Crônica: O abismo entre nós

Mais uma vez vaiada, a Seleção se classifica à semifinal da Copa América nos pênaltis

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  • Gabriel Galo

Publicado em 28 de junho de 2019 às 14:20

- Atualizado há um ano

. Crédito: Raul Arboleda/ AFP

Está nítido, evidente: a Copa América não empolga.

E olhe que é impossível se dizer que não se tem tentado. Todos tentam, exceto um grupo: a Seleção Brasileira.

Na semana em que Daniel Alves veio dizer o quanto a torcida teria que apoiar para que eles jogassem, nós, torcedores, temos que bater o pé. Não, Daniel. Não mesmo.

A política de ingressos afasta os torcedores das arquibancadas. Mesmo em mata-mata, como foi o caso de ontem na Arena do Grêmio, muitos lugares vazios. Culpa, por supuesto, da precificação infame que a Conmebol adotou para a competição. Em meio à crise, a extorsão. Este ingresso eu não pago.

Quem topou torrar um pedaço significativo do soldo para ir ao campo de jogo, claro, tem expectativas. Quer ver o espetáculo, não jogadores que querem carinhos imerecidos e reconhecimento pelo “esforço”. Ora, por favor!

Insinuar que o que se vê em campo é reflexo do que se vê na arquibancada não é apenas uma falácia do ponto de vista lógico, mas um despautério com o torcedor. Porque ir ao estádio é trabalhoso. Ficar em casa na TV é muito mais fácil.

Daí o torcedor que compra um ingresso a um custo exorbitante em plena recessão e se enche de dificuldades para seguir ao estádio, agora tem que ser babá de milionário?

Mas quá!

Pois o efeito é exatamente o contrário do que se apregoa. O que se vê na arquibancada é reflexo do que se vê em campo.

Aliás, temos que acabar com a romantização do sofrimento, aquela que exalta o torcedor que acompanha e apoia mesmo nos momentos mais difíceis, contra tudo e todos. Exigir martírio alheio é irresponsabilidade. É, sobretudo, covardia.

Vocês são a Seleção Brasileira, caspita. São cinco estrelas sobre o distintivo da CBF. Nenhum deles, aliás, conquistado por este grupo. Existe uma história que cria a aura de um escrete sempre temido. Existe uma força exalada na canarinho que faz tremer as pernas dos adversários.

Só que ao fazer beicinho de “me ame, senão eu choro”, apenas se contribui para aumentar este abismo que hoje separa torcedores e atletas + comissão. Essa função de psicólogo barato eu não quero. Ninguém quer. Ainda mais tendo que pagar para isso.

Especialmente depois de um jogo truncado e insosso contra o Paraguai que jogou quase o segundo tempo inteiro com um a menos, num zero a zero quase infame.

E o que se haveria de fazer, senão vaiar, diante da anemia?

Aplaudir Coutinho, em noite esquecível, errando absolutamente tudo que tentou? Aplaudir Firmino, que brilhou apenas quando sorria? Aplaudir uma tática estúpida de proteção que evitava os laterais de apoiar para proteger-se de um Paraguai preocupado apenas em defender?

O resultadismo esdrúxulo ainda dirá que este 11 avançou mais que nas 3 últimas Copas Américas. O que é fato, embora não altere uma vírgula na questão afastamento da relação torcedor e time.

Porque não é apenas resultado. É chamar a responsabilidade para si. É ver brio numa gente que está num patamar incomparável de vantagem econômica e social.

O torcedor quer ver alma em campo. Quer ver 11 Evertons Cebolinha partindo para cima da zaga adversária. Quer ver que a sua parte, Seleção, está sendo feita.

A visão de fora é que se trata de um bando de riquinhos mimados infectados pelo vírus do lesionado craque-mor, que nunca são culpados de nada, apenas vítimas das circunstâncias.

Aí batem no peito, exaltam o goleiro adversário – com justiça um tanto exagerada – dizem que venceram. Pois é pouco. É muito pouco.

Aí pedem mais apoio. Pedem, pedem e pedem de novo.

Só que não entregam. Não fazem por onde.

Vão me perdoar, mas o aplauso sai de acordo com merecimento. A questão é meritocrática. A exibição apática de ontem, a terceira em quatro jogos, não vale o calo das palmas, mas tão somente a rouquidão das vaias. Enquanto isso, a torcida olha para o abismo e o abismo alfineta de volta: não vale a pena.

Pois eu digo: não vale, até que valha.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.