Corpo de Mestre King é velado: 'seu legado só ganhará mais força'

Primeiro homem a ingressar no curso de licenciatura em Dança pela Ufba, , em 1976, professor morreu no último sábado (13)

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  • Giuliana Mancini

Publicado em 14 de janeiro de 2018 às 16:14

- Atualizado há um ano

. Crédito: Foto: Divulgação

Batuque de tambores, cantos e muitas palmas. Parecia até uma grande festa, de arrepiar quem chegava à sede da Fundação Cultural do Estado da Bahia (Funceb), na manhã deste domingo (14). E era. Afinal, o último adeus a Mestre King tinha que ser assim: com animação. “A melhor forma de celebrar a vida dele é com dança. Não pensávamos que seria diferente. Estamos aqui por uma estrela”, disse Jacson do Espírito Santo, diretor do Centro de Formação em Artes da Funceb. Foi lá, no auditório Liceu, que o corpo do professor e coreógrafo foi velado.

Pioneiro da dança afro na Bahia e no Brasil, Mestre King morreu na tarde do último sábado (13), em casa, aos 74 anos. Nascido em Santa Inês, batizado como Raimundo Bispo dos Santos, o professor fez história ao se tornar o primeiro homem a ingressar no curso de licenciatura em Dança pela Universidade Federal da Bahia (Ufba), em 1976. Em 1989, concluiu a especialização em Coreografia, também pela Ufba. Mestre King foi o primeiro homem a ingressar no curso de licenciatura em Dança pela Ufba (Foto: Arquivo CORREIO) “Ele parecia ser uma pessoa super brava por fora. Mas, na verdade, só queria proteger seus alunos, ser como um pai para eles. No fundo, tinha coração mole”, lembrou Alana Bonfim Santos, uma das netas do Mestre. Além dela, o baiano era avô de Itana e Cauana e pai de Felipe e Fábio, e marido de Jacira Santos. Abatidos, os filhos não quiseram falar com o CORREIO. Após o velório, o corpo do coreógrafo foi cremado em cerimônia reservada aos familiares no Cemitério Jardim da Saudade.

Doença Nos últimos tempos, o professor estava afastado dos palcos, se tratando de insuficiência renal. Ainda assim, não deixou de participar de uma grande aula no último dia 31 de dezembro, na Praça da Sé, como fazia todos os anos. “Ele até se arriscou e dançou um pouquinho. Porém, falou que não sabia se estaria na próxima edição”, comentou a atriz e dançarina Luciana Souza.

“Já sabíamos, naquele momento, que ele estava sem forças. Mas se sentiu na obrigação de ir e de valorizar a data. Mestre King sempre foi muito humilde. Quando começou, não sabia o quão relevante seria para a arte. Não era esse o intuito. Ele só queria fazer algo novo e ser artista”, contou o arteeducador Carlos Pereira.

Autor de mais de 100 coreografias, o Mestre foi responsável por formar grandes nomes da dança afro da Bahia, como Zebrinha, Augusto Omolu (1963-2013), Armando Pequeno e Paco Gomes.

“Eu comecei minha carreira por causa dele. Eu fazia esporte e não tinha noção da dança. Um dia, ouvindo o som dos atabaques, fui assistir uma aula dele. E Mestre King me falou ‘cai para dentro’. Ali, descobri minha verdadeira vocação, minha paixão”, comentou Nildinha Fonseca, do Balé Folclórico da Bahia. “Ele deixa um legado enorme. Da valorização da cultura de raiz negra, da preservação... Nada do que ele construiu será destruído, nada será derrubado. Faço uma promessa que seu legado só ganhará mais força”. Mestre foi o responsável por formar nomes como Zebrinha, Augusto Omolu, Armando Pequeno e Paco Gomes (Foto: Divulgação/Funceb) Nildinha não foi a única que fez questão de lembrar a importância do Mestre para a cultura da Bahia. “Na época em que ele começou, não havia o entendimento de que a ancestralidade negra era importante para a dança. Foi ele quem trouxe essa possibilidade. Sem contar na disciplina que ele adotava. O comprometimento era importantíssimo para o Mestre King”, declarou Renata Dias, diretora da Funceb.

“Eu moro na Europa há 13 anos e, toda vez que faço workshops lá, encontro alunos dele. Em todo o continente, ele é tido como uma referência da dança”, falou o percussionista Anderson do Samba, filho do criador do criador do samba-reggae, Antonio Luís Alves de Souza, o Neguinho do Samba (1954-2009).

Para Cristina Castro, coreografa do Viladança e diretora do Vivadança Festival Internacional, o importante agora é seguir repassando o trabalho do Mestre: “Ele era inspiração para tantas pessoas... A memória dele estará para sempre viva”.

Homenagens Com mais de 50 anos de carreira, o professor e coreógrafo foi tema do documentário Raimundos: Mestre King e as Figuras Masculinas da Dança na Bahia, lançado em 2016. “Precisávamos celebrar essas cinco décadas. Fiz um espetáculo chamado Raimundos, mas achava que ele poderia trazer mais um desdobramento. Falei então ‘vamos ao audiovisual’. E surgiu o doc. Não sou fã de homenagens póstumas, ele tinha que ser reconhecido em vida. Todos os mestres sempre falam dele, foram alunos dele. Reconhecer Mestre King é me reconhecer”, disse Bruno de Jesus, diretor da produção.

Em novembro do ano passado, a Funceb também reverenciou o baiano, batizando um dos seus espaços como Sala King. “O ambiente não tinha nome. E é um lugar que comporta várias atividades cênicas, exposições... Fizemos então uma cerimônia no dia 16 do mês, com a presença dele. Ele ficou feliz, disse que era importante receber uma homenagem como essa. E ainda falou: ‘acho que mereço isso’”, comentou Jacson, da Funceb.