Criações do Afro Fashion Day valorizam reuso e sustentabilidade

Estilistas encararam desafio de produzir peças versáteis com fantasias de blocos afro

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  • Da Redação

Publicado em 8 de dezembro de 2019 às 06:15

- Atualizado há um ano

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Todo ano milhares de fantasias e abadás colorem as ruas e avenidas de Salvador durante o Carnaval. Mas você já parou para pensar o que acontece com cada uma das peças produzidas somente para o uso de um ou dois dias? “O Carnaval é um dos piores momentos da indústria têxtil, no quesito impacto para o meio ambiente. Se produz muito tecido, e a maior parte dele vai para o lixo logo em seguida. Os aterros sanitários recebem toneladas de material”, alerta a estilista Luciana Galeão.  Especialista em soluções sustentáveis para resíduos sólidos recicláveis, Galeão desenvolve há mais de 20 anos criações com matérias primas alternativas, como banners, plásticos e tecidos higienizados. Para ela, já passou da hora de a sociedade e o poder público repensarem o descarte de tanto tecido produzido nessa época do ano. Uma provocação importante nesse sentido foi vista no último dia 30, durante o Afro Fashion Day, realizado pelo CORREIO, no Terreiro de Jesus. Em sua quinta edição, o evento homenageou seis blocos afro de Salvador, que cederam fantasias de antigos carnavais para estilistas e designers de acessórios criarem peças originais para o desfile. (Foto: Florian Boccia/ Divulgação) Filhos de Gandhy, Cortejo Afro, Malê Debalê, Muzenza, Olodum e Ilê Aiyê tiveram suas histórias recontadas em coletes, vestidos, macacões, saias, chapéus, bolsas, brincos e colares assinados por marcas baianas. Cada bloco ganhou um momento específico na passarela, o que acabou destacando a identidade visual que os diferencia ano a ano na Avenida. E assim como lá, a trama de desenhos, cores e grafismos seguiu contando histórias de África, Brasil e Bahia.

Origens  Na história das diásporas africanas, os tecidos coloridos  e estampados foram um dos elementos de identificação de grupos que, obrigados a cruzar o Atlântico nos navios negreiros, tinham neles uma possibilidade de reencontro. Responsável pela concepção artística do Cortejo Afro há mais de 20 anos, Alberto Pitta lembra como os blocos começaram a lançar moda no Carnaval em meados dos anos 70.  “No início, os blocos escolhiam homenagear países africanos que alcançavam a independência, e pegavam elementos, máscaras, símbolos. Eu sempre fiz diferente, sempre fiz releituras. Daí também vem o princípio do que se entende por estampas baianas e africanas. O que eu fazia era daqui, a minha compreensão sobre orixás, adereços, instrumentos”, destaca Pitta. Para o estilista francês Marc Bell, que criou peças em homenagem ao Malê Debalê, o fato de os tecidos dos blocos já contarem histórias por si próprios rendeu um desafio a mais.  Estilista francês Marc Bell posa com sobras de tecido que carrega na bolsa  (Foto: Florian Boccia/ Divulgação) “Quis representar através de um conjunto unissex branco, acompanhado de um colete colorido com estampas do bloco, a luta pela sobrevivência dos negros no Brasil. Nessa luta, as origens étnicas nunca são esquecidas, e o tecido que recebi já manifestava isso”, destaca Bell, que já costuma reaproveitar sobra de tecidos em suas produções. No dia do Afro Fashion Day, ele estava com alguns deles na bolsa. É que é assim: por onde passa, segue atento ao que pode aproveitar em seu trabalho, e o que puder, compra.   “A gente tem que criar uma economia sustentável. Somos a nova geração de empreendedores, que a partir dos pontos fracos da área da moda, tentamos inovar, criar e converter esse setor que gasta muita energia, muita água, em algo sustentável”, argumenta. Looks de Marc Bell, em homenagem ao Malê Debalê (Foto: Florian Boccia/ Divulgação) A defesa é a mesma da pesquisadora da Ufba Gina Reis, para quem a sustentabilidade e o reuso não são apenas tendências, mas vieram para ficar.  “O consumo dos jovens  vem se modificando bastante, mesmo porque eles estão crescendo em um contexto social e cultural onde há umaconsciência muito maior. Eles não querem mais comprar a blusa sem saber como foi feita. Prova disso é a falência de famosas marcas fast fashion. Agora existe o movimento do slow fashion, que é a produção que não preza pela quantidade, que está preocupada com a durabilidade e a sustentabilidade da produção”, diferencia Reis.

Futuro A indústria da moda é uma das maiores e mais lucrativas do mundo. É também uma das que mais polui - perde apenas para a de petróleo e gás. A transformação daquilo que ia para o lixo em peças novas e originais é conhecida como “upcycling”, que apesar do nome difícil, nada mais é que o reaproveitamento de objetos e materiais para criar novos itens, muitas vezes com funções diferentes, mas sem alterar as principais características do objeto original.  No caso da moda, especificamente, é a arte de fazer uma calça virar um vestido, por exemplo, ou pegar retalhos e restos de matérias-primas (como aviamentos) de confecções e indústrias têxteis e produzir roupas. O processo é um pouco diferente da reciclagem tradicional, mas tem a mesma intenção: ajudar a prolongar a vida útil dos recursos. Looks em homenagem ao Cortejo Afro e ao Olodum (Foto: Divulgação/ Florian Boccia) Como provado na passarela do Afro Fashion Day, engana-se quem pensa que a única opção de trabalho com sobras de tecido é a confecção de mosaicos (através da conhecida técnica de patchwork) ou de produtos artesanais. Criatividade e versatilidade marcaram os looks, principalmente aqueles que homenagearam o Ilê Aiyê, vistos no último ato do desfile. Isso porque o bloco é um dos que investem em fantasias de algodão e em longas metragens de tecido. “É realmente uma potencialidade para o estilista, porque quanto mais retalhada for essa sobra, mais limitações ele tem para criar. O que eu acho potencialmente instigante é a partir desses retalhos construir algo que seja realmente belo, no sentido de agradável a quem olha, a quem vê, a quem usa. É um desafio, inclusive para fugir da mesmice“, acredita a pesquisadora Gina Reis. Estilista Regina Navarro estreou no Afro Fashion Day reaproveitando tecidos em roupas que homenagearam o Cortejo Afro (Foto: Sércio Freitas/ Divulgação) Além dos estilistas, grandes e pequenas marcas têm se comprometido em descartar corretamente os resíduos que produz. Regina Navarro Bella Oyá, uma das marcas estreantes do Afro Fashion Day, destina as sobras dos tecidos africanos com que trabalha a cooperativa de artesãos. “O que sobra do meu produto vai para outras pessoas, então é todo um ciclo. A ideia é preservar o meio-ambiente, agregar valor a outros produtos, e fazer com que as pessoas enxerguem por trás de cada tecido africano a história que eles contam”, afirma.

O Afro Fashion Day é uma realização do jornal Correio, com o patrocínio do Salvador Shopping, apoio institucional da Saltur, Vem Pro Centro, Pelourinho Dia & Noite e Prefeitura Municipal de Salvador, apoio Instituto ACM e Salvador Bahia Airport e parceria Sebrae, Melissa, Vizzano, Imaginarte, A3 Print e Mariposa Pelourinho.

MARCAS DE ROUPA 1 Abanto 2 Adriana Meira Atelier 3 Ateliê CasaLinda 4 Black Atitude 5 Cantuai   6CP2P 7 Cynd Biquíni 8 Closet Clothing 9 Com Amor, Dora 10 Costa Ribeiro 11 Crioula 12 Filipe Dias 13 Goya Lopes 14 Incid 15 Jeanne Gubert 16 Jeferson Ribeiro 17 João Damapejú 18 Katuka Africanidades 19 Lú Samarato 20 Marc Bell 21 MB Conceito 22 Meninos Reis 23 Mônica Anjos 24 N Black 25 Negrif 26 Porto de Biquíni 27 Realeza 28 Regina Navarro Bella Oyá 29 Rey Vilas Boas 30 Silverino Ojú 31 Soudam 32 Soul Dila

MARCAS DE ACESSÓRIOS1 Ateliê 2 Boutique Negralá 3By Aninha 4Kelba Deluxe 5 La Abuela 6 Maria Coruja Ateliê 7 Outerelas 8 Preta Brasil 9 Sonbrille 10 Sou Diva, Tá Bom Pra Você 11 Wari 12 Ziê