Crônica: Quando o gol é um detalhe

Chile e Equador fizeram jus à frase de Parreira

  • Foto do(a) author(a) Gabriel Galo
  • Gabriel Galo

Publicado em 22 de junho de 2019 às 16:51

- Atualizado há um ano

. Crédito: Mauro Akin Nassor / CORREIO

Para Pep Guardiola, a posse da bola e chutes são fundamentais para aumentar a probabilidade de gols. Uma questão estatística, pois. Quem tem mais posse terá consequentemente mais finalizações, e quem finaliza mais cria mais chances de gol.

Para o espanhol, o gol, portanto, é uma construção de volume de jogo. Ter a bola e saber o que fazer com ela. O gol é o objetivo, matematicamente trabalhado para que aumente seu prognóstico de acontecimento.

Na outra ponta da tabla de postura de técnicos, Carlos Alberto Parreira, campeão mundial de futebol pelo Brasil em 1994, cunhou a frase que marcou para sempre a forma como se acha que ele vê o futebol. Disse Parreira em momento de rara infelicidade: “O gol é um detalhe”.

Independentemente da possibilidade de aplicação de tática avançada em grupos poucos qualificados, o ponto central aqui é a visão de jogo. Do duelo entre o gol como construto x o gol como detalhe.

Parreira, pois, se orgulharia deste confronto entre Chile e Equador numa Fonte Nova com público de primeira fase de estadual. Não pelo futebol apresentado – não há sã pessoa que considere o sacrifício desta noite algo remotamente parecido com futebol – mas pela validação de sua afirmação.

Diante de cenário tão macabro tecnicamente, ter havido três gols no estádio que recebeu alguns dos jogos mais eletrizantes da Copa de 2014 – isso é que é downgrade – é o parreirismo levado às últimas consequências. O gol foi um detalhe. Qual o quê, os três foram!

Um detalhe que, de certa forma, ameniza a sessão de tortura que foi assistir por mais de 100 minutos a bola ser torturada por caneludos que pareciam estar mais preocupados em aproveitar a noite junina soteropolitana.

Não hei de questionar a validade desta celeuma. Quem conhece os atrativos do São João do Nordeste atesta ser evento atraente demais para nos atermos a questões mundanas menores.

E para completar a sina da festa maior do que pra cima das Minas Gerais, dia 21 de junho é Dia de São Luís Gonzaga. Valhei-me minha Nossa Senhora do Arrasta Pé!

Tivesse alguém gritado “tira todo mundo de campo de uma vez, dá WO nesse baba e bora pro forró”, a arquibancada votaria seu plebiscito, o VAR seria chamado para atribuir autoridade à decisão popular, jogadores se abraçariam em celebração e seguiriam todos aos portões de saída satisfeitos pelo fim do que não se aguentava mais.

Porque até ali, doía a bola, doíam os olhos, doía a alma. Torcedores faziam conta do quanto se poderia aproveitar melhor o dinheiro gasto num ingresso caro pra divagar em quereres que não faziam ruma no gramado da Fonte.

Nem importa mencionar placar. Se os gols foram detalhes semi milagrosos, de que vale a resenha? Nem pra especulação serve a pelada, só pra gerar arrependimento a masoquistas de plantão.

Melhor, pois, cair na esbórnia para compensar o desalento de uma noite de futebol a ser esquecida e desvista em Salvador. No yin-yang do tempo, o perdido há de ser recuperado, equilibrando forças. Então, se vocês me dão licença, careço de entrar em acordo com o universo para não ser alvo de sua ira cármica.

Voltarei quando gols forem os astros, não os detalhes.

Porra, Parreira.

Gabriel Galo é escritor. Texto publicado originalmente no site Papo de Galo e reproduzido com autorização do autor.