Crônica: O sofrimento de Nariga

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  • D
  • Da Redação

Publicado em 5 de maio de 2018 às 06:35

- Atualizado há um ano

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Nariga anda meio pirado. Ele é torcedor do São Paulo, mas sua taxa de paixão é pouco elevada, por assim dizer. Trata-se de uma torcida mais protocolar, herdada da família paulista, do que aquele sentimento visceral que manda a racionalidade às favas e toma nosso corpo quando, efetivamente, amamos um escudo. Nariga é um torcedor não praticante, em resumo.

Logo, Nariga não está pirado com as atuações do tricolor paulista ou algo que o valha. Nariga anda resmungando porque, ultimamente, não tem visto os jogos da Champions.

Explico: apesar de ser um torcedor não praticante, Nariga é um amante insaciável do futebol, desses que compra livros, procura a história dos clubes, garimpa lances no YouTube, assiste segunda divisão sem compromisso, discute esquemas e, graças à flexibilidade da sua jornada laboral, acostumou-se a ver o principal torneio de clubes do mundo em casa, nas tardes úteis da semana, tomando long necks e comendo batata frita de saco.

Acontece que, este ano, Nariga assumiu um trabalho que exige sua presença in loco no turno vespertino, como ocorre (registre-se) com grande parte da população brasileira. Acorrentado à nova rotina, o cara já dá sinais de crise de abstinência.

Semana passada, quando ocorreram as primeiras partidas da semifinal da Champions, o cidadão atormentou o grupo do zap: “Tá quanto?”. “Quem fez o gol?”. “Porra, vocês não comentam não, é?”. “E aí, quem tá melhor?”.

Esta é uma pequena amostragem do inquérito que Nariga criou para os amigos. Estes, por sua vez, em tácito acordo de pirraça, pouco disseram, deixando o cara na saudade. Das perguntas aos resmungos foi um pulo, chegando à fase dos xingamentos, especialmente quando ele soube que Salah havia esculhambado com a Roma no jogo da Inglaterra.

Segunda-feira agora, véspera de feriado, Nariga mandou mensagem todo empolgado, querendo ver o jogo do Real Madrid junto com os brothers. Afinal, não só ele estaria de folga, como grande parte da população brasileira. Lá pras tantas, a noiva inventou um aniversário de sei lá quem sei lá onde e usou algum argumento que me escapa. E lá foi Nariga contrariado para o tal evento.

No grupo, revelou acompanhar os lances em tempo real, bem naquela pegada antissocial. No dia seguinte, nem isso podia fazer, pois marcaram uma reunião para as 16h, o que, segundo ele, demonstra como esse pessoal de agência publicitária – ao contrário do que se possa supor - vive totalmente descolado da realidade.

Definidos os finalistas, no curto prazo Nariga só tem uma data com a qual se preocupar: 26 de maio, quando Liverpool e Real Madrid se enfrentam na Ucrânia. Para sua sorte, já há alguns anos a Uefa tirou a final do meio da semana e deslocou para o sábado.

Mas e se tiver alguma demanda extra do trabalho? “Jogo pra cima”, radicaliza Nariga, dando de ombros para os índices de desemprego de Temer e sua brilhante equipe econômica.

E olhe que isso nem entramos no mérito da Copa do Mundo, quando a praxe das empresas é liberar a galera apenas para ver os jogos do Brasil e olhe lá. Se Nariga já anda meio pirado, nem quero imaginar como vai ser quando a bola rolar na Rússia.

Victor Uchôa é jornalista e escreve aos sábados.