Crônica: A volta do drible

A diferença de quando o Brasil se assume como Brasil é ver o drible em campo

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  • Gabriel Galo

Publicado em 23 de junho de 2019 às 21:33

- Atualizado há um ano

. Crédito: Lucas Figueiredo/ CBF/ Divulgação

Quando Garrincha fazia que ia, não ia, e ia parecendo desistia, o Brasil inteiro sorria. Os Joões da lateral esquerda adversária aos tropicões eram o deleite do menino que tinha tudo para não ser jogador de futebol, mas foi.

Quando Pelé enfileirava adversários com suas assadas largas e bola sempre sob controle, o mundo inteiro sorria. Os cinturas-duras apelavam a pontapés, único meio de parar o maior de todos.

Quando Ronaldo deu a volta por cima e faturou seu mundial, o planeta se abismou. A sequência de cirurgias nos joelhos seriam ponto final de carreira, mas o cabelo-Cascão fez renascer o jovem fenômeno de apenas 25 anos ao auge.

A essência do futebol brasileiro está aí. O drible é a gambiarra do futebol. E ninguém melhor que o Brasil para se especializar na matéria, ases que somos na arte do armengado. Contra o Peru, depois de um período longo de seca criativa, a Seleção voltou a fazer sorrir. Os pontas, em vez de retornar ao meio, buscavam a linha de fundo como se gol fosse. Os meias se aproximavam de frente, levando a bola de cabeça erguida e consciência.

A goleada categórica é instrumento de restauração da boa vontade com o povo que se acostumou a vaiar o escrete canarinho em campo. É alavanca da empolgação em uma Copa América que não desperta grandes adesões.

Não será, decerto, a passagem definitiva da desconfiança à aliança. Esta última requer trabalho de longo prazo, que pode grudar em definitivo com um eventual título daqui a duas semanas.

Enquanto isso, é fundamental entender que a volta do drible, e com ele o sorriso, indica que há um caminho, que há uma possibilidade.

Há de se respeitar o fato de que futebol é entretenimento, é diversão. É o abuso em forma de um toque por entre as pernas. Na molecagem boleira com traves de chinelos e tijolos, o drible era até mais importante que o gol. Melhor que a artilharia, era a carimbada quase humilhante da superioridade técnica que provoca encantamento.

Temos, assim, que grande vencedor não no placar dilatado em São Paulo não foi Tite, nem o individual, nem o coletivo. Não tem a ver com pessoas, mas sim como o futebol em conceito.

Está em questão a arte que não cessa, a malandragem que quebra linhas defensivas. Está em análise a retomada do futebol brasileiro de raiz, que zomba na cara do enfadonho tatiquês e faz do imprevisível sua arma letal.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.