Crônica: Por uma bola

Para alguns, o jogo reativo é o possível dada limitação do elenco. No caso do Uruguai, é o certo para ativar uma dupla de ataque fatal

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  • Gabriel Galo

Publicado em 27 de junho de 2019 às 11:25

- Atualizado há um ano

. Crédito: Carl de Souza/ AFP

Diz-se que os times mais fracos têm que se organizar para, em futebolês moderno, “saber sofrer”. Ou seja: aturar a ofensiva adversária com valentia sem ser vazado e sem perder a cabeça. E quem sabe, num contra-ataque fortuito, forja o gol em metal raro, sacramentado a vitória.

Passando o olho na tabela do Brasileirão podemos encontrar vários desses casos. Ouvindo as fatídicas entrevistas coletivas, sobram desculpas tais. Limitação técnica – um argumento depreciativo que não cai bem em qualquer elenco. Acertar a defesa. Saber sofrer.

Pois não há no mundo equipe que saiba sofrer como o Uruguai.

Os argumentos, no entanto, fogem da superficialidade das coletivas. Há muito do dedo de Oscar Tabárez e sua maneira de adaptar-se às peças de que dispõe. Mas há, principalmente, uma defesa sólida e um ataque com uma dupla que é das mais letais do planeta.

Atrás, Godín comanda um sistema defensivo que se vê sempre pressionado porque o meio não retém a posse da bola. Vale-se da tradição de suor e sangue dos defensores uruguaios, impregnados no DNA a raça característica.

No entanto, a depender do palco, esta estratégia não funciona a contento. Contra ataques mais robustos, mais contundentes, a insistência vence pelo cansaço.

Acontece que o Uruguai tem uma apólice de seguro. E ela se chama Suárez-Cavani.

O Uruguai joga por uma bola porque sabe que, se ela chegar na frente, vai dar bom. Suárez e Cavani são dois dos mais eficazes delanteros do planeta. São, por assim dizer, snipers da bola, esperando apenas uma janela pequena de oportunidade para fazer sua lei.

Na vitória sobre o Chile, como de praxe, o Uruguai abriu mão da posse. Entregou-a a um escrete chileno desfalcado, poupando jogadores para o mata-mata que ainda viria. Só que estava em jogo a liderança do grupo, e um confronto de quartas-de-final evitando a forte Colômbia.

Em jogo, no primeiro tempo, Suárez teve a sua vez. Driblou o goleiro, segurou, demorou e perdeu gol que não poderia.

Haveria, pois, o Uruguai de jogar não mais por uma bola, mas por duas, uma vez gasta a inicial.

Só que a bola uma foi do Suárez. Ainda restava, pois, a bola uma do Cavani.

Na dinâmica entre os dois, um se apoia no outro. E quem sai ganhando é o time celeste.

Com Suárez a dizer “quebra essa”, Cavani, na única oportunidade que teve, não perdoou. Pegou cruzamento de cabeça, em lance sem tempo para raciocinar nem se ajeitar. Do jeito que dava, no traquejo de quem conhece, meteu para o gol tirando do goleiro, fazendo Uruguai 1×0 Chile e aliviando a apreensão platina.

Vencer por 1 a 0 é a sina do Uruguai de Tabarez. Sina e aposta.

Ao bater os bicampeões da Copa América em gol isolado, quase sem querer, faz com que se recolha o prêmio pela aposta de jogar por uma bola. Ao mesmo tempo, traz tranquilidade ao se perceber que a uma bola não é total, mas para cada.

Se não dá com Suárez, dá com Cavani.

Feliz do futebol uruguaio de vê-los em campo ao mesmo tempo, abrindo os caminhos em meios a defesas oponentes e mexendo com os brios de uma gente que sente e se emociona demais.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.