'Criança viada' ganha novo significado por parte de adultos gays

Expressão viralizou na internet e celebra infância genuína e espontânea

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  • Da Redação

Publicado em 14 de maio de 2018 às 06:19

- Atualizado há um ano

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Tudo começou como uma brincadeira nas redes sociais. A missão: recuperar uma foto da infância para trocar a imagem de perfil no Facebook, no Dia das Crianças. Dos álbuns e arquivos digitais, surgiram então fotos de meninos e meninas “dando close”, em poses originais e cheias de atitude. Depois disso, muitos desses registros foram parar em um Tumblr, o Criança Viada.

“Eu só comecei a ter uma noção de construção a respeito de que eu fui uma criança viada a partir daí. Minha surpresa foi grande ao ver a quantidade de crianças que passaram pela mesma experiência”, diz o produtor cultural Caio Cruz, 26 anos.

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E que experiência é essa afinal? A de crianças que fogem dos estereótipos e dos papéis de gênero. A reboque do sucesso do Tumblr, surgido em 2012, vieram os questionamentos. “Você não acha meio de mau gosto em falar de criança viada?” foi a pergunta mais ouvida por Iran Giusti, o criador da página. Para ele, não há nada de mau gosto e a expressão se configura como uma celebração à infância genuína e espontânea.  O jornalista Bruno Costa acredita que a expressão "criança viada" celebra espontaneidade da infância (Foto: Acervo Pessoal | Arte: Luiza Formagin/ Vice) A opinião é reforçada pelo jornalista Bruno Costa. Ano passado, ele escreveu um texto para a revista Vice contando sobre sua experiência enquanto criança viada, que também foi ressignificada a partir do Tumblr. No relato, ele lembra como era aguardado nas festinhas dos amigos. "Coloca Xuxa que o Bruninho chegou", diziam, já que era ele quem sabia todas as letras e coreografias da Rainha dos Baixinhos. "O que é comum pras pessoas LGBT é que desde crianças elas tinham essa percepção, elas eram apontadas por terem esse jeito. Na época, a gente não entendia porque, porque a forma pejorativa, ofensiva, vinha dos adultos ou das crianças mais velhas. Acho que a expressão 'criança viada' exalta o lado bom da criança, o que há de espontâneo, verdadeiro. Não tem nada a ver com orientação sexual", defende. O ator Vinicius Bustani (à esquerda), ao lado do irmão; até o fim do mês, ele apresenta o espetáculo Criança Viada ou De Como Me Disseram Que Eu Era Gay no Gamboa Nova (Foto: Acervo Pessoal) Em cartaz no Teatro Gamboa Nova nos domingos de maio, às 17h, com a peça Criança Viada ou De Como Me Disseram Que Eu Era Gay, o ator Vinicius Bustani acredita no poder de ressignificação da expressão e ressalta: “O título grande [da peça] não é por acaso. É uma explicação, não é apologia a nada. Afinal, não sou eu me afirmando, mas é como me comunicaram sobre a minha sexualidade quando eu ainda nem pensava sobre ela”.

Foi depois de assistir ao espetáculo que o também jornalista Salvatore Carrozzo, 36 anos, decidiu contar sua experiência como "criança viada", reprimida tanto na escola quanto na família. "Escrevi um texto e joguei no grupo do Whatsapp da época de colégio, que tem muitos ex-alunos, hoje pais. A peça me remeteu à minha infância, porque o que a criança quer é ser livre para brincar, para experimentar, e o que eu sentia eram minhas vontades podadas, tolhidas pelos adultos a todo momento", comenta.

Existe mesmo brincadeira "de menino" e "de menina"? 

Além de ser censurado pelo "jeito", Carrozzo também era proibido de brincar com certos objetos e jogos. "Cheguei a ter alguns brinquedos indicados a meninas quando eu tinha uns cinco, seis anos de idade. Nessa época, levei um urso rosa gigante para uma festa da escola. Acho que a criança quando muito pequena não liga muito, não entende esses códigos. Ela só vê que é bonito, pela forma, pelas cores. Depois, ela começa a ser ensinada a que isso é de menino ou de menina. Se meu amigo é menino e brinca com coisa de menina, ele é viado. É aí que começa o bullying", diz.

A historiadora Raíza Canuta, 30 anos, que desde a infância era apontada como uma “moleque macho” prefere usar o termo com o qual sempre foi identificada pelos outros. “Se é para me afirmar como sujeito político, eu prefiro não usar a criança viada, mas usar o ‘moleque macho’ mesmo, que é a forma como toda vida eu fui encarada”, afirma.

Para o psicólogo Gilmaro Nogueira, 43, “o termo criança viada é empoderador”,e pondera: "Adoraria que a sociedade não rotulasse crianças, nem usassem as identidades de determinados sujeitos para injuriá-las ou diminuí-las”.