Crônica: O branco da camisa e a palidez da arquibancada

Brasil estreia na Copa América com vitória, mas diante de plateia que não sabia exatamente o que fazer num estádio. E o jogo também não ajudou

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  • Gabriel Galo

Publicado em 15 de junho de 2019 às 10:45

- Atualizado há um ano

. Crédito: Lucas Figueiredo / CBF

A última vez que a camisa branca foi utilizada como padrão oficial da Seleção Brasileira foi no Campeonato Sul-Americano de 1953, perdido para o Paraguai no jogo desempate. Na ocasião, a ferida do Maracanazo ainda supurava. Avessos que somos a entender os porquês efetivos, atribuindo a superstições a causalidade dos fatos, colocou-se na conta da camisa a culpa pela derrota. Na sanha pela mudança, surgiu, num concurso do Correio da Manhã, a hoje mítica camisa canarinho, desenho do gaúcho Aldyr Schlee, então um adolescente de 19 anos.

Nos 66 anos entre lá e este 14 de junho de 2019, somente no primeiro tempo do amistoso entre Brasil e França, em comemoração aos 100 anos da FIFA, ela foi revivida. Pois o manto branco parece ser feito para centenários. Neste 2019, completam-se 100 anos do primeiro título brasileiro no Campeonato Sul-Americano, conquistado em jogo desempate contra o Uruguai no Estádio das Laranjeiras, no Rio de Janeiro.

Em que se pese a história da amarelinha, há de se convir. Se o alvo manto não remete a um período particularmente vencedor do Brasil, atenhamo-nos à questão estética. Apesar da idade avançada, a camisa branca da seleção brasileira é um escândalo de bonita. Talvez provoque este efeito de espanto diante do belo justamente pelo poder da novidade – aliado ao bom gosto do desenho simples.

Na toada de reviver aspectos do passado contratados com frieza do presente, a noite do Morumbi esteve carregada de uma esquizofrênica relação com os homens de Tite.

O uniforme de antanho trazia consigo o amadorismo, de uma certa ingenuidade na condução do futebol. Hoje, é estratégia de marketing para impulsionar vendas de camisas, costuradas por uma bem alinhavada contação de histórias.

O estádio do Morumbi também representava este conflito entre passado e presente. Um gigante tido como ultrapassado diante das modernas arenas que acumulam dívidas aos clubes e ao estado, viveu noite em que se comemorou mais a arrecadação recorde que o belo gol de Everton. É o suprassumo da negocialização do futebol. Mais importante que o espetáculo, é o valor do borderô.

Com ingressos custando em média meio salário mínimo, a estreia na Copa América contra a fraca Bolívia – que jogaria desfalcada da altitude – atraiu às arquibancadas do estádio são-paulino o público topzera.

Talvez estivesse na expectativa dos presentes algo como o Lollapalooza, que amontoa bandas nunca-ouvi-falar com uma ou outra de renome. No festival hipster-teen, o expectador está ali mais pela foto do Instagram que pela música, no limite se surpreendo com artista “é bom, hein?” que não conhecia, e parecendo nas redes estar super in no rolê.

E a festa do jogo foi insossa como uma refeição do Paris 6. (Perceba a quantidade imensa de analogias maravilhosas aqui contidas. De nada.)

Quem foi não vibrou – e nem podia. Tanto pelo futebol apresentado pela seleção, vaiada na saída para o intervalo, quanto pela palidez de quem não sabe exatamente o que fazer em tal ocasião, potencializado pela ausência de álcool, esta substância mágica que embeleza o feio. Ensaiou gritos americanizados, porque se o vira-latismo não existe mais no futebol, ainda é vivo na gente que vê Miami como capital do mundo. Observou com certo desinteresse os desdobramentos no gramado e voltou com um certo gosto amargo de arrependimento na boca e na alma.

Talvez até no auge da sonolência tenha pensado e comentado com quem ao lado, enquanto rolavam a timeline da sexta à noite: seria melhor ter ido ver um show do Coldplay (obrigado, Chaves). Lá pelo menos o stories ia bombar.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.