Cruzes em jardim da Igreja do Bonfim são retiradas nesta sexta-feira santa

Objetos serão queimados no sábado de aleluia e representam vítimas da violência

  • Foto do(a) author(a) Carol Aquino
  • Carol Aquino

Publicado em 30 de março de 2018 às 21:13

- Atualizado há um ano

Na missa desta Sexta-feira Santa (30) na Basílica Santuário Senhor do Bonfim, não só a Paixão de Cristo foi lembrada, mas a de 562 vítimas de violência na Bahia. Foi após a celebração que os fiéis retiraram as cruzes fincadas nos jardins da Praça em frente à igreja na sexta-feira passada (23), num ato em protesto contra a violência. 

Em cada cruz havia o nome, as datas de nascimento e morte, e o tipo de morte (assassinato, acidente ou suicídio). “Este rapaz era o filho da minha vizinha. Vim aqui a representando porque apesar de já ter dois anos do seu falecimento, ela está muito abalada. Não teria condições de vir a um ato como este”, contou a pedagoga Maria das Neves Souza, 54 anos, segurando uma cruz com o nome de Thiago Reis Zacarias.

Administrador de um posto de gasolina em Candeias, Thiago foi morto em um assalto ao estabelecimento que trabalhava. Era filho único e casado. “Ele era trabalhador”, diz Das Neves com firmeza, lembrando da vida honrada que o filho da sua amiga levou. “Estou aqui lembrando que a violência já passou do que se espera”, disse a mulher. 

As cruzes retiradas foram depositadas em uma caixa no adro da Igreja e serão queimadas em uma fogueira no Sábado de Aleluia. “Como as cruzes eram de madeira, tivemos a ideia de queimá-las em uma fogueira. A liturgia da Vigília Pascal começa com uma fogueira que é acesa e traz a benção do fogo novo”, revela o reitor da Basílica, padre Edson Menezes, sobre a luz que significa a chegada de Cristo, a luz do mundo.

As chamas, são de certa forma, um símbolo da ressurreição e é essa a mensagem deixada pela queima das cruzes. “O que conforta as pessoas que perderam seus entes queridos é a certeza da ressurreição, de uma nova vida”, revelou o pároco. 

Esperança  Com cinco cruzes na mão, a professora aposentada Maria de Lourdes Guerra, 66, tinha muito a lembrar naquela noite. Ela rezava pela alma dos seus pais, uma tia, um amigo e um padre que foram vítimas da violência. “Só não coloquei mais porque achei que já estava colocando muitas cruzes”, disse a mulher, sobre o mal que atingiu entes queridos. 

A mãe foi morta em um assalto quando ela ainda era adolescente e o pai seis anos depois, em um atropelo em uma manhã de Réveillon. Em ambos os casos os culpados não foram encontrados pela polícia. “Também não procuramos saber. Não ia ter mais solução, decidimos (a família) entregar a Deus”, disse. 

Inconformada que tantas pessoas sejam assassinadas no dia a dia, ela diz que foi até a Igreja nesta sexta-feira da Paixão não só para rezar pela alma de seus entes queridos para sentir que está contribuindo para a redução de mortes violentas. “Não tem mais idade, sexo, profissão. Hoje é dia, tudo é motivo para matar. Só um movimento como este para chamar a atenção para tantas pessoas que estão sofrendo”, contou. 

Também ajudando na retirada das cruzes, estavam aqueles que não necessariamente tinham um parente ou amigo vítima da violência, mas que eram solidários a dor de quem ficou.

"Vim aqui só ouvir o Evangelho, mas acho bom lembrar dessas pessoas que morreram desta forma triste, como a vereadora Marielle Franco. Colocaram uma cruz com o nome dela também", apontou a encarregada Carla Cerqueira, 44. "Assim como Cristo foi crucificado, essas pessoas foram crucificadas. Vivemos num País muito violento, então é importante a Igreja Católica se manifestar", refletiu o técnico em mecânica Filipe Fernandes, 28. 

Oração e ação A colocação e retirada das cruzes faz parte da programação da Igreja da Campanha da Fraternidade 2018, cujo tema é “Fraternidade e superação da violência”, tendo como lema “Em Cristo somos todos irmãos (Mt 23,8)”.

O padre Edson disse no dia de colocação das cruzes que a comunidade cristã pode sim agir contra a violência. “É preciso que se reze e se faça alguma coisa, oração e ação. Que não fiquemos de braços cruzados”, disse. Uma das ações da Igreja do Bonfim é distribuir folhetos para a superação da violência, quando algumas das dicas são evitar a rispidez, atitudes de ofensas e praticar a gratidão.