Crônica: Mitologia Méssica

Derrota na estreia da Argentina e aquela questão volta a assolar: Por quê Messi não consegue repetir as atuações do Barcelona com a camisa alviceleste?

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  • Gabriel Galo

Publicado em 16 de junho de 2019 às 17:37

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor/CORREIO

Diz-se que assim se formou a lenda.

No além-mundo de há muito tempo, firmou-se o pacto que de tempos em tempos um deus-humano desceria em meios aos mortais para que elevasse a palavra do ludopédio.

O caminho bifurca nas possibilidades de acerto entre o real e o divino. No que de cima para baixo, um deus assumirá a condição de mero mortal, ocupando o corpo de um humano e fazendo-se acima pelo talento superior, mas suscetível às fraquezas dos comuns; já no que de baixo para cima, tal qual a Robert Johnson na encruzilhada, o mortal negocia com os superiores poderes extraterrenos, dando em troca um preço talvez caro demais.

Está na direção do acordo que, cada qual ao seu encaixe, Messi e Maradona se criaram como expoentes do futebol argentino.

Maradona, como pressupõe a lenda, é deus caído, tentado pelos prazeres da carne. Nas costas, carregou as glórias máximas da nação.

Já Messi, pois, alinhavou acordo de baixo para cima.

Contam os pergaminhos da reunião que sacramentou o aperto de mãos, que os deuses, supremos na benevolência da capacidade que destacaria o pulga, exigiram tão somente uma condição. Em tinta de pena lia-se:

“Em cortesia pela assinatura do contrato ora acertado entre as partes, dar-se-á ao diminuto Pulga o ápice da qualidade boleira, deste e de qualquer mundo. Será superior em foco, em obstinação, em físico inquebrável, e acima de tudo, habilidade na sacrossanta perna esquerda, que reinará sobre todos como nunca antes visto. Assegurar-se-á glórias infinitas e exaltações sem contenção. Porém, ai porém, limitar-se-á os louros da glória ao campo clubístico. Jaz aqui nossa única condição, sem letras miúdas ou vernáculo de complicada compreensão. Apesar de todos os festejos no time pelo qual escolher jogar, no âmbito da seleção nacional viverá seu calvário do quase. Finalista será o máximo a alcançar, limitado que será por planteis questionáveis, técnicos incapacitados e oponentes duros demais. Isto poderá ocasionar questionamentos em sua própria terra, sendo que, mesmo extraterreno para o resto do mundo, aos seus ficará sempre um passo abaixo do deus maior.”

Lionel Messi, ambicioso, hesitou na assinatura em sangue do pacto.

Não está claro, todavia, se à firma reconhecida há alternativa escondida nas entrelinhas. Talvez se dobrar o papel em sentido longitudinal, cortando o papel em terço, as palavras se reorganizem para atribuir novo significado que ofereça saída.

Ainda assim, não devemos questionar a sapiência dos deuses do ludopédio. Descumprir o verbete é eliminar os beneplácitos que transformaram o barba ruiva numa espécie de sobre-humano vagando sobre a Terra. Levantar taça com a albiceleste, pois, é ver-se demasiado humano, qual Sansão sem cabelos. Seria um mais, com larga história, mas renegado ao purgatório dos medíocres.

E neste impasse, entre o máximo possível de sua glória, a pessoal ou a da nação, que a Mitologia Méssica cresce. Acaba por elevar a fila dos argentinos, condenando o craque-maior a sucumbir diante da inevitável sanha dos deuses, que não aceitam rompimento unilateral. Muito menos na Salvador da Baía de Todos os Santos, sob a proteção e vigilância dos orixás.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.