Crônica do dia: A Copa do Mundo e o potencial à eternidade

Não é apenas o último jogo que vale

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  • Gabriel Galo

Publicado em 4 de julho de 2018 às 14:00

- Atualizado há um ano

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Não são apenas os gols, as finais e os títulos que entram para a história de uma Copa do Mundo. Muitas vezes, são até secundários na contação de história. Quer exemplos?

Em 1954, a Alemanha foi campeã em casa numa virada espetacular contra a Hungria de Puskás. Você certamente lembra do craque húngaro. Seguramente sabe o quanto aquela Hungria fazia do futebol uma arte, mas dificilmente conseguirá dizer um nome sequer dos alemães. Repeteco em 1974, quando a Holanda de Cruijff e o futebol total de Rinus Michels foram batidos pela organizada esquadra germânica.

Em 1966, a Inglaterra conquistou seu único título numa final com erros de arbitragem. Foi a única ocasião em que um jogador fez 3 gols numa final de Copa… Mas lembramos mais de Eusébio e da quase eliminação de Portugal pela Coreia do Norte, que virou para cima dos asiáticos depois de saírem perdendo por 3x0.

Dentre os grandes lances da esplêndida Copa de 70? O gol que Pelé não fez, o outro gol que Pelé não fez, o terceiro gol que Pelé não fez. Nesta Copa também se eternizou Beckenbauer e sua tipoia que imobilizava o ombro deslocado na semifinal contra a Itália. Dizem que o 4x3 entre alemães e italianos foi tão espetacular que presos escaparam de uma delegacia porque os guardas estavam distraídos assistindo ao jogo. Pense!

A final de 78 tinha holandês com braço engessado. Este caso atrasou o início do jogo, porque os argentinos, catimbeiros, estavam preocupados com a segurança (deles próprios, por conta da dureza da proteção). A solução? Molhar o gesso até ficar maleável… Ainda em 78, todos lembramos do placar da Argentina contra o Peru, mas poucos sabem quanto foi a final.

O lance mais conhecido da final de 94 é o pênalti perdido de Baggio. Ou seria o Galvão segurando Pelé pelo pescoço, gritando ‘‘É TETRA!", enquanto pulavam descontrolados? Ou Bebeto e o nana-nenê contra a Holanda? Nesta mesma Copa, destacou-se também a comemoração de Yekini, mais mágica que o gol e que o 3x0, placar de que poucos se recordam. Contra quem mesmo? E importa? Que falar, então, da enfermeira conduzindo Maradona pela mão no jogo contra a Grécia, naquele que seria seu deprimente ocaso num Mundial?

Em termos de botinagem, a cabeçada de Zidane em 2006 se tornou o maior highlight daquela edição. Já em 2010, como esquecer De Jong e sua voadora no peito de Xabi Alonso em plena final? Ou, voltando a 94, da cotovelada de Leonardo em Tab Ramos que quase aniquila a carreira do americano? Ou, mais ainda, qual o tamanho da capacidade geradora de piadas que a mordida de Luis Suarez provocou no embate contra a Itália em 2014? E já que falamos do craque uruguaio, há dúvida que sua defesa no último minuto contra Gana foi o maior momento da Copa de 2010?

Em 98, o trauma brasileiro vem menos pelos gols franceses e mais pela dúvida com relação à convulsão de Ronaldo. E Leônidas, em 38, que não jogou a semifinal por estar totalmente desgastado, mas vingou a ideia absurda de que estava sendo poupado para a final?

Ninguém se lembra da comemoração dos uruguaios em 50, apenas do Maracanazo, do chute de Ghigghia, do calvário de Barbosa e do silêncio sepulcral de mais de 200 mil testemunhas daquela que foi a maior catástrofe tupiniquim até 2014. Aliás, na Copa da terceira final entre Alemanha e Argentina, aqui do nosso lado ecoa somente a voz mortificante dos 7x1.

A história é escrita por linhas tortuosas e mais sambaleantes que um drible de Ronaldinho Gaúcho. Vai saber quando o sobrenatural desce à Terra para contar em verso e prosa o que o surreal determinou. O Mundial constrói e destrói mitos. Um esforço contínuo. Jogos demais, seleções demais, jogadores demais, torcedores e envolvidos demais para que reduzamos a um momento, a uma partida. Não é apenas o último jogo que vale. Em muitos casos, sequer é o mais importante. Todo quase-ninguém vs sem-importância tem potencial à eternidade. Na dúvida, veja-se tudo, saboreie-se tudo. Sem moderação.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo.