CORREIO lista os 10 maiores atores e atrizes de teatro da Bahia

Crítico de teatro foi responsável por ranking que tem Rita Assemany na dianteira

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  • Da Redação

Publicado em 19 de agosto de 2019 às 19:36

- Atualizado há um ano

. Crédito: Fotos: Divulgação e Arquivo CORREIO

Crítico de teatro que já sofreu até ameaças por conta de suas análises – para alguns, pouco pacientes, para outros, muito rigorosas –, o escritor e poeta Henrique Wagner aceitou o desafio do CORREIO de listar, em ordem de importância e elegância, os 10 maiores atores e atrizes teatrais da Bahia.

A ocasião da provocação não poderia ser em dia diferente: hoje, 19 de agosto, Dia do Artista de Teatro. A intenção, claro, não é cometer injustiças (comuns numa análise subjetiva), mas, acima de tudo, homenagear algumas das principais estrelas que brilharam nos palcos baianos e fizeram o público aplaudir de pé.

Aqui, aliás, é o chão da primeira faculdade de teatro do país, a Escola de Teatro da Universidade Federal da Bahia (Ufba), criada em 1956 pelo magnífico reitor Edgard Santos. É ela também a primeira escola latino-americana a adotar o método Stanislavski de formação de atores, tendo como primeiro diretor o professor Martim Gonçalves, que dá nome ao teatro da instituição, no Canela.

Entre caneladas e bofetadas críticas, Henrique Wagner compôs sua lista de preferências com os devidos argumentos e justificativas, mas também com as devidas ressalvas. “Primeiro, comecei a assistir a peças de teatro no final da década de 1990, logo, atores de gerações anteriores não foram citados porque não foram vistos por mim, e não porque não são bons. Segundo: essa é uma lista de 10, e há 20 atores baianos talentosos. Talvez 30. Diversos ficaram de fora. Afinal, toda lista é injusta”, reforça Wagner, que também é crítico de cinema e de literatura e é autor dos livros de poesia 'A História Decalcada', 'O Grande Pássaro' e 'As Horas do Mundo', além do ensaio ‘A Linguagem como Estética do Pensamento’. 

Confira o top 10 comentado.

1. Rita Assemany Para a minha geração Assemany é a grande referência. É uma atriz que formou plateia e atores apenas atuando. Absoluto domínio dos espaços do palco, qualquer tipo de palco, distribui com toda perícia do mundo as vozes que um ator - ser humano - pode produzir. Sem o mínimo esforço aparente. Rita Assemany (Foto: Renato Santana/Divulgação) 2. Gideon Rosa Rosa é uma espécie de professor: em cena ele está sempre mostrando a seus pares o sentido de se fazer teatro ainda, depois de milênios de Arte da Ação. Sua formação em jornalismo faz com que ele reserve ao público a melhor leitura possível, mas nunca intelectualizada, desse ou daquele personagem, sempre compreendido por Rosa em toda a sua dimensão. A voz trabalhada de Gideon é quase um personagem a mais no palco. Gideon Rosa (Foto: Diney Araújo/Divulgação) 3. Wagner Moura Vi Wagner Moura pela primeira vez em cena na hoje lendária Sala Cinco. Moura atuava em um cordel ou auto - ou ambos - cujo nome não me ocorre. Ao lado da sumida - e muito talentosa - Rose Anias, Widoto Aquila e outros, ele já se destacava, fazia de qualquer lugar do "palco" o proscênio. Trata-se de um ator que tenta não ofuscar seus colegas de palco, mas em vão. Sua orientação naturalista evitou o overacting (novamente) trazendo de volta ao Brasil a escola de James Dean, Montgomery Clift e Marlon Brando, dentre outros. É ainda um ator que soube, e o Brasil inteiro testemunhou tal qualidade, se adequar perfeitamente bem às exigências da TV e cinema. Wagner Moura (Foto: Tiago Queiroz/AE) 4. Jackson Costa Quem vê Jackson Costa hoje recitando Castro Alves e Gregório de Mattos no espetáculo ambulante A Coisa - melhor nome não há para aquilo - não acredita que está diante de um grande ator. Fato é que o homem que parou o país na última cena da novela das 8 da Globo, Renascer, vivendo um padre em iminente apostasia, tem talento de sobra, aqui na Bahia mal aproveitado. Sua voz imponente e seu corpo movido por uma consciência extrema dos gestos possíveis fazem dele um ator necessário. Jackson Costa (Foto: Arisson Marinho/Arquivo CORREIO) 5. Marcelo Praddo A primeira palavra que me vem à cabeça quando penso em Marcelo Praddo é "versatilidade". Praddo é um excelente cantor e dança muito a contento. Mas é ainda mais ator, e vira um imenso elenco em monólogos - mesmo quando o texto e/ou a direção é de um Gil Vicente Tavares. Causou-me imensa comoção vê-lo apequenar-se para beneficiar seu companheiro de cena em peça escrita e dirigida por Luiz Marfuz por ocasião dos 30 anos de teatro do ator que se consagrou com A Bofetada. Praddo não salvou a peça - é ator, não demiurgo -, tampouco o ator Frank Menezes, que faz o mesmo personagem desde Téspis de Ática, mas erigiu, como sói acontecer, mais um personagem cheio de escaninhos e atributos, marcado pela generosidade do ator coadjuvante. Marcelo Praddo em cena com Carlos Betão (Foto: Carlos Barral/Divulgação)  6. Claudia di Moura Di Moura consegue, em sua arte superior, a façanha de tornar-se invisível em qualquer papel que faça. Esquece-se a atriz, vê-se apenas a persona, sempre. Empresta a seus personagens um cariz ou carácter marcado pela absoluta verossimilhança - não verdade, que teatro é arte, e arte tem de convencer, não revelar. Sua capacidade de ocultar o engenho de seu ofício e mostrar-se "fácil" em cena é raríssima, e essa raridade não é local. Jamais vi uma peça de teatro em que Di Moura coadjuvasse. Ela nos faz esquecer até o texto, por meio da minúcia de seus traços. Claudia di Moura (Foto: Dora Almeida/Divulgação) 7. Evelin Buchegger  Evelin é um assombro. Uma força bruta e moldada a um só tempo. A atriz sabe se equilibrar entre a natura e a cultura. Sua atuação é sempre viril, porque vinca. Sua voz preenche toda o ambiente com facilidade - sem esforço por parte da atriz. Exata, precisa, faz que a palavra silencie até o texto mais palavroso. Canta bem - faz parte de um grupo musical - e se estende fisicamente em cena com rara perícia. O domínio do ofício é absoluto e isso fica mais claro quando improvisa - parece ser esse um de seus principais prazeres. Da comédia ao drama, passa sem perder um passo, ainda que sapatos se percam pelo caminho. Evelin Buchegger com Bertrand Duarte (Foto: Divulgação) 8. José Carlos Júnior  Lembro do impacto que me causou Zé Carlos, como é conhecido no meio, em uma peça do Nelson Rodrigues dirigida por Paulo Cunha no Teatro Martim Gonçalves. Ele fazia um médico, mais especificamente um ginecologista, tresloucado e concupiscente. Zé Carlos tem um tipo físico exótico e, consciente, não abre mão de se beneficiar disso. Seus personagens comumente se tornam incomuns, e vão formando um panteão de tipos quase teratológicos, como a figura andrógina e imensa que fez sua aparição em recente peça de Fernando Guerreiro, De Um Tudo. Zé Carlos é, antes de tudo, um profissional. Discretissimo fora de cena - mal se ouve sua voz potente - , é um ator totalmente comprometido com a arte mimética acionada. Mas merece ser melhor tratado pelos donos do teatro baiano, que, a essa altura do campeonato, e num estado com a maior quantidade de negros do país, ainda perpetuam o racismo estrutural. José Carlos Júnior (Foto: Betto Jr/Arquivo CORREIO) 9. Aicha Marques Aicha me deixou quase sem fôlego com uma personagem do cinema mudo de uma premiada peça da Hebe Alves. Uma vez, nada mais foi fruto de anos de pesquisa de Hebe, Aicha e Maria Menezes, que se embrenharam no universo da linguagem, símbolos, movimento, estética em geral ligada à era do rádio e ao cinema mudo. Marques recebeu o merecido Braskem do ano pelo papel. Com Paulo Dourado, mostrou talento invulgar em meio à ideia tão fácil de recitar letras de canções da axé music em tom parnasiano. Aicha atuou bem na TV e só não funciona quando mal dirigida - Harildo Deda me mostrou isso ao montar Schnitzler na Sala do Coro. Aicha Marques (Foto: Divulgação) 10. Paulo Paiva Para alguns pode soar estranha a presença do diretor e dramaturgo Paulo Paiva numa lista de melhores atores. Mas só para alguns - aqueles que não o viram atuar. Paiva é um artista completo. Encenador, intelectual, um dos mais criativos artistas da Bahia, cenógrafo, maquiador, figurinista e ator, sim senhor. Bastaria assistir a Uma Farsa Áspera, peça dirigida por Tonny Ferreira a partir de texto de Beckett, uma das paixões de Paiva, que fez um dos dois personagens perdidos em escombros de uma velha construção. A peça é de Paiva. Seu colega de palco, o jovem Wendel Damasceno, foi pisoteado pela gigante presença beckettiana do experiente ator de múltiplos talentos. O único defeito de Paiva, imperdoável, é atuar pouco. Poucos tiveram o privilégio de vê-lo no palco. Paulo Paiva (Foto: Divulgação)