminho da Saudade, Costa Azul e Pax Brasil.

Conrado não verificou um aumento na busca pelo serviço e não atendeu familiares de vítimas da doença. O valor para os serviços nesses casos, no entanto, foi estipulado em R$ 3,5 mil por conta dos cuidados especiais que envolvem a Covid-19.“O investimento que estamos fazendo é muito alto. Estamos seguindo todas recomendações, capacitamos os nossos profissionais e compramos os Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) que são incinerados após o uso”, detalhou.  O Sindicato das Empresas Funerárias do Estado da Bahia afirmou que repudia a declaração do empresário Jocival Conrado, que afirma ter um estoque de 2 mil urnas funerárias. "Essa informação não é reconhecida pela nossa entidade, tampouco é prática dos profissionais do nosso segmento", afirma a entidade em nota enviada ao CORREIO. 

Em conversa com a reportagem, o diretor do sindicato, Carlos Brandão, reiterou que "a demanda de serviço está normal atualmente. Mas o seguimento funerário na Bahia está preparado para um aumento, caso haja. Nada absurdo como relatado pelo empresário entrevistado", disse.

Política de preços

Outras funerárias ouvidas pelo CORREIO também tiveram de reavaliar a política de preços. Mas algumas decidiram não alterar a tabela. “De fato, a gente fez um investimento absurdo nos EPIs. Antes só usávamos máscara e luva, agora tem um roupão que é descartável e bota. Mas a gente escolheu não repassar o valor para o consumidor. Ofertamos um serviço que varia de R$ 800 a R$ 13 mil, a depender da urna escolhida”, afirmou Diego Pitanga, dono da Campo da Saudade. “Eu espero que a gente tome os cuidados necessários para não pegar essa doença. Quando acontece próximo da gente, aí percebemos a gravidade. Na quarta, o primo da minha esposa faleceu por coronavírus, no Rio de Janeiro”, disse.  Na funerária A Decorativa, que atendeu aos familiares dos dois primeiros mortos por coronavírus na Bahia, o valor também continuou o mesmo. “Há o gasto com EPIs, mas em contrapartida foram suspensos serviços de maquiagem e higienização do corpo, pois o contato com o falecido é o mínimo”, disse Gilvana Santos, gerente administrativa da funerária. A loja trabalha com uma fábrica próxima de Salvador, o que dá segurança de que não haverá desabastecimento de urnas: “Normalmente, a urna demora seis dias para ser fabricada, então acreditamos que estamos preparados”, disse. 

Já a Funerária Bom Jesus, que trabalha com fábricas do Sudeste, tem 90 urnas em estoque. “Quando fazemos um pedido, demora até 20 dias para chegar. Mas temos a esperança de que a situação não se torne tão dramática”, disse Adalício Fernandes, funcionário da loja.

Cemitérios 

Nesta quinta-feira, 02, Salvador confirmou a terceira morte por coronavírus, um idoso de 88 anos que estava internado no Hospital da Bahia. No início da semana, dois outros homens já tinham morrido por causa da doença, um de 74 anos, também internado no Hospital da Bahia, e um paciente de 64, que estava em tratamento no Hospital Aliança.  

Todos têm em comum o fato de terem sido cremados, o que é uma recomendação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), embora não seja obrigatório. “A Prefeitura tem um convênio com o Jardim da Saudade e oferecemos duas vagas gratuitas por dia do serviço de cremação para a população de baixa renda”, disse Romar Vilas Boas, coordenador de serviços diversos da Secretaria Municipal de Ordem Pública (Semop), órgão que cuida dos cemitérios públicos da cidade.  “Mas há uma resistência da população. A maioria das pessoas ainda prefere ser enterrada. Para se ter uma ideia, utilizamos cerca de 30% do serviço que o Jardim da Saudade oferece para a gente. Essa taxa poderia ser maior”, explicou Vilas Boas.  Esse estímulo à cremação é uma das medidas adotadas para manejo dos restos mortais para evitar a disseminação do vírus. “A cremação é ecologicamente recomendada, pois ela permite que não haja administração de restos mortais. À luz da pandemia, ela ficou mais necessária ainda”, disse Gustavo Machado, diretor do Cemitério Bosque da Paz, local onde foi cremada a terceira vítima do coronavírus na Bahia.  

No entanto, a própria cremação encontra um desafio no estado: a quantidade de crematórios. “A gente só tem três crematórios em Salvador e um em Alagoinhas. Sendo que cada crematório leva de 2 a 3 horas para cremar cada corpo, a depender do tamanho. Isso faz com que o número de cremações por dia seja em torno de seis a oito, em cada local”, disse Gustavo.  

É pensando nisso que outro cemitério de Salvador, o Jardim da Saudade, oferece o serviço de câmaras frias, local onde os corpos podem ficar conservados até que possam ser cremados. “Nós separamos duas dessas câmaras para as vítimas de coronavírus e lá podemos colocar em média 20 corpos”, disse Barbara Bembem, administradora geral do Jardim da Saudade. 

Nesse cemitério, assim como no Bosque da Paz, os velórios foram suspensos para evitar a disseminação do vírus, embora essa medida não seja obrigatória. O Campo Santo, por exemplo, que recebeu as duas primeiras vítimas por coronavírus, ainda não suspendeu a cerimônia.  “Mas a gente está tomando todas as medidas de higiene e distanciamento social necessárias. Os velórios duram no máximo duas horas e são restritos a, no máximo, 10 pessoas. Todas devem estar separadas por cerca de dois metros de distância. E se o caso for confirmado de Covid-19, as medidas são mais restritivas ainda. A urna é toda higienizada e a família só pode ficar na porta da sala, para uma rápida despedida”, disse Roberto Taboada, gerente do Cemitério Campo Santo.Além do serviço de cremação e sepultamento normal, Roberto destacou ainda que, em 2017, foi inaugurada uma nova ala ecológica que hoje possui 440 gavetas disponíveis. “Elas são fechadas e lacradas a vácuo, o que mantém a biossegurança contra a disseminação de vírus e bactérias”, disse. Há ainda outros 250 espaços disponíveis para sepultamento no local, segundo o gerente do cemitério.  

Para aqueles que não optarem pela cremação, o Jardim da Saudade disse que possui em torno de 6 mil jazidos disponíveis, enquanto o Bosque da Paz deu o número de 450 jazidos simples. No caso dos cemitérios públicos, Romar Vilas Boas afirmou que o de Brotas foi ampliado e possui 460 novas gavetas prontas para uso. “Está ainda em construção mais 600 gavetas nos cemitérios de Plataforma e Paripe. Nossa previsão é que a obra termine no final de abril”, disse.

Confira os valores de sepultamento e cremação nos cemitérios citados:*Cemitério Bosque da Paz:  Cremação: R$ 3,2 mil Sepultamento: R$ 3 mil

*Cemitério Campo Santo:  Cremação: R$ 5,6 mil (dividido em 12x) Sepultamento simples: R$ 3,2 mil (dividido em 12x) Sepultamento na ala ecológica: R$ 4,4 mil (dividido em 12x)

*Cemitério Jardim da Saudade:  Serviço geral: a partir de R$ 2,8 mil. O cemitério não divulgou os valores exatos, pois "eles podem ser alterados. Mas sempre estamos disponíveis para fazer um acordo com o cliente", disse a administradora geral. *Com orientação da subeditora Clarissa Pacheco