Crônica: A armadilha do trocadilho

O Peru teve uma noite de gala. Lá vem...

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  • Gabriel Galo

Publicado em 4 de julho de 2019 às 09:35

- Atualizado há um ano

. Crédito: Raul Arboleda / AFP

Percebam vocês a dificuldade que é a vida do cronista.

Recebo mensagem do editor falando para evitar os trocadilhos no texto sobre a semifinal da Copa América entre o Chile e o Peru.

Por óbvio, não há relação com o Chile. Ora, claro que não. É sobre a quinta série que habita em todos nós quando vemos o Peru em ação. Ui.

Aí o que me fazem os bravos peruanos. Sapecam 3 a 0 num Chile que entrou em campo já pensando na final, dando o jogo como favas contadas. Peru que passou em terceiro, tendo sido impiedosamente goleado pelo Brasil pouco antes.

Aí, me deem um abraço virtual e aceitem a lamúria. Porque para onde se olha, um trocadilho salta rindo da minha cara.

Se eu disser que o Peru cresceu na hora certa, por exemplo. É fato. Mas…

Ou se eu sacramentar que o Peru, dada a fase de classificação cambaleante, mostrou-se um adversário mais duro que o esperado? Fato. Mas…

Poderia fazer projeções sobre o comportamento da Seleção Brasileira na final. Vai pra cima ou garante a retaguarda contra o Peru? É justo. Mas…

Alguns mais exaltados querem voltar no tempo, desenhando comparações com o time de Cubillas nos anos 70 e começo dos anos 80. E se perguntam: qual o tamanho desse Peru? Mesas redondas em Lima podem se refestelar nesse debate, mas…

É comum, também, dizer que um time é do astro maior, ou do tema de um artigo. Em 62, tivemos o Brasil de Garrincha. Em 58, o Brasil de Pelé. Em 94, o Brasil de Romário. Fala-se tanto do Brasil de Tite. E faz sentido avaliar a subida do Peru de Guerrero, mas…

Amantes apaixonados do futebol se esbaldam ao ver o joga-bonito de times aqui e alhures. Quando os andinos jogam bem, diriam que é bonito ver esse Peru? Ah, não…

Algumas construções comuns nos textos tradicionais se perdem.

Dizer que o Peru meteu 3 não é de bom tom.

Willian está machucado, mas o Peru chega inteiro na final. Corta.

E já que estamos nessa onda e agora Inês é morta, tenho muitas dúvidas mais.

O jogo do Peru é melhor quando tem preliminar?

Sobre o Gareca e seu bom trabalho, é possível dizer que ele tem o Peru nas mãos?

Se o Peru dá mole durante um jogo, os jogadores dão entrevista dizendo que “isso nunca me aconteceu antes?”

Pronto. Tenho 11 anos novamente, respondendo à chamada da tia Soraia. Acho que nunca na verdade crescemos tanto assim. Esse negócio de maturidade talvez seja um pouco sobrevalorizado. Ou não. Enfim.

Tome aí, editor. Deu ruim. Desculpa.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.