Crônica: Com o selo Reginaldo Holyfield de saudosismo

O empate entre Uruguai e Japão foi jogo franco e seria aprovado no critério da lenda do boxe baiano

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  • Gabriel Galo

Publicado em 21 de junho de 2019 às 16:34

- Atualizado há um ano

. Crédito: Carl de Souza / AFP

Muitas são as vertentes de repúdio ao chamado futebol moderno. E eu compreendo este desconforto. A tática rígida, o fim do drible. A letra quem deu há muito tempo foi a dupla Antônio Carlos & Jocafi, em canção profética escrita para Tite:

“Se o quadradismo dos meus versos Vai de encontro aos intelectos Que não usam o coração com expressão”

Está aí a resenha que martela o juízo do futebol moderno. Obliterou-se o coração, a alma aberta em defesas escancaradas e lances mágicos perpetrados apenas pela magnificência estética. Aquela coisa do tempo que se amarrava cachorro com linguiça. Período mais puro, mais lúdico, mais livre.

“Ora, criatura! E o que Reginaldo Holyfield tem a ver com isso?”

Calma, minha comadre, que tudo se conecta.

Disse certa feita o artífice boxéu (lê-se bóqui-céu, informação fonética fundamental para os que não tiveram o privilégio de saber das coisas da Bahia) em entrevista a João Galdea, que reportou em crônica no nosso Correio, sobre o Carnaval da Bahia de antanho. Às aspas:

“No Carnaval sempre teve briga, aquela coisa gostosa de sair na mão um com o outro.”

Ah, o saudosismo dos áureos tempos da aurora das nossas vidas!

Tal qual uma luta entre os arquirrivais Holyfield e Todo Duro, Uruguai e Japão protagonizaram a boa e velha trocação de soco na muqueta. Era jogo franco, aberto, sem muita defesa. Lá e cá. Eram jabs e cruzados e ganchos e diretos e até um golpe baixo no pênalti que o VAR chamou.

Fez sorrir os amantes do futebol alegre, o futebol menino, o futebol que não garra tática e se farta no dibre.

Eis, pois, que o futebol é artimanha que gera túneis do tempo na jovialidade da geração japonesa e na letalidade da dupla de ataque uruguaia. Que se vangloria na combinação improvável de um asiático a disputar a Copa América. Que estimula a fantasia e cai pa mão sem medo.

E ri, poderoso, na cara dos que dizem que foi vencida a arte em detrimento do business. Qual o quê! Ao se ver tão afrontado, se planta e convida:

“Vem tranquilo, irmão. Vem tranquilo.”

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.