Crise nas lotéricas: 32 estabelecimentos foram fechados em 2016, diz entidade do setor

Em todo o país, foram 500 unidades que encerraram as atividades

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  • Juliana Montanha

Publicado em 22 de abril de 2017 às 05:22

- Atualizado há um ano

Hoje é dia de agências lotéricas cheias, graças a apostadores que enfrentarão filas para escolher os seis números que podem render o prêmio acumulado de R$ 88 milhões na Mega-Sena. Apesar do movimento e de lidar com dois produtos de alto poder de fidelização – o sonho e o jogo – o setor vivencia uma grande crise. Segundo a Associação dos Lotéricos (ALSPI), a partir de informações recebidas da Caixa Econômica Federal, 32 lotéricas fecharam as portas na Bahia apenas no ano passado. O principal motivo, ainda de acordo com a entidade, foi a defasagem dos repasses recebidos do banco. No Brasil, o número de estabelecimentos encerrados chega a 500.

“Estamos há 15 anos recebendo reajustes muito abaixo do valor da inflação. A Caixa demora até 20 meses para corrigir os repasses e quando faz é sempre muito abaixo do esperado”, pontua Adriana Domingues, diretora de Comunicação da ALSPI.

Ela calcula que no período entre 2004 e 2016, o salário mínimo aumentou 238% e esse custo foi assumido pelos empresários lotéricos. “Os repasses da Caixa, no entanto, variavam 129%, um valor 84% menor”, reforça.  As agências lotéricas, segundo a ALSPI, realizam  66% das transações do banco.A Caixa Econômica Federal se defende. Em nota enviada ao CORREIO, o banco afirma que os reajustes são efetuados periodicamente. “Os últimos ocorreram em junho e julho de 2016, quando as tarifas foram atualizadas, em média, 13,17% e os adicionais remuneratórios, que incluem os adicionais de segurança e de custeio com transporte de valores, em 10,43%”, informa.

O banco também discorda da associação quando o assunto é o número de unidades fechadas no país. Segundo a Caixa, em 2016 foram encerradas 215 e abertas 70  loterias em todo o Brasil, de um total de 13 mil estabelecimentos. Quanto às agências fechadas na Bahia, o banco afirma que não possui a informação regionalizada. A Bahia possui  cerca de 800 casas lotéricas. Empresário lotérico Gilberto Cedraz fechou dois estabelecimentos nos últimos quatro anos (Foto: Almiro Lopes/CORREIO)

Repasse insuficienteA ALSPI confirma a atualização dos repasses, mas reforça que os valores continuam defasados.  “Os boletos de outros bancos ficaram sem reajuste por cinco anos e, só foram atualizados, em julho de 2016, depois que realizamos uma audiência pública em protesto sobre a questão”, rebate a presidente da ALSPI.

Segundo Adriana, a Caixa já tinha conseguido da Federação Brasileira de Bancos (Febraban) reajuste para este tipo de cobrança desde janeiro, mas o  valor só foi atualizado para os lotéricos depois de cinco meses.O presidente do Sindicato dos Lotéricos Assemelhados e Correspondentes Bancários da Bahia (Sinloba), Ronaldo Matteoni, confirma que as lotéricas têm fechado as portas por conta das dificuldades financeiras, mas pontua que é difícil ter um número preciso. “Hoje temos em Salvador quatro loterias fechadas, mas não sabemos indicar em quais localidades”, afirma.

Na avaliação de Matteoni, a Caixa deveria fazer um estudo de viabilidade econômica das loterias. “Ela precisa ajustar os repasses aos valores necessários para que as lotéricas funcionem bem ou elas continuarão quebrando”, avisa.  Desequilíbrio financeiro

Atuando na área há 34 anos, o empresário lotérico Gilberto Cedraz reforça que as lotéricas estão sofrendo por desequilíbrios econômicos desde 2012, motivo que o fez fechar as portas de dois estabelecimentos que possuía.A primeira loteria funcionava no bairro de Brotas e foi fechada ainda em 2013. “A Caixa impõe que a gente faça várias reformas na estrutura das loterias, mas nós não temos crescimento de receita proporcional”, diz Cedraz, que pontua ainda que o banco falha na divulgação das agências lotéricas como um lugar para realizar pagamentos.

"Algumas contas funcionam como chamarizes de clientes porque todo mundo paga. Uma conta de luz que um consumidor vá até a lotérica para pagar já abre uma chance para que a pessoa utilize outros serviços, como fazer jogos, por exemplo”, lembra.Cedraz diz ainda que os aluguéis do carro-forte e dos espaços onde funcionam as lotéricas chegam a ter aumentos de 30% de um ano para outro. “Não temos controle sobre isso. Sofro psicologicamente com a minha luta para salvar as minhas lotéricas e as dos outros”, desabafa.  A segunda baixa nos negócios do empresário aconteceu em janeiro do ano passado, quando Cedraz não viu outra saída senão fechar a outra  lotérica. “Houve um aumento de 300% no seguro da loteria do Bonfim e eu não tive como renovar o pedido com a Caixa”, lembra. A unidade funcionava no posto Menor Preço do bairro.

Em nota, a Caixa disse ainda que mantém diálogo permanente com os empresários lotéricos, no intuito de atender e ou buscar soluções alternativas que favoreçam a sustentabilidade da rede.O empresário, no entanto, contradiz esse discurso. “Eu e muitos outros lotéricos sofremos com a prevaricação de funcionários da Caixa. Várias vezes mandamos e-mails e ofícios pedindo ajuda para todos os funcionários que têm autonomia lá dentro, mas ninguém se dispôs a ajudar para salvar e melhorar a condição das lotéricas”, desabafa.